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O brasileiro 
e a mazela da fome

Por que estamos 
no rumo certo no combate à fome

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“E quando cresci e saí pelo mundo afora, vendo outras paisagens, me apercebi com nova surpresa que o que eu pensava ser um fenômeno local, um drama do meu bairro, era drama universal. Aquela lama humana do Recife, que eu conheci na infância, continua sujando até hoje toda a paisagem do nosso planeta como negros borrões de miséria: as negras manchas demográficas da geografia da fome.”
(Josué de Castro, prefácio do livro Homens e Caranguejos, Lisboa, 1966)

Josué de Castro, o médico brasileiro conhecido internacionalmente pelos seus estudos sobre a fome faleceu no exílio há 40 anos. Batalhador contra a inércia dos governos e da sociedade em combater aquilo que denominava de “tema proibido”, publicou 29 livros traduzidos para dezenas de idiomas. Josué foi deputado por Pernambuco, professor, idealizador de programas governamentais de combate à fome nas décadas de 1930 e 1940 e presidente do Conselho da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO, em inglês). Morreu em Paris, em 1973, desapontado com os rumos da humanidade e impedido de voltar ao País. Com certo atraso, o Brasil de hoje faria Josué de Castro se orgulhar dos resultados alcançados pelos diversos programas de combate à fome e como esse trabalho vem sendo mencionado como exemplo pelos organismos internacionais.

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Leia abaixo atividade didática de Geografia para o Ensino Médio relacionada ao tema

Competências: Compreender os fundamentos da cidadania e da democracia, favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade

Habilidades: Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades; identificar estratégias que promovam formas de inclusão social

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1) Segundo os dados do Bolsa Família, a transferência média mensal de recursos por família beneficiada é de 170,10 reais (setembro de 2014). Esses recursos deveriam ser suficientes para garantir a alimentação no domicílio para uma família de tamanho médio, de 3,30 integrantes.

2) A cesta básica foi estabelecida pelo mesmo decreto que criou o salário mínimo, em 1938, e desde então sofreu uma atualização em termos de tipos de produtos e também uma regionalização. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), calcula mês a mês os gastos com a cesta básica em diversas capitais.

3) Peça para os alunos preencherem os preços da cesta básica com os valores que eles estimam. Em uma segunda rodada, eles deverão levantar esses preços nos supermercados, armazéns e feiras livres.

4) Feitas as duas listas: a primeira, um recordatório de preços levantados em sala de aula, e a segunda, com a média das observações dos alunos, propõe-se dinamizar a discussão com duas questões:

5) Houve discrepância entre os valores obtidos na primeira e na segunda lista? Por quê? (analise os diferentes padrões de consumo, qualidade dos produtos e os diferentes canais de comercialização.)

6) Compare os valores obtidos nas tabelas com os valores médios repassados no Bolsa Família.

7) Abra o debate sobre a importância do Bolsa Família para a alimentação, desse programa em complementação a outros programas como a merenda escolar e do Bolsa Família em complementação a outras rendas das famílias pobres.

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Combater aquilo que denominamos de insegurança alimentar e nutricional não é simples. Muitos governos bem-intencionados fracassaram ao desencadear programas rudimentares para combatê-los. Tendo em vista que são várias as dimensões do problema, os programas devem ser combinados e, mais que tudo, atacar as
suas causas. No seu livro Geopolítica da Fome, de 1951, Castro recordava que, quando as forças aliadas entraram nos campos de concentração nazistas da Segunda Guerra Mundial, encontraram milhares de pessoas subnutridas que começaram a ser tratadas com o subministro de alimentos ou por via intravenosa. Para surpresa dos médicos, os pacientes sob o tratamento passavam mal e acabavam falecendo. Demorou para que se encontrasse o caminho correto para a recuperação desses pacientes por meio de pequenas doses de leite desnatado. A surpresa era a de que em pleno século XX a ciência ainda não sabia como tratar da desnutrição crônica. Da mesma maneira hoje não temos uma fórmula pronta para aplicar ao problema da fome, que ainda atinge 805 milhões de pessoas ao redor do mundo.

