Educação

Formas para o conteúdo

Como a arquitetura escolar favorece a convivência 
e os processos de 
ensino e aprendizagem

Centros Educacionais Unificados
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O edifício, as salas de aula, os corredores, o pátio. Cenários corriqueiros na vida de alunos e professores, são capazes de influenciar, com suas concepções, a forma como as pessoas trabalham e aprendem dentro deles. Vistas durante anos como preocupações menores, a arquitetura escolar e seu papel na qualidade do ensino vêm ganhando, nas últimas décadas, a atenção de educadores e arquitetos.

Segundo estudiosos, providenciar um espaço convidativo e acolhedor pode impactar de maneira positiva a prática pedagógica. Mas até que ponto a estrutura física interfere no desempenho do aluno? Quais mensagens as edificações escolares passam para estudantes, professores e comunidade?

Ester Buffa, professora aposentada de História da Educação da UFSCar, retoma uma frase proferida há mais de um século pelo político brasileiro Cesário Motta Junior para responder a tais questionamentos: sem bons prédios é impossível fazer boas escolas. “Transmitir conteúdo você consegue em qualquer lugar, até em uma sala de chão batido. Mas uma escola é mais do que isso. É um espaço de formação e envolve conceitos de aprendizagem mais amplos, como convivência, debates e reflexão. A percepção do espaço escolar é essencial para essas trocas”, explica a coautora do livro Arquitetura e Educação: Organização do espaço e propostas pedagógicas dos grupos escolares paulistas (EdUFSCar), em parceria com Gelson de Almeida Pinto.

A arquitetura escolar pode passar mensagens tão fortes quanto os conteúdos transmitidos pelos professores, na opinião de Luís Octavio Rocha, professor de História da Arte da Faculdade de Belas Artes e da Universidade Nove de Julho. “A escola é uma segunda casa, é onde a criança passa boa parte do dia durante anos da sua vida. Se eu não ofereço qualidade na edificação, não posso exigir qualidade de ensino”, afirma.

O pioneiro dessas ideias no Brasil foi o educador baiano Anísio Teixeira (1900-1971). Com o conceito de escola-parque, Teixeira aliou proposta pedagógica e organização do espaço educacional. Para ele, mais do que um lugar de instrução, a escola deveria ser espaço de desenvolvimento integral do indivíduo e de acesso à cultura e convívio para a comunidade. Para isso, precisaria apresentar uma área especificamente planejada para educar, projetada com base nos princípios da racionalidade e da funcionalidade, próprios da arquitetura moderna.

O conceito inspirou, na cidade de São Paulo, uma das experiências nacionais mais importantes no que diz respeito à arquitetura escolar, os Centros Educacionais Unificados (CEUs). Construídos em regiões periféricas da cidade durante a gestão da ex-prefeita Marta Suplicy, os complexos de educação, cultura, esporte e lazer inovaram ao abrir as portas da escola para o entorno.

“Mais do que centros educacionais, os CEUs foram planejados para ser polos de estruturação urbana e gatilhos de desenvolvimento. Queríamos, por meio da concepção arquitetônica, tornar os espaços pontos de encontro e convivência não só para os estudantes, mas para todos os cidadãos”, explica Alexandre Delijaicov, um dos arquitetos responsáveis pelo projeto, ao lado de André Takiya e Wanderley Ariza.

Em um único complexo, o CEU reúne creche, Escola Municipal de Educação Infantil (Emei), Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef), Escola para Jovens e Adultos (EJA), biblioteca, teatro, casa de cultura, parques aquático e esportivo, ginásio de esportes e padaria escolar. “Com a instalação dos CEUs na periferia, ruas de terra foram asfaltadas, ruas escuras foram iluminadas. As escolas funcionaram como faróis transformadores, visando a reforma urbana”, conta Delijaicov. “A ideia do projeto era propor um diálogo entre equipamentos públicos e infraestrutura urbana. A criança precisa estudar em um edifício que tem na sua arquitetura um exemplo de como deve ser a cidade.”

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha compartilha desse pensamento. Para ele, a cidade deve ser vista como uma grande escola e essa, por sua vez, como uma pequena cidade. Rocha é o responsável pelo projeto do Núcleo de Educação Infantil do Jardim Calux, em São Bernardo do Campo (SP), que procurou evidenciar em sua estrutura os fenômenos da natureza. “A água da chuva cai na calha e desce por uma sarjeta que acompanha a rampa central do prédio, desembocando em um espelho d’água. Além de ver o percurso da água, as crianças podem brincar com barquinhos de papel”, conta. O edifício, uma grande laje de 1,6 mil metros quadrados, respeita os desníveis no terreno e tem a cobertura fechada com fibra de vidro para permitir a passagem da luz natural.

