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Lições da Primeira Guerra Mundial

Entenda as consequências e os desdobramentos políticos e econômicos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918)

Foto mostra soldados em trincheira na Primeira Guerra
Soldados em trincheira em 1916 Primeira Guerra
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A Primeira Guerra Mundial foi um conflito de grandes proporções. Envolveu as principais potências capitalistas europeias e teve diversas consequências para o desenrolar da história do século XX.

Para o militar e teórico da guerra prussiano Carl Clausewitz (1780-1831), a guerra é um ato político, com uso irrestrito da violência para impor a vontade de um Estado sobre seu adversário. Dessa forma, a guerra seria uma extensão da política, portanto, apenas o meio para se chegar a um fim.

Para Luciano Cânfora, filólogo e historiador italiano, a guerra seria uma extensão da política apenas para a classe dominante, enquanto para os trabalhadores haveria uma suspensão da política, ou seja, dos direitos políticos.

De qualquer forma, independente da interpretação, quando abordamos a Primeira Guerra uma coisa podemos afirmar: sem dúvida, depois dela o mundo não foi mais o mesmo.

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A Segunda Revolução Industrial, ocorrida no fim do século XIX, acelerou o desenvolvimento econômico dos países ricos da Europa. Como consequência, acirrou a disputa pela hegemonia dos mercados compradores de produtos industrializados, fornecedores de matérias-primas e importadores de capital.

O crescimento econômico e industrial da Alemanha nas últimas décadas do século XIX fez com que antigos rivais, França e Inglaterra, se juntassem para manter suas posições de destaque no concerto europeu.

De acordo com o historiador britânico Eric Hobsbawm, o período de 31 anos que vai do início da Primeira Guerra (1914) até o fim da 2ª Guerra (1945) marca o arranjo das forças do cenário mundial ao longo do século XX. Esses anos são primordiais para a consolidação das formações econômicas e sociais e das ideologias de todo o século.

Entre os desdobramentos mais importantes da 1ª Guerra está a Revolução Russa e, por consequência, o socialismo como contraposição ao capitalismo; a ascensão da ultradireita, nazistas e fascistas; e a supremacia dos EUA.

A Revolução de Outubro de 1917 é filha da 1ª Grande Guerra. A crise instalada nos países diretamente participantes do conflito é um fator a ser considerado nesse processo. O preço da guerra é pago sempre pela população mais pobre. Grandes contingentes de pessoas, em geral das mais baixas estratificações, são lançados à morte.

Além disso, a mobilização das forças produtivas é quase inteiramente voltada para o conflito, ou seja, para o complexo industrial-militar. Isso leva a população que não vai ao front a uma situação de vulnerabilidade, principalmente por causa da escassez de produtos básicos.

A ideologia do socialismo e os partidos de massa da classe trabalhadora vinham em um ascenso desde fins do século XIX. A 2ª Revolução Industrial havia piorado a situação dos operários, à mercê de condições desumanas de trabalho e salários. Foi a partir dessa época que surgiram os sindicatos.

Vários militantes e teóricos se destacaram na formulação de ideias que almejavam uma nova sociedade. O principal deles foi Karl Marx, influenciador direto da Revolução Russa de 1917 e cuja teoria inspira movimentos sociais até hoje.

Embora a Rússia não fosse um país industrializado e a maioria da população, camponesa, seus líderes mais importantes beberam nas fontes da teoria operária. A situação da população já era precária em razão do czarismo e piorou sensivelmente quando o país entrou na guerra.

Assim, o movimento socialista, que havia mostrado suas forças em 1905, ganha espaço e derruba o czar em fevereiro de 1917. O povo saiu às ruas para pedir pão. Os operários exigiam menores jornadas de trabalho e melhores salários, além da saída da Rússia da guerra. Em outubro do mesmo ano, há uma revolução dentro da revolução, e os bolcheviques tomam o poder, instaurando, finalmente o socialismo.

Após o fim da 1ª Guerra, a Alemanha estava destruída: quase 5 milhões de mortos. O Tratado de Versalhes fez com que perdessem todas as suas colônias, seu território foi diminuído e ainda teve de pagar uma imensa indenização de guerra. A crise econômica espalhou-se por toda a Europa.

