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Hipólita, mulher inconfidente

Conheça a história de Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, única mulher a participar ativamente da Inconfidência Mineira

Vila Rica atual Ouro Preto palco da Inconfidência Mineira
A cidade de Vila Rica vila rica
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Hipólita Jacinta Teixeira de Melo: esse é o nome da única mulher que participou ativamente da Inconfidência Mineira (1789), movimento protagonizado por membros da elite de Minas Gerais contra a cobrança de impostos pela Coroa portuguesa. Sobre ela pouco se sabe. Dona Hipólita, como era chamada, nasceu no arraial de Prados, em Minas Gerais, em 1748. Era filha de Clara Maria de Melo e Pedro Teixeira de Carvalho, rico minerador e capitão-mor da Vila de São José, atual cidade de Tiradentes, de quem herdou fortuna, inclusive a fazenda chamada “Da Ponta do Morro”, onde morava, entre São José e Prados.

Casada com o coronel Francisco Antônio de Oliveira Lopes (1750-1800), nunca teve filhos legítimos, mas o casal criou duas crianças: Antônio Francisco Teixeira Coelho (filho ilegítimo do capitão Antônio José Dias Coelho e de Maria da Silveira Bueno, irmã de Bárbara Heliodora – casada com o poeta inconfidente Alvarenga Peixoto) e Francisco da Anunciação Teixeira Coelho. Ambos os garotos adotados tornaram-se homens de destaque no Império: o primeiro, o Barão da Ponta do Morro; o segundo, padre na cidade de Formiga, em Minas Gerais, e deputado à Assembleia Provincial entre os anos de 1866-1867.

[bs_row class=”row”][bs_col class=”col-xs-2″][/bs_col][bs_col class=”col-xs-10 azul”]Leia atividade didática a ser trabalhada sobre o tema

Investigue a participação das mulheres como protagonistas na sociedade brasileira

Anos do Ciclo: 6º ao 7º ano

Área: História

Tempo de Duração: 5 aulas

Objetivos de aprendizagem: Identificar mudanças na organização dos espaços e os conflitos sociais nas cidades do período colonial brasileiro; identificar as sociedades estudadas no tempo e no espaço; coletar informações de diferentes fontes históricas

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1) Em grupo, proponha uma pesquisa sobre mulheres que lutaram para mudar os rumos de acontecimentos que marcaram a História do Brasil. Para isso, instrua os estudantes a escolherem uma ou mais das dimensões listadas abaixo, para uma pesquisa bibliográfica (livros, revistas e jornais) ou entrevistas na comunidade onde moram, procurando saber:
a) a história de mulheres que lutaram por ideais libertários em movimentos de contestação à ordem no Brasil. Selecionem alguns nomes e façam uma breve descrição de sua participação na época; b) se há ou houve mulheres que se destacaram em atividades nas áreas das Ciências e da Tecnologia no Brasil;
c) na Literatura, se as obras escritas por mulheres alcançaram a mesma repercussão e importância dos textos escritos por autores homens. Justifique sua resposta;
d) se há mulheres que se destacam, hoje, no cenário artístico brasileiro. Apresente seus nomes e discuta quais atividades são exercidas por elas;
e) se há ou houve mulheres que marcaram a história da comunidade onde moram.

2) Com base no texto, explique o significado da frase escrita por dona Hipólita Jacinta Teixeira de Melo: “Quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; mais vale morrer com honra do que viver com desonra”

3) Pesquise a Inconfidência Mineira e descubra como se deu o envolvimento de outras mulheres no movimento

4) Ao longo da História, as mulheres exercem diferentes papéis sociais. Sobre isso, vale lembrar que as relações entre homens e mulheres variam conforme o tempo e o espaço. Dessa maneira, em grupo, peça para que os alunos discutam os papéis sociais desempenhados pelas mulheres na sociedade brasileira atual; pesquisem quais foram as principais transformações políticas que levaram as mulheres a ampliar sua participação política e econômica na sociedade brasileira e entrevistem as pessoas em casa perguntando-lhes se as mulheres ainda hoje sofrem alguma discriminação social e, em caso positivo, em que contexto isso ocorre

5) Apresentem, ao se afirmar que existe desigualdade social e econômica entre homens e mulheres, maneiras de como minorar a diferença entre gêneros, atentando-se para a realidade que vivenciam.

