O fim da política de filho único na China?

Passados 35 anos, o controle populacional imposto no país começa a revelar-se um equívoco diante do rápido envelhecimento e do desequilíbrio de gênero na população

A China passou de um patamar de crescimento econômico anual de quase dois dígitos na última década, para algo em torno de 7% atualmente

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Imagine um país com a população estimada pelas Nações Unidas em 1,38 bilhões de pessoas no ano de 2015. Possuindo 105 cidades com uma população residente acima de 1 milhão de habitantes, sendo 6 delas acima de 10 milhões. Entre 1960 e 1970, este país cresceu perto de 165 milhões de pessoas, o equivalente à população do Brasil em 1997, e na década de 1970 cresceu quase 170 milhões, mais um Brasil de 1998, e se aproximava de 1 bilhão de habitantes. Este era o panorama da República Popular da China na época da implantação da política de filho único: crescendo mais que um Brasil a cada década.

Tendo em vista que o crescimento populacional considerado acelerado poderia prejudicar o crescimento econômico desejado, foi instituída em 1979 a política de filho único na China. Tratava-se de uma medida que proibia aos casais terem mais do que um filho. Quem descumpria era obrigado a pagar pesadas multas e surgiram esterilizações forçadas e principalmente abortos seletivos por sexo, pois existia uma preferência social por bebês do sexo masculino.

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Competências: interpretar informações de natureza social, realizando previsão de tendência.
Habilidades: analisar informações expressas em gráficos ou tabelas como recurso para a construção de argumentos.
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A partir da leitura do texto, que serve como um panorama geral, realize uma discussão com os alunos sobre a modificação na composição populacional da China, comparando-a ao Brasil, que não passou por uma política de controle. Os seguintes pontos podem ser abordados:

1) Os dados de taxa de fecundidade total do Brasil eram parecidos com os da China antes da política de filho único, sendo de 6,1 filhos por mulher em 1960-1965, caindo para 5,4 filhos em 1965-1970, de 4,7 filhos em 1970-1975 e finalmente para 4,3 filhos entre 1975-1980, segundo dados das Nações Unidas. Os números da China se reduziram ainda mais rapidamente que os do Brasil (na China era de 3,0 filhos entre 1975-1980). Seria mesmo necessária a implantação desta política no país asiático?

2) Quais seriam os problemas advindos com os 400 milhões de habitantes a mais na China caso não houvesse a política de filho único? Boa parte deste número seria de mulheres, abortadas antes de nascer, o que equilibraria a composição da população por sexos e postergaria este problema de redução da mão-de-obra e rápido envelhecimento populacional. O medo do governo é sempre de uma “explosão populacional”, mas, como vimos, isto não deve acontecer e não aconteceria mesmo com as mulheres podendo ter mais filhos, em vista de que optariam por não ter mais filhos pelos motivos destacados no texto.


3) O que pode acontecer caso os casais chineses não desejem ter mais que um filho? Isto é bem possível como mencionado no texto. Caso a fecundidade se reduza ainda mais, a população chinesa se reduziria para menos de 1 bilhão antes de 2070, um valor próximo ao do ano de 1980, e sendo constituída em grande parte por idosos, gerando problemas graves de acesso a serviços de saúde e com uma reduzida força de trabalho para mantê-los e fazer funcionar a economia do país. Seriam necessárias então políticas pró-natais?
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Passados 35 anos, o governo chinês estima que esta política tenha evitado o nascimento de 400 milhões de bebês. Mas a que preço? Nos últimos anos, os líderes chineses se deram conta de que décadas de nascimentos de meninos em detrimento das meninas ocasionaram uma composição de população totalmente desigual tratando-se de gênero. Estima-se que mais de 24 milhões de homens podem ficar sem esposas até 2020 em função deste desequilíbrio.

A população em idade ativa para o trabalho está se reduzindo significativamente e há um rápido envelhecimento populacional. Daqui a 15 anos, a China poderá ser o país com o maior número de idosos no mundo, uma ordem de 400 milhões de habitantes com 60 anos ou mais de idade, afetando de forma significativa os serviços sociais, de saúde e prejudicando o sempre almejado crescimento econômico.

