Artes

Kandinsky, uma ópera de cores

Marcadas pela sinestesia e pelo abandono da representação do real, principais obras do artista russo ganham exposição no Brasil

Kandinsky||O pintor Wassily Kandinsky
Óleo sobre tela No Branco wassily kandinsky arte abstrata|Pintura Meda de Feno
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A exposição Kandinsky: Tudo Começa num Ponto mostra, pela primeira vez no Brasil, obras de Wassily Kandinsky, artista russo que abandonou a representação do real em suas obras, abrindo caminho para a arte abstrata. A mostra, inicialmente organizada no Centro Cultural do Banco do Brasil de Brasília, seguirá para Belo Horizonte e São Paulo, permanecendo no país por quase um ano.

Leia atividade didática de Artes inspirada neste artigo
Habilidades – Estabelecer relações entre a obra do momento de sua produção, situando aspectos do contexto histórico, social e político
Competências – Analisar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando a obra com seus contextos.
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1. Sem a música não se pode entender a pintura de Kandinsky. Ainda criança aprendeu a tocar violoncelo e piano com os pais e, mais tarde, a música veio a ter influência em suas pinturas. Quando jovem, o contato com a ópera Lohengrin serviu de impulso pela definição por sua carreira artística. Exiba uma parte da ópera de Wagner para os alunos, facilmente encontrada no YouTube. Peça que ouçam com atenção e observem os movimentos da baqueta do maestro. Eles não se parecem com o movimento do pincel nas mãos de um pintor? É possível que os alunos tenham dificuldade em apreciar essa obra, pois é um gênero musical pouco conhecido. Após a exibição de um trecho da Ópera, conte sua história. Converse com os alunos sobre a influência dessa obra na decisão de Kandinsky em tornar-se um pintor.

2. A obra Meda de Feno de Monet (abaixo) também foi um encontro determinante na decisão de Kandinsky de tornar-se pintor. Mostre-a para os alunos e discuta quais são as características que impulsionaram a pesquisa em direção à arte abstrata por Kandinsky. Leia o trecho presente no texto no qual o artista relata suas impressões frente a essa obra. Promova uma discussão com os alunos a partir das declarações do artista: os alunos concordam com o ponto de vista do Kandisnny? Na opinião dos alunos é difícil identificar os elementos da pintura como coloca Kandinsky?

Pintura Meda de feno, do impressionista Claude Monet 1890-9 Obra Meda de Feno, do impressionista Claude Monet

3. Discuta com os alunos o que são influências. Exiba algumas pinturas do Kandinsky e compare com a obra de Monet. Existe alguma relação perceptível? Na técnica, na temática?

4. Em 1911, após assistir a um dos concertos de Arnold Schönberg, Kandinsky passou a se corresponder com o compositor, discutindo a questão da síntese das artes. O princípio da sinestesia consiste em definir equivalências entre sentidos perceptivos distintos – imagens e sons, odores e sabores. Proponha uma atividade com a qual os alunos possam experimentar a união entre o ouvir e o desenhar, registrando o ritmo da música com os movimentos das mãos. Segundo Kandinsky: “A cor é o meio para exercer uma influência direta sobre a alma. A cor é a tecla, o olho é o martelo moderador, a alma é um piano com muitas cordas e o artista representa a mão que, mediante uma tela determinada, faz vibrar a alma humana”.

5. Coloque um concerto de Schönberg para os alunos ouvirem. Aproveite para apontar as relações entre o desenho e o som na representação da música na partitura – a escrita da música.

6. Deixe-os ouvir por um tempo e peça para que desenhem com os olhos fechados respeitando o ritmo da música. O material utilizado poderá ser lápis preto B e papel sulfite. Após finalizar essa experiência solicite aos alunos reforçar com o lápis preto os traços mais fortes no papel.Esses traços deverão ser copiados com papel vegetal e decalcados em um papel mais espesso, como o canson. Use a aquarela para pintar algumas áreas de cor e depois de seca a tinta reforce os traços do exercício anterior com caneta hidrocor preta ou tinta nanquim. Se não houver a possibilidade de comprar a aquarela, a anilina de bolo pode ser igualmente utilizada. Facilmente encontrada em doçarias, ela pode ser dissolvida em água e oferecida aos alunos para experimentarem a transparência das cores e a fluidez da aquarela no papel.

7. Quando os alunos finalizarem os trabalhos pendure-os na parede ou em um cordão esticado na sala para que eles comparem os resultados. Finalizando a atividade, exiba o vídeo disponível abaixo que integra a música de Schoenberg e as pinturas de Kandinsky

8. Após a exibição, pergunte aos alunos quais músicas eles gostariam de “ilustrar” com imagens e dê continuidade à representação dos sons em atividades realizadas a partir das escolhas musicais da sala, produzindo trabalhos nos quais o visual e o auditivo se integrem.
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Os curadores, Evgenia Petorva e Joseph Kiblitsky, reuniram obras do artista e seus contemporâneos pertencentes ao acervo do Museu Estatal Russo de São Petersburgo composto por mais sete museus da Rússia e objetos de coleções da Alemanha, Áustria, Inglaterra e França. Essa é uma grande oportunidade para conhecer o trabalho do artista e teórico da arte, considerado o precursor da arte abstrata.

