“Meus queridos alunos, não há de custar muito a chegar o dia em que vocês vão me ver de novo. Enquanto esse dia não chega, quero ter a certeza de que vocês se lembram de mim”
(trecho de carta enviada aos alunos do Colégio Regional de Meriti, durante a prisão de Armanda)
É necessário voltar exatos 96 anos para entender a história de vida e a contribuição da educadora Armanda Álvaro Alberto. Em 1921, a filha do médico-sanitarista Álvaro Alberto, membro da elite carioca intelectual, escolhe a periferia do Rio de Janeiro para viver e inicia um novo capítulo na cena educacional brasileira.
Sua militância pelo direitos das mulheres – foi fundadora da União Feminina do Brasil – e por uma educação pública, gratuita, laica e direcionada às necessidades de todos – foi uma das três mulheres que assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, ao lado de Noemy M. da Silveira e Cecília Meirelles – resultou na construção da Escola Proletária de Meriti, mais tarde Escola Regional de Meriti.
É sobre esse percurso que se debruça o documentário Armanda, que será lançado nesta quarta 31, às 20h, durante a 3ª edição do Festival Mate com Angu de Cinema Popular em Duque de Caxias (RJ). Dirigido pela socióloga e professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Liliane Leroux, e pelo cineasta Rodrigo Dutra, o filme também quer mostrar que a história de Armanda contribui com o movimento cultural de resistência presente no território de Caxias até os dias atuais.
Por uma educação em diálogo com a vida
Para Liliane, o trabalho de Armanda se diferencia justamente por qualificar a educação ofertada às classes populares. “Ela nunca pensou em ofertar qualquer coisa para as crianças e, com isso, conseguiu levar muito mais do que as escolas da época ofereciam, renovando o papel social da escola”, avalia.
A Escola Regional de Meriti foi a primeira integral na América Latina e a primeira a entregar merenda às crianças no Brasil. “Também já não previa a aprendizagem mecânica em que as crianças sentavam em cadeiras e eram apresentadas aos conteúdos. Ofertava uma educação baseada na vida e na pesquisa”, considera a socióloga, que destaca a presença de biblioteca completa, piano doado por Villa-Lobos e atividades que pautavam a observação dos estudantes.
A escola bebia muito da própria experiência de Armanda. O filme narra uma experiência anterior da educadora junto a filhos de pescadores em Angra dos Reis (RJ), local para onde seu irmão, o almirante Álvaro Alberto da Silva foi transferido. Lá, a educadora pode experimentar uma educação ao ar livre, na praia, feita a partir da realidade das crianças.
Na visão da educadora, pesquisadora e biógrafa de Armanda, Ana Chrystina Mignot, o trabalho realizado na escola de Duque de Caxias dialogava com o momento histórico mundial da educação. “No período pós Primeira Guerra Mundial, se discutiam novas possibilidades para a infância, entre elas o direito à educação”, avalia. É nesse aspecto que, na visão da pesquisadora, Armanda dialogava com educadores como Maria Montessori, na Itália; Célestin Freinet, na França; John Deway, nos Estados Unidos e outros representantes brasileiros, como Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e Lourenço Filho.
Uma contribuição atemporal
“Armanda nos faz pensar na necessidade de formarmos cidadãos críticos, livres, dentro de valores democráticos que não podem ser abandonados”, reflete Ana Chrystina. Em sua visão, a escola da educadora já pautava a importância dos espaços escolares respeitarem as diferenças e valorizarem a pluralidade de ideias. “Hoje, ainda lutamos para que a educação e a cultura sejam consideradas um direito para a constituição da cidadania”, critica.
Seu legado também é visível para Liliane, que coordena o Núcleo de Estudos Visuais em Periferias Urbanas (nuVISU) da UERJ, e realiza pesquisas sobre a cultura das periferias. “Os grupos culturais da Baixada Fluminense homenageiam Armanda até hoje”, conta a pesquisadora. Um dos maiores expoentes desta contribuição é o cineclube Mate com Angu que completa 15 anos, e tem o mesmo nome de como a escola de Armanda ficou conhecida na região.
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