A queda da produção industrial e, por consequência, das exportações atingiram todas as economias. O desemprego chegou a níveis elevadíssimos e as condições de vida dos trabalhadores decaíram acintosamente. A Alemanha conheceu a hiperinflação. Versalhes foi humilhante, pois, além de oneroso, feriu a autonomia do país com várias restrições.

No cenário internacional, o movimento operário comunista crescia desde o fim do século XIX, e após a Revolução Russa, a primeira experiência socialista vitoriosa, o movimento ascendeu e se espalhou por toda a Europa.

Se somarmos todos esses elementos – a crise econômica, o anticomunismo e o nacionalismo, resultado também das humilhações sofridas pela Itália e Alemanha –, teremos os principais ingredientes que abriram caminho para os movimentos nazifascistas na Europa.

Embora a crise econômica que afetou principalmente as camadas mais pobres da população tenha engrossado as fileiras dos movimentos comunistas, grande parte dos trabalhadores aderiu à ultradireita.

Mas, se por um lado, o nazifascismo combatia ferrenhamente o comunismo, outro traço marcante de todos esses regimes era o seu caráter conservador, de extremo nacionalismo e contrário ao estado liberal-democrático que reinava em boa parte da Europa Ocidental. E é justamente essa dupla recusa que proporcionou a aliança entre as potências capitalistas e a União Soviética na Segunda Guerra.

Para se ter ideia, só na década de 1920 e 1930 temos os regimes de Benito Mussolini, na Itália (1922); António Oliveira Salazar, em Portugal (1928); Adolf Hitler, na Alemanha (1933); Francisco Franco, na Espanha (1936); Horthy, na Hungria (1919); Pilsudski, na Polônia (1926). No Brasil, os fascistas nunca chegaram ao poder, mas criaram o partido Ação Integralista Brasileira (AIB).

A Europa ficou devastada após a guerra. Porém, os EUA não tiveram o seu território afetado. O país vinha tornando se uma das grandes potências, mas ainda esbarrava no poderio político e econômico dos países europeus.

O conflito terminou de consolidar sua supremacia. Durante a guerra, foram os únicos a manter, além da indústria bélica, outros setores industriais. Por isso, abasteceram grande parte dos países envolvidos no conflito.

Ademais, os EUA foram os que menos sofreram com a crise econômica do pós-guerra. Pelo contrário, a sua economia foi beneficiada nesse momento. Os estadunidenses passaram a ser não apenas os maiores produtores e exportadores de mercadorias industrializadas, mas os maiores credores do mundo – além das dívidas feitas durante o conflito, eles financiaram a reconstrução da Europa.

Os bancos dos EUA haviam emprestado dinheiro principalmente para a França e a Inglaterra, que ao receberem a indenização paga pela Alemanha a repassaram quase que integralmente aos banqueiros estadunidenses.

Assim, após a Primeira Guerra, temos uma nova ordem mundial com novos atores em disputa. Assiste-se a uma reconfiguração geográfica e, também, a uma reconfiguração política e econômica. Mas as disputas imperialistas que levaram ao conflito não se enceraram em 1918.

Somando-se isso à humilhação imputada aos derrotados, sobretudo à Alemanha, vemos eclodir 21 anos depois a 2ª Guerra, que encerrou o período que Hobsbawm chamou de “a era da guerra total”.

A crença absoluta na razão e no progresso ilimitado, que fomentou a Primeira Guerra Mundial, mas também foi abalada por ela, só seria colocada em xeque definitivamente no fim desse período.

* André Amano é historiador, pós-graduando do Programa de História Econômica da USP

Saiba Mais

Era dos Extremos: O breve século XX, 1914-1991. HOBSBAWM, Eric. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

O Longo Século XX: Dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. ARRIGHI,  Giovanni. RJ: Contraponto/SP: Unesp, 2009.

A Anatomia do Fascismo. PAXTON, Robert. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

Filmes
O Triunfo da Vontade. Leni Riefenstahl, 1935. (Documentário de propaganda do regime nazista).

O Grande Ditador. Charles Chaplin, 1940. (Sátira sobre o regime nazista).

O Encouraçado Potemkim. Serguei Eisenstein, 1925. (Reconta um dos episódios da Revolução de 1905 na Rússia).

 

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