Kandinsky nasceu em Moscou em 1866 e, alguns anos mais tarde, mudou-se para Odessa, onde seu pai trabalhava como diretor de uma fábrica de chá. Aos 10 anos, estudou violoncelo e piano e adorava desenhar, mas só aos 30 decidiu dedicar-se à pintura. Quando jovem, optou por estudar Direito e Economia Política e, em 1866, entrou na Universidade de Moscou, voltando a morar em sua cidade natal.

Três anos mais tarde, Kandinsky participou de um trabalho de investigação para a Sociedade das Ciências Naturais em uma região nortenha de Vologda, com o objetivo de fazer um relatório sobre os costumes jurídicos das comunidades camponesas. O resultado de sua pesquisa foi muito satisfatório e levou-o a dedicar-se à carreira universitária. Dando continuidade aos estudos, prestou os exames jurídicos necessários à sua formação e tornou-se assistente na Universidade de Moscou.

A viagem mudou os rumos de sua vida. O contato com as cores da decoração dos interiores das casas e dos trajes regionais das aldeias onde realizou o trabalho de investigação lembraram-lhe uma pintura. A intensidade cromática da cultura campesina russa vai dar a ele impressão de caminhar dentro de uma pintura. Essa experiência foi o prenuncio do retorno de algo muito presente em sua vida: o desejo de ser pintor. “Até meus 30 anos de idade, eu sonhava em me tornar pintor, amava a pintura acima de tudo, mas achava que, para um homem russo, a arte era um luxo inadmissível. Por isso, na universidade, escolhi a Economia Nacional como minha futura profissão.” Assim, alguns anos mais tarde, Kandinsky abandona sua profissão em direção à realização de seu sonho.

O artista declarou em um de seus escritos que dois acontecimentos nortearam sua decisão de abandonar a carreira jurídica e optar pela arte: o primeiro foi o contato com a obra A Meda de Feno, de Claude Monet, na exposição dos impressionistas franceses em Moscou, sobre a qual escreveu: “E de repente, vejo pela primeira vez um quadro. Segundo o catálogo tratava-se de uma meda de feno. Contudo, vergonhosamente, não consegui identificá-la. Não me pareceu que o pintor tivesse o direito de pintar de uma forma tão indecifrável. Tinha o vago sentimento de que o quadro não continha qualquer objeto. E comecei a notar com certo espanto que o quadro não apenas me fascinava, como se gravava de forma indelével na minha memória”.

O segundo contato com outra manifestação artística, a música, foi também preponderante em sua decisão. A apresentação da ópera Lohengrin, de Richard Wagner, no Teatro Real, também em Moscou, provocou no artista uma revelação: “Imaginei todas as minhas cores, elas estavam mesmo à frente de meus olhos. Linhas selvagens, quase frenéticas desenhavam-se à minha frente”. “Ficou bem claro para mim que (…) a pintura é capaz de revelar as mesmas forças que a música.”

O encontro entre as cores e os sons, a música e a pintura tornou-se o ponto de partida para sua carreira artística e a linha de suas pesquisas teóricas que resultaram em uma obra que integra imagem e som.

Após esses encontros com a arte, Kandinsky partiu para Munique, em 1896, acompanhado de sua jovem esposa e prima Anna para uma nova vida em busca de formação em artes. A escolha por Munique não foi aleatória. Na época, a capital bávara era um dos centros artísticos mais ativos da Europa e um dos mais importantes núcleos modernistas.

Lá, Kandinsky frequentou durante dois anos a escola de pintura de Anton Azbè, cursando a disciplina de desenho de nus. Mas o que considerava mais importante eram as aulas de pintura com Azbé, capazes de proporcionar o contato com o estilo impressionista, estimulando Kandinsky a experimentar pinceladas justapostas de cores puras com as quais realizou alguns estudos paisagísticos. Apesar de seguir com seus estudos em desenho, em aulas de anatomia, o pintor declarou que se sentia “muito mais à vontade no mundo das cores do que no do desenho”.

Prosseguindo em sua formação e tentando resolver o dilema entre a pintura e o desenho, Kandinsky passou a frequentar o atelier de Franz von Stuck onde estudavam Paul Klee e Hans Purrmann. Em seus ensaios biográficos, declarou ter aprendido as leis da composição com Stuck. Após um ano, porém, ele decidiu seguir sua formação independentemente e partiu em busca de novas experiências artísticas envolvendo-se em atividades político-artísticas.