O programa Bolsa Família do governo federal foi instituído em 2003 no âmbito do Fome Zero e atende um contingente de 13,8 milhões de famílias. A transferência de renda para os beneficiários está condicionada à obrigatoriedade da frequência escolar, caderneta de vacinação e exames de pré-natal para gestantes. Esse conjunto de obrigações e os recursos adicionais em mãos das famílias em extrema pobreza contribuíram para que os péssimos indicadores de saúde, educação e acesso à alimentação melhorassem significativamente ao longo dos últimos anos. Programas similares foram implementados em diversos países do mundo, a partir de 1980. Na América Latina, 18  países  utilizam esse instrumento entre as suas políticas sociais, beneficiando 25 milhões de famílias.

Os programas de Transferência de Renda Condicionada (TRC) representam uma opção clara dos governos pela focalização do seu sistema de apoio social para um conjunto específico de beneficiários. A TRC representa uma alternativa em relação ao sistema de bem-estar social tradicional que no pós-Guerra estendeu direitos sociais para toda a população, principalmente na Europa. Garantir esses direitos a todos os cidadãos é caro e não está ao alcance de qualquer governo. Mesmo países ricos, como os Estados Unidos, não possuem um sistema universal que permita o acesso gratuito a benefícios intrínsecos à condição humana, como a saúde. Por outro lado, em países como o Brasil, a educação e a saúde são universais e gratuitas, mas de baixa qualidade, e essa característica faz com que os mais ricos, espontaneamente, busquem alternativas privadas.

A Constituição Federal de 1988 não tratava a alimentação de forma explícita como um direito social. Os direitos garantidos pelo Estado eram educação, saúde, lazer, segurança, previdência, proteção à maternidade e à infância, e assistência aos desamparados. Em 2010, o artigo 6º da Constituição recebeu duas emendas acrescentando a moradia e o direito à alimentação. Ampliou-se com isso a atuação do Estado, chamando para si a responsabilidade pela alimentação. Por isso intensificou-se no Brasil a articulação das TRCs com outros programas voltados à alimentação.

Embora o Bolsa Família continue como o maior programa social, os governos dos últimos anos foram bem-sucedidos em articular outras ações em três níveis de atuação: mudança na estrutura produtiva (geração de empregos, aumento no salário mínimo, ampliação dos benefícios previdenciários, ensino técnico), alimentação (ampliação da alimentação escolar, produção da agricultura familiar, restaurantes populares) e local/regional (desenvolvimento rural, bancos de alimentos, cisternas). Essa sinergia entre os programas sob o guarda-chuva do Fome Zero permitiu uma rápida melhora nos nossos indicadores, ao mesmo tempo que dava atendimento aos direitos sociais previstos na Constituição.

Mais de 150 países já assinaram o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (Pidesc) reconhecendo o “direito fundamental de toda pessoa estar protegida contra a fome”. Esse pacto representou o maior avanço em reconhecimento de direitos desde a Declaração dos Direitos do Homem de 1948. O Brasil, signatário, conseguiu dar concretude a esse direito, colocando em campo  programas com um gasto público que, pela primeira vez, é  significativo no orçamento.

Estamos levando a sério o combate à fome e fazendo escola em  política social. Os resultados mostram que o número de subnutridos no Brasil caiu abaixo das proporções consideradas significativas pela FAO. Parece que conseguimos encontrar o caminho e isso torna o Brasil um caso de estudo para todo o mundo. 

***

Leia as características dos sistemas de proteção social, universais ou focalizados:

Universalização
• Atende a direitos sociais constitucionais.
• Não discrimina entre cidadãos.
• Elimina privilégios, atende a todos indiscriminadamente.
• Mais fácil de administrar em países pobres, pois não necessita de listas, cadastro etc.
• Custa mais caro.
• É inviável justamente nos países pobres.

Focalização
• Organiza a fila do atendimento dos beneficiários segundo as suas carências.
• Discrimina segundo as características  do cidadão.
• Cria privilégios, tornando difícil a saída voluntária de beneficiários.
• Planejamento inicial de alto custo, mas com  implementação acessível.
• Pode viabilizar políticas em países pobres.

*Walter Belik é professor de economia agrícola e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Unicamp

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