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O nome de dona Hipólita aparece citado em dois episódios registrados no processo aberto para se apurar e julgar a rebelião de 1789. Ela participava e tinha conhecimento das discussões sobre o levante que alguns indivíduos de Minas Gerais pretendiam organizar contra o pagamento das dívidas e dos impostos devidos à Coroa portuguesa em 1789.

Foi ela quem impediu que o marido entregasse ao governador, Visconde de Barbacena, uma carta-denúncia que delatava o movimento, na tentativa de diminuir sua pena por se envolver na Inconfidência Mineira. No processo, em seu depoimento, Francisco Antônio confirmou que não entregou a denúncia pessoalmente ao governador porque sua mulher ateou fogo àqueles papeis.

Em outra situação, em maio de 1789, dona Hipólita escreveu uma carta ao marido, escondido na Fazenda Paraopeba, denunciando Joaquim Silvério dos Reis como traidor dos inconfidentes e avisando que Tiradentes estava preso no Rio de Janeiro. Na correspondência consta que ela pediu para o marido agir com cautela, sem esquecer que fazia parte de um grupo de revoltosos que lutava por ideais de melhora das condições de vida e trabalho em Minas Gerais. E completa: “E quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; mais vale morrer com honra do que viver com desonra”.

No mês seguinte, em 12 de junho de 1789, seu marido foi preso e apenado, de imediato, com o sequestro de seus bens. Por dona Hipólita ser acusada pelo governador de participar efetivamente da rebelião, foi punida com a perda de todos os seus bens, inclusive os trazidos como dote de casamento.

A apreensão dos bens do casal iniciou-se em 25 de setembro de 1789, na Fazenda da Ponta do Morro. No local, a Justiça sequestrou, além da propriedade, 430 animais de criação e 74 escravos, assim como os utensílios e os rendimentos das extrações de ouro, entre outros pertences.

Hipólita, não aceitando a punição, escreveu ao Secretário do Ultramar, dom Rodrigo de Sousa Coutinho, em Lisboa, alegando que parte dos bens apreendidos era de sua herança paterna. Os argumentos e as provas apresentadas foram convincentes e, por isso, ela obteve despacho favorável, permitindo-lhe recuperar a Fazenda da Ponta do Morro e outros bens restantes. Em seu testamento, datado de 27 de abril de 1828, consta que ainda possuía muitos bens, como fazendas, lavras e escravos que alforriou.

Na ocasião dos sequestros, por exemplo, dona Hipólita declarou à Justiça, estrategicamente, bens que, em grande parte, eram de sua sogra Bernardina Caetana do Sacramento, uma vez que ela e seu marido eram os testamenteiros da matriarca. O patrimônio foi apreendido como se fosse do “degredado e confiscado” Francisco Antônio, e estava sendo administrado pelo fiel depositário Pedro Joaquim de Melo, primo de Hipólita Jacinta.

Ao ver os bens de sua mãe apreendidos como se fossem do casal Francisco Antônio e dona Hipólita e sem a possibilidade de recebê-los como herdeiro, o sargento-mor Manuel Caetano Lopes de Oliveira, irmão do inconfidente Francisco Antônio e cunhado de dona Hipólita, apresentou certidões para que o fiel depositário entregasse os pertences de sua mãe, desmembrando-os do sequestro. Mesmo com a possibilidade de ser preso pelo não cumprimento dessa medida, como escrito nos atestados, o fiel depositário e primo de dona Hipólita não se interessou pela divisão patrimonial, deixando-o integrado ao sequestro.