Em 1901, fundou a Phalanx (Falange, em tradução livre) a primeira associação de artistas-expositores, inaugurada com uma exposição de seus trabalhos e dos amigos do cabaré artístico Die Elf Scharfrichter (“Os Onze Carrascos”). Ainda nesse ano, inaugurou uma escola com o mesmo nome, onde as aulas eram ministradas pelos sócios da Falange. No entanto, a escola fechou, em 1903, por falta de alunos. Na escola conheceu a pintora Gabriele Münter, com a qual manteve um longo relacionamento, após separar-se de sua primeira mulher Anna.

Durante o período de sua existência – de 1901 a 1904 – a Falange organizou 12 exposições, apresentando obras de artistas famosos e de outros não representativos dos movimentos modernos da Europa, como a Arte Nova, o Simbolismo e o Impressionismo tardio. Entre as exposições realizadas pela Falange, destacaram-se a dedicada a apresentar a obra de Claude Monet, em 1903, e a última, em 1904, com obras de Paul Signac, Theo van Rysselberghe, Felix Vallotton e Henri Toulouse-Lautrec.

Após longo período de viagens à Holanda, Tunísia, Itália e França com sua nova companheira, e estadias em Berlim e Dresden, onde participou da exposição do grupo de pintores Die Brücke (A Ponte), associação fundada em 1905 por alunos da Escola Superior Técnica de Dresden, Kandinsky voltou para Munique, em 1908. Entre 1904 e 1909, participou de diversas exposições, incluindo o Salão de Outono, em Paris, onde entrou em contato com o Fauvismo e o Cubismo.

Depois de anos em metrópoles europeias e russas, o artista reencontrou a paz em uma pequena localidade – Murnau –, onde comprou uma casa em 1909. Lá o artista produziu pinturas de paisagens com fortes influências do Fauvismo, na escolha de cores puras e vibrantes aplicadas em grandes áreas, manchas com contrastes de claro-escuro e quente-frio.

Nesse período, iniciou o manuscrito sobre sua concepção da arte, recomeçou a escrever críticas de arte para revistas russas e, reuniu esboços para produzir as “óperas de cores”. Em 1909, marcando o seu retorno à cena artística de Munique, o artista participou da fundação da associação de artistas NKVM (sigla para Neue Kunstlervereinigung München ou Nova Associação dos Artistas de Munique), organizando as exposições da associação.

Em 1910, apresentou o trabalho que imprime para sempre em sua carreira o título de precursor da arte abstrata: a obra Primeira Aquarela Abstrata, inaugurando o ciclo histórico da arte não figurativa. Esse rompimento com o figurativo em sua obra causou a recusa de participação de sua pintura pelo júri na terceira exposição da NKVM, um ano mais tarde. Como protesto Kandinsky, Frans Marc, Gabriele Münter e Kubin saíram da associação o que determinou o enfraquecimento da mesma.

No mesmo ano, surge um novo grupo O Cavaleiro Azul (Der Blaue Reiter), que inaugurou a primeira exposição na Galeria Tannahauser, reunindo 43 obras de Henri Rousseau, Delaunay, Epstein, Kahler, Macke, Gabriele Münter, Kandinsky, Frans Marc, entre outros. Além das inovações de membros individuais como o próprio Kandinsky e Paul Klee (1879-1940) o grupo provocou um grande impacto na vanguarda internacional.

O grupo organizou as duas mais importantes exposições da pintura moderna na Alemanha, em 1911 e 1912, e publicou um almanaque que incluiu ensaios sobre música e texto escrito pelo compositor Arnold Schönberg (1874-1951) e sobre arte russa escritos por David Burliuk. Ainda em 1911, Kandinsky publica Do espiritual na Arte, finalizado em 1910, o mesmo ano em que o artista pintou sua primeira aquarela abstrata. O livro apresenta a ligação entre a teoria e a prática em sua obra.

A eclosão da Primeira Guerra Mundial levou à dissolução do Cavaleiro Azul. Kandinsky volta à Rússia, Macke foi morto no início da guerra e Frans Marc pereceu nas trincheiras, em 1916. Sobre o fim do grupo, Kandinsky escreveu: “O Cavaleiro Azul éramos nós dois, Marc e eu. Meu amigo está morto e não quero prosseguir sozinho”.

Durante o período em que vive na Rússia foi funcionário da administração soviética. Em 1922, volta para a Alemanha lecionando durante onze anos na Bauhaus. Primeiramente em Weimar, depois em Dessau e Berlim.

Como resultado de sua experiência docente na Bauhaus, Kandinsky publicou o livro Ponto e Linha Sobre o Plano – Contribuição à análise dos elementos da pintura, em 1926. A formação universitária colaborou com a sistematização de seu pensamento artístico em vários documentos. Toda sua obra foi permeada por textos que nortearam sua produção pictórica.

Em 1933, a escola Bauhaus foi fechada pelos nazistas, provocando uma debandada dos artistas para outros países. As obras de Kandinsky foram confiscadas e vendidas, classificadas como “arte degenerada”. O pintor, então, mudou-se para Paris, onde viveu até sua morte, em 1944.

* Renata Sant’anna é autora de livros de arte para professores e educadora do MAC-USP

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