Educação

Escritor angolano é novidade entre livros da Fuvest 2017

A inclusão de ‘Mayombe’, de Pepetela, reflete efeito de lei que inclui o ensino de História e Cultura Africana nas escolas

Pepetela|Obra de Pepetela
Pepetela tem como tema recorrente em sua obra a formação da nação angolana| |
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A Fuvest (Fundação Universitária para o Vestibular), responsável pelo ingresso a USP (Universidade de São Paulo), divulgou recentemente a lista dos livros obrigatórios para os próximos três anos.

Entre autores brasileiros e portugueses já consagrados e velhos conhecidos dos alunos do Ensino Médio como José de Alencar, Machado de Assis e Eça de Queirós, uma novidade salta aos olhos – Mayombe, romance de guerra do escritor angolano Pepetela.

A inclusão sinaliza um passo importante e necessário, ainda que tímido, para a implementação da Lei 10639/2003, que inclui o ensino de História e Cultura Africana nas escolas.

Nascido em Benguela, em 1941, como Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, Pepetela (que significa Pestana em umbundo, uma das línguas locais de Angola) tem como tema recorrente em sua obra a formação da nação angolana, desde antes da independência do país, ocorrida em 11 de novembro de 1975.

Na fase, anterior à independência, vivendo em situação de guerrilha ou exilado, Pepetela escreveu três romances: As aventuras de Ngunga (1973), Muana Puó (1978) e Mayombe (1980). Os romances publicados após a independência já somam 17 títulos, dentre os quais A geração da utopia (1992), uma melancólica análise das atitudes pós-independência da geração revolucionária da qual ele mesmo fez parte.

Obra de PepetelaMayombe narra a guerrilha na floresta tropical homônima, localizada ao norte de Angola, inserindo o leitor na organização dos combatentes do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) e abordando as contradições e os conflitos humanos que surgem a partir daquela situação limite em que os combatentes se encontram.

Para Ludmylla Mendes Lima, professora de Literaturas em Língua Portuguesa da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), um dos elementos formais dignos de nota em Mayombe é a construção do narrador. “Ele é desdobrado em múltiplas vozes, com o intuito de apanhar as várias nuances do conflito, abarcando diferentes pontos de vista. Dá ao leitor a oportunidade de criar o seu juízo dos fatos a partir de elementos contrastantes e contraditórios”.

Outro mérito é que a obra coloca o jovem leitor em contato com outras realidades e literaturas exprimidas em língua portuguesa. “Os povos pertencentes a essas nações têm um passado compartilhado, passado marcado por lutas de resistência, por guerras civis, e também por elementos da vida social que nos irmanam, a musicalidade e a oralidade, por exemplo”, coloca a professora.

No caso do Brasil, em particular, há o fato de que temos a maior população negra fora da África. “A população brasileira é majoritariamente afrodescendente, então temos afinidades históricas e culturais profundas com esse continente, afinidades a serem redescobertas e reforçadas“. Atualmente, autores africanos como Mia Couto, Ondjaki, José Eduardo Agualusa e Pepetela transitam nas feiras literárias e são publicados por editoras daqui, mantendo um efetivo diálogo com o público brasileiro.

Além disso, diferentemente dos outros autores elencados pela lista da Fuvest, a literatura de Pepetela é contemporânea, estando o autor em plena atividade, o que também traz uma nova perspectiva literária para o aluno. “Acompanhá-lo pela via da leitura de seus romances – o mais recente é O tímido e as mulheres (2013) – constitui uma oportunidade de presenciar a consolidação de uma literatura jovem e vigorosa”, diz Ludmylla.

A especialista destaca ainda o papel pioneiro que a USP teve nos estudos das literaturas africanas no Brasil. Desde o fim da década de 1970, há pesquisadores que se debruçam sobre tais pesquisas, tendo como pioneira a professora Maria Aparecida Santilli. Há inúmeras boas dissertações e teses a respeito de autores e obras, principalmente de Angola e Moçambique, mas também de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

“É positivo que os professores possam agora se valer desse material para construir suas aulas e ampliar o seu próprio conhecimento a respeito de outras literaturas expressas em língua portuguesa, para além das exigências do vestibular, e a despeito do direcionamento que a lista da Fuvest acaba por exercer na escolha do que comporá o currículo“.

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