Disciplinas

Lugar de esporte radical é na escola

Modalidades de aventura ou de ação despontam como lócus de resistência e inventividade

Skatista faz manobra em São Paulo
Esportes radicais repudiam a subordinação e subverter a ordem esporte radical skate surf rapel atleta arvorismo bungeejumping kitesurf
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O esporte moderno tem sua origem nas escolas da elite inglesa. Produto de transformações dos jogos populares, vistos com certo desagrado pela aristocracia local. A violência que caracterizava as práticas tradicionais gradativamente deu lugar a um conjunto de regras que pretendiam instaurar o comportamento cavalheiresco. Dos trajes às atitudes, a gênese do esporte está profundamente marcada pelos desígnios das classes mais abastadas.

Leia atividade didática de Educação Física inspirada neste texto
Anos do Ciclo: 6° ao 9°
Objetivos de aprendizagem: Analisar a ocorrência da prática do skate na comunidade; Adaptar a prática do skate ao contexto escolar; Conhecer as origens e contextos de criação, bem como as principais modalidades ligadas ao skate; Identificar e problematizar os diferentes significados que lhe são atribuídos
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Com seus alunos/ O skate vai à escola 
Produza com os estudantes uma atividade com o skate em sala de aula
Tempo de duração: 10 aulas

1. Converse com os alunos sobre a prática do skate na comunidade (quem participa, onde, de que maneira etc.). Registre os conhecimentos que os alunos possuem sobre os praticantes: vestimentas, técnicas e características da(s) modalidade(s) mencionadas.

2. Combine com a turma e com a equipe gestora da escola os procedimentos necessários para a prática: trazer o skate de casa, guardá-lo até o momento adequado, emprestá-lo aos colegas etc.

3. Organize vivências a partir das representações que os alunos possuem, adaptando-as em função das características do ambiente. Oriente o revezamento dos alunos de modo a permitir que todos vivenciem.

4. Após a vivência, estimule o grupo a posicionar-se sobre as dificuldades e facilidades encontradas e sugerir modificações.

5. Apresente aos alunos algumas cenas das modalidades de skate retiradas da internet. Converse com eles sobre os praticantes, as técnicas empregadas, a organização e as manobras executadas.

6. Reorganize a vivência do skate a partir das observações realizadas pelo grupo.

7. Convide um praticante para ir à escola. Prepare juntamente com a turma o roteiro para a entrevista: trajetória na modalidade, locais onde pratica e praticou, hábitos dos skatistas, trajes, gírias etc.

8. Peça à turma para estabelecer relações entre as informações obtidas e as impressões que possuíam no início do projeto.

9. Analise os registros que fez durante todo o trabalho e identifique em que medida as atividades realizadas possibilitaram o acesso a conhecimentos mais aprofundados sobre o assunto. [/bs_citem]

Em pleno século XVIII a Inglaterra já era uma democracia consolidada, o processo de urbanização encontrava-se em franco crescimento e a Revolução Industrial fizera profundas mudanças no estilo de vida da população. Se somarmos a esses ingredientes as influências da religião cristã, o estágio avançado dos meios de transporte e a atração exercida pelo modo de vida burguês, teremos as condições propícias para o surgimento do esporte.

A prática esportiva era uma maneira sofisticada de preencher o tempo ocioso, fortalecer os valores e estimular o espírito competitivo de maneira controlada. Enquanto isso, os setores desprivilegiados viam no esporte uma forma de divertir-se e reterritorializar as práticas corporais banidas pela nobreza. Todavia, no início do século XX, um novo elemento traria mudanças nessa concepção, contribuindo para a disseminação do esporte nas camadas populares: a possibilidade de ascensão social.

Em termos oficiais, o esporte era visto como uma forma legítima de compensar o desgaste das longas jornadas de labor na indústria, além de constituir-se em uma atividade reguladora das tensões sociais. Tomando como base uma relação custo-benefício altamente vantajosa, disseminaram-se eventos esportivos que atraíam o interesse das massas. Surgiram novas modalidades, o que permitiu uma participação cada vez mais heterogênea. Graças aos estímulos e recursos estatais, a atenção dos trabalhadores foi despertada. Viram no esporte uma possibilidade de preencher as horas vagas praticando ou apreciando as exibições.

Num primeiro momento, o esporte era visto como atividade que cultivava a força e a virilidade, qualidades tidas como masculinas. Mais tarde, com a invenção de modalidades que ressaltavam a graça e a estética, os olhares femininos foram seduzidos. A fundação de associações e clubes determinou a padronização de regras e comportamentos, o que pode ser entendido como um passo decisivo para a institucionalização, procedimento bem ao gosto de uma sociedade cada vez mais burocratizada.

O aumento no interesse da população e as mudanças das características dos praticantes trouxeram modificações aos significados atribuídos ao esporte. O teor amador e cavalheiresco foi substituído pelo desejo de mobilidade num tecido social profundamente segregado e hierarquizado. A profissionalização acabou de vez com o espírito inicial, trazendo consigo a racionalização, os métodos, a preocupação com retorno financeiro e a conversão do esporte em espetáculo, sem abrir mão do financiamento público.

