Educação

Falta de professores motiva greve estudantil em dezenas de institutos da USP

O encolhimento contínuo, de quase 20% nos últimos dez anos, causa sobrecarga e cancelamento de disciplinas, ameaçando a continuidade de cursos inteiros

Falta de professores motiva greve estudantil em dezenas de institutos da USP
Falta de professores motiva greve estudantil em dezenas de institutos da USP
Alunos na assembleia geral da USP sobre a greve estudantil, no vão da FFLCH. Foto: Sebastião Moura, 19/09/23
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A partir desta quinta feira 21, uma greve estudantil paralisará vários institutos da Universidade de São Paulo. O movimento exige da reitoria um plano para contratar professores efetivos, em resposta ao cancelamento de disciplinas e à ameaça de suspensão de cursos inteiros devido à escassez de docentes.

A falta de reposição do corpo docente, diante de aposentadorias e óbitos, fez o número de professores cair de 5.934 para 4.892, segundo dados do Anuário da instituição. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas é uma das mais afetadas. 

Um ato está programado em frente à reitoria às 17h do dia 21, convocado pelo Diretório Central dos Estudantes.

A paralisação foi aprovada, até o momento, pelo corpo estudantil dos institutos dos quatro campi da capital, com exceção da Escola Politécnica, a Poli, da Faculdade de Direito e da Faculdade de Medicina. Os alunos da POLI e da Sanfran se reunirão na segunda-feira 25 para decidir sobre uma eventual adesão. A Faculdade de Medicina não paralisará, mas divulgou uma nota em apoio às mobilizações.

A Associação dos Docentes da USP (Adusp) realizará uma assembleia geral na terça-feira 26 com a possibilidade de aderir à paralisação na pauta.

Em alguns cursos, a paralisação foi aprovada apenas para o dia 21, e não será contínua. É o caso do Instituto de Astronomia e Geofísica e da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. Na Faculdade de Enfermagem, as atividades serão paralisadas nos dias 20 e 21.

Corpo docente encolheu quase 20% nos últimos dez anos

Entre setembro de 2014 e agosto de 2023, o número de professores da USP caiu de 5.934 para 4.892. Aproximadamente no mesmo período, entre 2014 e 2023, o número de alunos de graduação subiu de 59.081 para 60.120, os de pós-graduação de 35.793 a 37.238. 

O atual reitor, Carlos Gilberto Carlotti, tomou posse em 2022 com a promessa de repor esse déficit com a contratação de 876 professores até o fim de seu mandato, em 2025. O número é baseado no número de professores perdidos entre janeiro de 2014 (6.026 docentes) e janeiro de 2022 (5.150 docentes).

Mas uma quantidade considerável da perda de docentes aconteceu nos últimos anos, devido principalmente ao congelamento de contratações entre 2020 e 2021 pelo governo federal e a  não renovação dos contratos de professores temporários (além das mortes, demissões e exonerações). De acordo com dados divulgados pela própria USP e sistematizados pela Associação de Docentes da USP (Adusp), em agosto de 2023 o número de professores na instituição era de 5.014 – ou seja, seriam necessárias 1.012 contratações para suprir o déficit. Isso sem considerar o aumento na demanda de professores provocando pela expansão dos cursos e programas de pesquisa e extensão nessa década.

Segundo Michele Schultz, presidente da Adusp, a situação da USP só não é pior porque a USP, até pouco tempo, usava professores temporários para mitigar a falta de docentes. Essa alternativa se intensificou durante a pandemia, mas diminuiu após 2020, quando o Tribunal de Contas de São Paulo passou a fiscalizar o uso excessivo de temporários no serviço público estadual.

O uso de temporários, alerta ela, é uma forma de precarização do trabalho docente. “Um temporário recebe cerca de um salário mínimo para assumir aulas de um curso superior”, comenta. Além disso, a sobrecarga de trabalho entre professores é alta, levando muitos a exceder as horas estipuladas e, por vezes, a adoecer. “Todo mundo excede as horas de trabalho estipuladas, trabalha noite adentro, durante o fim de semana, muitos são responsáveis por turmas superlotadas.”

Os efeitos têm sido sentidos pelos estudantes em diversos institutos.

Na Escola de Comunicação e Artes, o curso de Artes Visuais cancelou 11 disciplinas às vésperas do início deste semestre e pode ter outras 11 canceladas no primeiro semestre de 2024 por falta de docentes.

Na Faculdade de Obstetrícia, a falta de professoras para supervisionar os estágios obrigatórios fará com que os alunos não consigam terminar o curso no período previsto.

Um dossiê do curso de Letras aponta que várias habilitações foram canceladas por faltas de docentes e outras estão sob risco iminente de terem o mesmo destino – de acordo com o documento, são necessárias 114 contratações para manter todos os cursos funcionando.

Histórico de mobilizações estudantis

A greve do dia 21 não é a primeira do ano. Estudantes da EACH e da FFLCH já realizaram paralisações, essas últimas encabeçadas pelos alunos de Letras, resultando na promessa da reitoria de contratar 15 professores para a EACH e 35 para a FFLCH. A reitoria afirma que as vagas estão disponíveis, mas atrasos nos processos de contratação são um obstáculo, segundo a professora Schultz.

“Como a falta de funcionários também acontece nos setores técnico-administrativos da Universidade, as unidades dificilmente conseguirão conduzir esses processos de contratação em tempo hábil sem auxílio da Reitoria”, comenta.

Na véspera da greve, a diretoria da FFLCH cancelou aulas, citando riscos ao patrimônio público. Muitos estudantes viram isso como tentativa de desmobilização. Em retaliação, bloquearam entradas e confrontaram a administração, onde encontraram presença policial. O incidente trouxe visibilidade para a crise docente, estimulando debate em outros institutos e resultando em assembleias que aprovaram a greve do dia 21.

(com reportagem de Camila da Silva)

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