Identidade e padrão

A relação entre escola e sociedade é um dos pilares da arquitetura escolar. Antes um importante ponto de referência para a comunidade, o edifício escolar muitas vezes deixou de se comunicar com o entorno quando o problema da violência urbana o isolou atrás de muros. “Quem passa na rua e olha aquela construção murada muitas vezes nem se dá conta de que está diante de uma escola”, conta Fábio Valentim, arquiteto-sócio da UNA Arquitetos e professor da Escola da Cidade. Recuperar a identidade da escola dentro do tecido urbano era, portanto, uma questão fundamental para Valentim e sua equipe quando projetaram a Escola Estadual Telêmaco Melges, localizada em Campinas (SP).

Erguida em 2003 com financiamento da Fundação para o Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo (FDE), a escola para alunos do Ensino Fundamental foi desenhada para se integrar ao conjunto habitacional onde está situada. “Uma questão importante para nós era deixá-la visível para a cidade. Então, em vez de muros, a cercamos com uma malha metálica. A relação com o entorno ficou muito mais convidativa”, conta.

Segundo Valentim, no conjunto habitacional, onde todas as casas são muito parecidas, a escola emergiu como uma referência comunitária importante. Outra escolha interessante foi o revestimento do prédio com um material plástico translúcido, espécie de veneziana de PVC. “Durante o dia, as venezianas ficam opacas e controlam a entrada de luz nas salas de aula. Mas, conforme vai anoitecendo e as luzes da escola vão se acendendo, esse efeito se inverte. A escola passa a imanar luz como uma grande lanterna.”

Hoje, parte da infraestrutura física das escolas da rede pública, incluindo a construção e a reforma de prédios, é financiada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). As obras realizadas pelo órgão precisam atender ao chamado Padrão Construtivo Mínimo, documento do MEC que estabelece critérios físicos e diretrizes técnicas para as edificações. “Toda escola precisa ter uma área pedagógica, administrativa, de serviços e lazer.

Cada um desses conjuntos tem uma série de exigências e direcionamentos em termos de iluminação natural, ventilação, acessibilidade e conforto tátil e visual”, explica Tiago Lippold Radünz, coordenador-geral de Infraestrutura Educacional do FNDE. “Na sala de aula, por exemplo, precisamos garantir que não haja sombreamento excessivo do plano de trabalho ou reflexo no quadro que prejudiquem a visão do aluno.”

Atualmente, todos os projetos arquitetônicos oferecidos pelo FNDE, salvo algumas exceções, são padronizados. As escolas podem ter uma, duas, quatro, seis ou 12 salas de aula e precisam atender a quatro quesitos centrais: salubridade, conforto, acessibilidade e segurança. “Falar que a melhora da educação pública no Brasil está atrelada somente à infraestrutura seria uma heresia, mas acredito que um dos passos seja fornecer ao aluno o espaço físico adequado para aprender. O estudante que consegue ter aula em uma sala com o mobiliário necessário e frequentar um bom banheiro e refeitório com certeza será beneficiado”, acredita Radünz.

Apesar do consenso sobre a importância de articular o espaço escolar com a educação dos alunos, são muitos os entraves que dificultam a concretização de bons projetos. Descaracterizações durante a construção (os famosos “puxadinhos”), falta de verba e de manutenção, desconexão entre prédio e proposta pedagógica e mudanças de prioridades decorrentes de mudanças em eleições são empecilhos -recorrentes. “Troca-se a gestão e o novo governante muitas vezes não leva adiante o projeto, ou faz alterações significativas em sua concepção para deixar ali a sua marca”, conta a professora Ester Buffa. “Além disso, é comum projetos que são extraordinários na planta virarem outra coisa na prática. O espaço pensado para ser um lindo jardim, depois de alguns anos, acaba virando mato.”

Outro problema, segundo Luís Octavio Rocha, é a ausência de diálogo entre educador e arquiteto. “Visitando escolas públicas, perguntava aos professores se eles sabiam por que os prédios eram construídos daquela maneira, por que no lugar da escada havia aquela rampa, entre outros aspectos. Eles não sabiam. Em nenhum momento foi passado o conceito arquitetônico dos prédios para os docentes ou para os alunos, e isso é uma grande falha.” Esta familiaridade, segundo Rocha, é o que motiva os usuários do espaço a preservá-lo.

Para os estudiosos, a escola é uma instituição que muda com morosidade. Ainda que estejamos diante de uma pedagogia que coloca o aluno como protagonista do processo de aprendizagem, as escolas continuam com a mesma dinâmica espacial, com cadeiras fixas, voltadas para o professor. “Hoje, você tem todo esse aparato tecnológico que exigiria outro tipo de escola, outro tipo de sala de aula, que tivesse pelo menos tomadas e corrente elétrica em abundância. Há salas em que você não encontra nenhuma”, diz Ester.

Doris Kowaltowski, professora titular da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp e autora do livro Arquitetura Escolar: O projeto do ambiente de ensino, concorda com essa percepção. Para ela, é fundamental que ocorra um diálogo coordenado entre prédios, proposta pedagógica, corpo docente e alunos. “Se as atividades variam conforme a pedagogia adotada pela escola, os espaços também precisam se adaptar.”

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