Educação

‘O ensino superior no Brasil cresce sob uma lógica de mercado’, diz pesquisador

O professor José Marcelino de Rezende Pinto analisou os dados do Censo da Educação Superior 2023, divulgados por MEC e Inep

‘O ensino superior no Brasil cresce sob uma lógica de mercado’, diz pesquisador
‘O ensino superior no Brasil cresce sob uma lógica de mercado’, diz pesquisador
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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“O ensino superior no Brasil cresce sob uma forte lógica de mercado”. A avaliação é de José Marcelino de Rezende Pinto, professor titular da Universidade de São Paulo, fundador e ex-presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação. A convite de CartaCapital, ele avaliou os dados do Censo da Educação Superior 2023, divulgados na última quinta-feira 3 pelo Ministério da Educação e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, o Inep.

Os dados mostram que, em 2023, foram oferecidas 25 milhões de vagas para ingresso em cursos de graduação, ao mesmo tempo em que se efetivaram 9,9 milhões de matrículas. A oferta é quase três vezes superior à demanda.

“Na verdade, é um sistema disfuncional, porque ele cresceu na lógica do mercado, não na lógica da necessidade do País”, diz o pesquisador. Ele anota que o cenário se formou às custas da maior oferta de cursos a distância por instituições da rede privada, que ainda concentram a maior parte das matrículas no ensino superior.

Em 2023, as instituições privadas atingiram 79,3% das matrículas no ensino superior, um crescimento de 7,3% em relação a 2022. Já as instituições públicas registraram 20,7% das matrículas, uma ligeira queda de 0,4%.

No período, o País também teve 5 milhões de matrículas em cursos de graduação no modo presencial e 4,9 milhões em EaD. Se a tendência persistir, o número de estudantes em cursos a distância deve superar ainda neste ano o universo de alunos na modalidade presencial.

“É um movimento que assusta e coloca na frente das pessoas uma mercadoria, que nem sempre está atrelada à qualidade ou a possibilidades futuras a esse estudante”, analisa Marcelino, que ainda chama a atenção para os dados de desistência.

Na rede privada, a taxa de desistência acumulada ficou em 61 no ano passado, ante 53 na rede pública. Na rede federal, o índice foi de 56, caindo a 41 entre os estudantes cotistas.

Para o pesquisador, os dados reforçam a necessidade de o governo federal investir na expansão da rede pública e reduzir os subsídios ao setor privado, caso de programas como ProUni e Fies.

O Censo também evidenciou, pela primeira vez, que o ensino médio articulado à educação profissional, na forma integrada ou concomitante, despontou como um forte indutor do acesso à educação superior. 44% dos estudantes que cursaram a modalidade conseguiram chegar ao ensino superior no ano seguinte.

“Estamos falando de uma rede federal de qualidade e, ainda assim, nos vemos diante de uma Reforma do Ensino Médio que vende soluções com os itinerários formativos e caminha no sentido contrário da qualificação da etapa”, critica Marcelino. No caso do ensino superior, prossegue, um bom caminho seria ampliar a atuação dos institutos federais.

Prevalência da EaD em cursos de licenciatura também preocupa

Os dados do Censo mostram que a modalidade EaD também prevalece entre os professores que trabalham na educação básica e estudam na educação superior. O índice da modalidade a distância é de 76%, contra 24% da presencial. Os cursos de licenciatura agregam 72% dos professores; os de bacharelado, 23%; e os tecnológicos, 5%.

Considerando apenas o universo das licenciaturas, na rede privada, 90% das matrículas – de um universo de 1 milhão de vagas – são via EaD. Na rede pública, que ofertou cerca de 570 mil vagas, 80,3% das matrículas decorreram da modalidade presencial, contra 19,7% de EaD.

“Não dá para termos professores que atuarão nas salas de aula se formando a distância”, afirma o pesquisador, ao cravar que formação docente é um componente fundamental para qualificar a oferta da educação pública brasileira.

O Ministério da Educação homologou, em maio deste ano, um parecer que proíbe a oferta de licenciaturas integralmente a distância no País. Conforme a norma, os cursos precisam ter uma carga horária que seja pelo menos 50% presencial. A pasta também suspendeu, até 10 de março de 2025, a criação de cursos de graduação a distância, novas vagas e polos de ensino a distância.

Segundo o ministério, a decisão é parte do processo de revisão do marco regulatório da educação a distância, cujo objetivo é garantir a qualidade dos cursos de graduação oferecidos na modalidade.

Além da suspensão da criação de cursos, há um veto ao aumento de vagas em cursos de graduação EaD e à criação de polos EaD por instituições do Sistema Federal de Ensino, inclusive por universidades e centros universitários.

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