Inconformado e ao perceber o descaso e a falta de empenho em se fazer cumprir a decisão judicial, a qual lhe foi favorável à devolução dos bens da herança materna, o sargento-mor Manuel Caetano denunciou, em agosto de 1794, ao juiz responsável pela devassa, Antônio Ramos da Silva Nogueira, a artimanha montada por sua cunhada. Alegou que a restituição dos bens estava desfavorável aos seus interesses e, também, aos do Estado metropolitano, pois, enquanto o que lhe pertencia por herança estava listado como patrimônio do inconfidente, o que cabia ao seu irmão e deveria ser objeto da real apreensão foi omitido do processo.

Quando do inventário de bens do casal, Hipólita Jacinta teria provavelmente subornado o funcionário responsável, o meirinho Antônio José Simões Dias, que recebeu “três vacas paridas sabe Deus pelo que deixou de anotar”, segundo denúncia anônima recebida por Barbacena contra aquele sequestro.

Dona Hipólita conseguiu evitar o sequestro de 74 escravos, “muitos trastes de casa”, como jarros, bacias de prata, dois faqueiros “de colheres, garfos e facas de cabo de prata”, “várias dúzias de cadeiras, baús, caixas e armários” e “várias dúzias de louças de prata da Índia e de pó de pedra”. Entre os animais foram escondidos bois, vacas, cavalos, éguas e potros, com suas selas e arreios. Todos esses bens estavam “ocultos nas fazendas da Laje, Gales e Ponta do Morro e em casas de Pedro Joaquim de Melo (o fiel depositário) e do tenente Antônio Gonçalves (de Moura)”. Quanto aos bens imóveis registrou-se a indicação da desconhecida Fazenda Bananal, localizada no termo de Mariana, que foi vendida ao coronel João Damasceno, que ainda devia a maior parte das prestações de compra da propriedade.

Quando foi chamada para depor na inquirição de sequestro dos bens denunciados pelo seu cunhado, dona Hipólita disse que desconhecia quaisquer bens existentes nas fazendas Bananal e Laje. Na Fazenda Gales, localizada no termo da Vila de São José, os inquiridores apreenderam nove cabeças de gado vacum. Ainda em São José, na Fazenda Carandaí, do capitão Antônio Gonçalves, foram encontradas e sequestradas várias éguas e bois que pertenciam ao casal Hipólita e Francisco Antônio.

Mas, de todas as omissões, as mais significativas foram as dos 74 escravos que não apareceram listados no sequestro. Essa quantidade impressiona: metade de sua unidade escravista esteve subtraída às escondidas da devassa. Se somarmos os 74 cativos originalmente apreendidos no processo com os 74 negros sonegados e delatados, concluímos que no plantel de Francisco Antônio havia 148 escravos. Se todos esses cativos fossem sequestrados pela devassa se poderia atribuir a ele o epíteto de o maior escravista da Inconfidência Mineira.

Em 27 de abril de 1795, mesmo sendo chamada pela Justiça para prestar esclarecimentos e reconhecendo atos de sonegação no sequestro, Hipólita Jacinta Teixeira de Melo não foi condenada. A fortuna que havia sido escondida permaneceu em suas mãos, sem que sofresse qualquer apreensão e repreensão. Seu cunhado recebeu a parte que lhe cabia da herança, subtraindo-a dos bens que foram confiscados pela devassa.

Dona Hipólita, em atitudes de coragem, perseverança e altivez, após a prisão de seu marido, assumiu a direção dos negócios, defendendo seus interesses, tornando-se mulher empreendedora, no sentido de lutar para preservar seu patrimônio.

Saiba mais:
A Inconfidência Mineira: Uma síntese factual, de Márcio Jardim, Biblioteca do Exército, 1989.

A Devassa da Devassa. A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal, 1750-1808, de Kenneth Maxwell, Paz e Terra, 1995.

A Fortuna dos Inconfidentes: Caminhos e descaminhos de bens de conjurados mineiros (1760-1850), de André Figueiredo Rodrigues, Globo, 2010.

*André Figueiredo Rodrigues é doutor em História Social pela USP e professor do Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp

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