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Tendo em vista este cenário, iniciou-se um relaxamento da política de filho único, sendo que em áreas rurais os casais poderiam ter o segundo filho se o primeiro fosse uma menina. A partir de 2014, caso a mãe ou o pai fossem filhos únicos, foi permitido a eles que tivessem o segundo filho também em áreas urbanas. Mas como apenas 12% dos casais elegíveis realmente tiveram o segundo filho, os líderes chineses resolveram ampliar esta política, possibilitando, em 2015, que todos os casais possam ter 2 filhos.

Na verdade, 11 milhões de casais já poderiam ter o segundo filho por serem filhos únicos. O governo esperava pelo menos 2 milhões de novos chineses, mas apenas 1 milhão de fato tiveram o segundo descendente.

Os demógrafos, ou estudiosos de população, há tempos vinham alertando que esta política de filho único era ineficaz e também desnecessária, pois o número médio de filhos por mulher, chamado de taxa de fecundidade total, estava caindo naturalmente na China, passando de 6,3 nos anos 1960 para 4,9 no período 1970-1975 e 3,0 em 1975-1980. Ou seja, caiu pela metade em 20 anos, antes da adoção desta medida, que retirou os direitos reprodutivos das mulheres chinesas sobre a possibilidade da escolha de ter quantos filhos quiser.

Esta redução da fecundidade tem ocorrido no mundo todo devido principalmente à urbanização, que encarece a criação de filhos, o maior conhecimento e disseminação de métodos anticoncepcionais e a entrada da mulher de maneira mais significativa no mercado de trabalho, adiando o nascimento dos filhos e reduzindo o número destes.

É preocupante também para a China, assim como para outros países que vivenciam um rápido envelhecimento populacional, a redução significativa da população em idade ativa para trabalhar e o fato de que os novos nascimentos, se efetivamente venham a ocorrer, ainda levem décadas para entrar no mercado de trabalho. Além do que, o relaxamento da política de filho único ainda deve ser ratificado por governos locais, que poderão incluir algumas variações regionais, podendo ainda levar algum tempo para ser implementada. Tudo isto afetará o crescimento econômico deste gigante populacional.

Talvez um dos grandes receios do governo chinês em relação ao aumento populacional seja em termos da pressão por recursos, mas o problema não é o tamanho da população, mas sim os níveis de consumo. Recentemente saiu uma pesquisa mostrando que se a população mundial consumisse como os brasileiros seriam necessários recursos equivalentes ao que se produz em três planetas Terra para satisfazer a todos. Tomando-se como exemplo os níveis dos norte-americanos seriam necessários mais de 10 planetas.

O consumo dos chineses é bem menor neste momento, mas caso haja uma pressão por aumentar seu desejo de consumir – o que é legítimo – daí sim a coisa começa a complicar. Resumindo, o problema não seria o tamanho, mas o nível de consumo.

Para finalizar, os líderes chineses estão esperando um substantivo aumento no número de nascimentos com o relaxamento da política de filho único, mas a questão que fica é até que ponto os casais chineses terão o segundo filho, uma vez que os custos econômicos são muito altos no país para a criação de filhos e o desinteresse dos casais formados por filhos únicos em ter outro filho já deu mostras disto.

Seja qual for a decisão dos chineses, projeções mostram que, no ritmo de hoje, a população da China chegará a um pico populacional de 1,42 bilhão entre 2028-2030 e começará a cair. Se houver um crescimento gradual do número de filhos para dois, este volume pode chegar a 1,43 bilhão; e se os casais tiverem o segundo filho em 2016 o valor chegaria a 1,46 bilhão em 2035 como ano do pico, mas isto seria muito improvável.


O mais provável é que a partir de 2030 a população chinesa comece a reduzir de tamanho, podendo também ser constituída por 15% a 20% de pessoas com 65 anos ou mais de idade. Então já não estaria na hora de pensar no fim do controle populacional de fato e na devolução do direito reprodutivo aos casais chineses?

Alberto Augusto Eichman Jakob é demógrafo, pesquisador do Núcleo de Estudos de População “Elza Berquó” (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

 

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