Educação

Não há previsão legal para descumprir o piso salarial de professores, diz pesquisador

Nesta semana, a Confederação Nacional dos Municípios orientou prefeitos a não considerarem o reajuste de quase 15% anunciado pelo MEC

Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O reajuste do piso salarial dos professores anunciado pelo ministro da Educação, Camilo Santana, gerou mal-estar entre os municípios. O MEC confirmou a correção de 14,95%: de 3.845,63 para 4.420,55 reais neste ano.

Um dia após o comunicado, a Confederação Nacional dos Municípios se manifestou contra a medida, orientando os prefeitos a não executarem o aumento. A CNM argumenta não haver base legal para a concessão do reajuste, além de criticar a pressão orçamentária de 20 bilhões de reais sobre os cofres das cidades.

O entendimento, no entanto, é questionado por pesquisadores da área e entidades representativas, que condenam a postura da Confederação.

A CNM entende que os critérios para o reajuste estão sem base legal desde que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb, passou a ser regulamentado por uma nova lei, a 14.113/2020. O texto da lei anterior previa a criação do piso salarial nacional para os professores, regulamentado pela Lei 11.738/2008.

Sustenta, ainda, que a Lei do Piso considera como critério para reajuste a variação do valor/aluno anual, também definido nos termos da lei do antigo Fundeb.

“Essa lei deixou de existir, então há um vácuo legal na forma de correção do piso”, declarou o presidente da confederação, Paulo Ziulkoski, durante coletiva de imprensa na terça-feira 17. “O antigo e o atual governos estão entendendo que esse vácuo legal pode ser substituído por uma portaria, e estamos mostrando que, além de uma temeridade, é uma irresponsabilidade.” Ele também se refere ao reajuste de 33,24% concedido ao piso dos professores pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Ziulkoski recomendou aos municípios que “não adotem esse critério”, mas disse que “quem quiser, tem autonomia”. A decisão deve se basear, segundo ele, em dados como a inflação.

A análise da confederação, no entanto, não possui respaldo jurídico, segundo o professor de Direito e Políticas Públicas da UFABC Salomão Ximenes. O pesquisador explica que a nova Lei do Fundeb não revoga a Lei do Piso, o que torna a posição da CNM ‘temerária’.

“Não há uma mudança de cenário relevante com a nova Lei do Fundeb em relação à obrigação jurídica de pagamento do piso. A obrigação segue vigente. A lei não foi revogada, inclusive não há mudança de posicionamento no âmbito do Ministério da Educação”, destaca Ximenes.

Neste mês, a Advocacia-Geral da União se manifestou a favor de um parecer da Secretaria de Educação Básica, ligada ao MEC, a propor a atualização do piso salarial em 2023 com base na Lei do Piso. Em março de 2021, o Supremo Tribunal Federal reconheceu o reajuste anual do pagamento mínimo e a forma de atualização via portarias do Ministério da Educação. O parecer se deu no âmbito de uma ação direta de inconstitucionalidade movida pelos governos de Mato Grosso do Sul, Goiás, Piauí, Rio Grande do Sul, Roraima e Santa Catarina. Os estados pleiteavam que o reajuste ocorresse por meio de lei, não de portarias.

“O entendimento da AGU é de que, sim, será necessário atualizar a Lei [do Piso], porque a Lei do Fundeb mudou. Enquanto não houver essa atualização, no entanto, a legislação segue vigente”, prossegue Ximenes. “Acho bastante temerária essa tática de orientar o descumprimento da lei, sem que se tenha qualquer tipo de decisão judicial ou embasamento que proteja essa orientação. Na verdade, ela orienta os prefeitos a se colocarem numa situação de ilegalidade, que pode provocar muitos prejuízos aos municípios, com riscos de improbidade e em torno da elegibilidade.”

Em nota divulgada nesta quinta-feira 19, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação considerou o posicionamento da confederação uma afronta ao regime democrático, ao Estado de Direito e à decisão do Supremo Tribunal Federal. Também reiterou a orientação para que  sindicatos filiados e demais entidades que representam os servidores do magistério público exijam o efetivo cumprimento do piso salarial nacional do magistério este ano.

‘Municípios que não conseguem pagar o piso devem abrir suas contas’

A CNM também apontou que o pagamento do reajuste do piso tem gerado intensa pressão orçamentária sobre os municípios, que nem sempre conseguem cumprir o compromisso. A estimativa feita pela Confederação é de que o pagamento do novo piso geraria um impacto de 19,4 bilhões de reais sobre as contas municipais. No ano passado, a estimativa a partir do reajuste concedido por Bolsonaro era de 35 bilhões.

Uma pesquisa realizada pela Confederação em 2022 com 4.016 municípios mostrou que cerca de 3 mil garantiram reajuste, dos quais 1.721 concederam percentuais diferentes daquele anunciado pelo governo federal. A adesão ao aumento recomendado foi de 31,1% entre as prefeituras consultadas.

Para o doutor em Educação Nelson Cardoso do Amaral, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, é fundamental que os entes federativos abram suas contas em caso de descumprimento do piso.

“A lei prevê que, em caso de não cumprimento, estados e municípios solicitem complementação orçamentária ao governo federal”, esclareceu. “Acho que a postura deveria ser a de debater, negociar.”

Para os pesquisadores, a celeuma em torno do reajuste do piso salarial dos professores revela um problema central: o subfinanciamento da educação, atrelado ao deslocamento de políticas educacionais centrais, caso do Plano Nacional de Educação, a prever metas de qualidade para todas as etapas do ensino. Um relatório publicado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação em junho do ano passado mostrou que 86% dos objetivos previstos no PNE ainda eram descumpridos. O plano tem vigência até 2024.

De acordo com Salomão Ximenes, ao mesmo tempo em que o PNE mostra que trabalhadores da educação têm uma média salarial que corresponde a cerca de 78% do obtido pelos demais profissionais com educação superior, prefeitos reclamam por não terem recursos para bancar o piso.

“É evidente que é preciso enfrentar o desafio do subfinanciamento da educação com mais recursos. O novo Fundeb faz isso parcialmente”, avalia. Ele se refere às novas regras a preverem um repasse progressivo da União a estados e municípios para o financiamento da educação, até alcançar o índice de 23% em seu sexto ano de vigência. Para este ano, pela lei, a previsão de repasse é de 17%.

“As análises do Inep mostram que em 2020, último ano de apuração dos dados, esse valor estava em 5,4%. Não foi dada nenhuma atenção para isso nos últimos anos”, acrescenta Nelson Cardoso do Amaral.

Eles destacam, ainda, que o pagamento do piso salarial dos professores deve ser pensado em conjunto com a valorização da carreira docente – “diferentemente do governo Bolsonaro, que adotou apenas uma postura oportunista ao conceder o reajuste, sem nenhum compromisso adicional com o seu cumprimento”, segundo Ximenes.

Os pesquisadores defendem como temas centrais a adoção de diretrizes nacionais para a carreira docente e a regulamentação do Custo Aluno Qualidade, no âmbito do Sistema Nacional de Educação, para alcançar avanços nas condições de trabalho, na infraestrutura das escolas, na disponibilidade de equipamentos, no número de profissionais da educação e na quantidade de alunos por sala de aula.

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