A consequência irrefutável foi a perda do caráter lúdico e a transformação do esporte em atividade séria, sobretudo para os competidores. O sistema organizado por entidades específicas, rigor das regras, disciplina tática, profissionalização e emprego da tecnologia nos equipamentos, treinos e provas materializam esse fenômeno.

Nas décadas iniciais do século XX o esporte recebeu dois novos significados: instrumento para fortalecer a identidade nacional e meio de aquisição da saúde corporal. O sucesso nas competições internacionais passou a ser visto como reflexo do poderio econômico e os esforços exigidos para um bom desempenho foram atrelados à melhoria da aptidão física. Nos dois casos, a prática esportiva concretizou os ideais de um Estado em busca de um maior controle da população.

Nos anos mais recentes surgiram outros sentidos para o esporte: estratégia para combater os malefícios do sedentarismo ou do estresse da vida cotidiana; produto de consumo em larga escala; recurso para retirar crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social das ruas; meio de educação; e forma de ressocialização de infratores. Indícios dessas novas atribuições podem ser constatados na multiplicação de eventos esportivos, proliferação dos locais de prática, aparição de especialistas e, principalmente, o espaço ocupado nas mídias.

A questão é que a transformação do esporte em um negócio altamente rentável chamou a atenção do mercado e despertou o apetite das grandes corporações por maiores lucros. Além disso, se considerarmos a sua eficácia como forma de regular a população, torna-se fácil compreender as enormes cifras destinadas ao mundo esportivo. Ora, o atleta vitorioso acumula dividendos financeiros para seus patrocinadores, encarna o herói e serve de referência às novas gerações. Transforma-se simultaneamente em mito, garoto propaganda e cidadão exemplar.

Diante disso, não é casualidade que o esporte tenha assumido uma função narcísica. Enquanto à época da sua criação as qualidades morais requeridas dos seus praticantes eram exaltadas, nos tempos que correm a visibilidade e o enriquecimento reforçaram o individualismo competitivo. Muitos atletas, transformados em objetos de contemplação pelas mídias, parecem querer distanciar-se de tudo o que extrapole as arenas de disputa. Costumam, até mesmo, delegar as obrigações cotidianas a terceiros.

Não há dúvidas que a complexidade do sistema esportivo acaba por gerar o afastamento do esportista das atividades intermediárias, transformando-o em mero personagem. São bem poucos os que conhecem a própria modalidade a fundo. O atleta é apenas um adereço descartável de uma maquinaria complexa cuja finalidade e funcionamento não controla nem compreende. O mecanismo é tão sofisticado e as engrenagens são tantas que ele acaba por submeter-se docilmente a regras que extrapolam a prática esportiva. Fica à mercê de especialistas disso e daquilo e, em alguns casos, contrata assessores que lhe dizem como deve agir, pensar e falar.

As penalidades para quem ousa agir por conta própria e exigir os mesmos direitos que os demais cidadãos possuem são rigorosas o suficiente para silenciar a maioria dos esportistas. Mais rígidas que as regras de qualquer modalidade, são as restrições impostas àqueles que não se deixam subjugar. Passam a ser vistos como indisciplinados e amargam punições que vão desde o afastamento temporário até o completo banimento.

Felizmente, não são todos que se submetem aos ditames do mercado ou aos preceitos do “vencer a qualquer custo”. Os esportes radicais, de aventura ou de ação despontam como lócus de resistência e inventividade. Em sua maioria, os praticantes seguem princípios e valores heterodoxos. Alguns são avessos a torneios, competições e premiações, preferindo grupos heterogêneos às equipes orquestradas. Ademais, reconstroem as regras sempre que necessário e não veem com bons olhos as investidas de institucionalização e normatização. São alternativos, repudiam a subordinação e subverter a ordem.

São tantas as modalidades que seria impossível descrevê-las neste espaço: arvorismo, bungeejumping, kitesurf, lacrosse, paintball, parkour, acrobacia aérea, voo livre, snowboard, BMX, skate, balonismo, corrida de aventura, rapel, rafting e paraquedismo, entre tantas outras. Em comum, se aproximam do risco e buscam a vertigem, qualidades daquilo que é lúdico, como diria o sociólogo francês Roger Caillois. Talvez seja essa a razão do crescimento de adeptos e a sua transformação em atividades de lazer, o que por si só significa romper com a formalização que impulsiona as práticas convencionais. Para ficar em apenas uma característica que distingue seus praticantes dos demais atletas, nos esportes radicais a preocupação com benefícios que possam advir é posta em segundo plano. O objetivo é o prazer. Basta verificar que em muitos casos a prática acontece durante uma viagem ou passeio, nos finais de semana ou nas férias, ou seja, é pura diversão.

Marcos Neira é professor da Faculdade de Educação da USP. Coordenador do Grupo de Pesquisas em Educação Física escolar (www.gpef.fe.usp.br)

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Práticas Corporais: Brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas, de Marcos Garcia Neira. São Paulo: Melhoramentos, 2014 (no prelo).

Cultura Corporal: Diálogos entre Educação Física e lazer, de Marcos Garcia Neira e Ricardo Ricci Uvinha. Petrópolis: Vozes, 2009.[/bs_citem]

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