Educação
Corte de professores ameaça o ensino integral paulistano e põe em xeque promessa de Nunes
Escolas da rede municipal denunciam perda de professores de apoio e dificuldades para manter projetos extracurriculares e o atendimento a alunos com deficiência


As escolas participantes do programa São Paulo Integral estão preocupadas com uma nova diretriz anunciada pela Prefeitura de São Paulo que afeta os professores da rede municipal.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) resolveu modificar o número de docentes por escolas, a partir das classes e turmas de cada unidade. A mudança foi anunciada na instrução normativa 27, publicada no dia 29 de agosto, pela Secretaria Municipal de Educação, e vale para todas as escolas da rede.
Segundo o documento, o quadro docente será definido com base no número de agrupamentos, classes e aulas de cada escola, com possíveis variações devido à abertura ou fechamento de turmas. A normativa também especifica quantos professores regentes (titulares) e de apoio estarão presentes, de acordo com o número de alunos por agrupamento.
Fontes ouvidas por CartaCapital afirmam que a medida resultará na perda de professores, especialmente nas escolas de Ensino Fundamental II, que fazem parte do programa de ensino integral. Escolas menores, com até 8 classes, terão apenas quatro professores de apoio. Anteriormente, cada uma dessas unidades contava com um docente de apoio por disciplina, como Matemática, Português, Ciências, Artes, Inglês, História, Geografia e Educação Física.
Em apenas escola na Zona Leste, por exemplo, seis professores de apoio foram dispensados: dois do Ensino Fundamental I e quatro do Ensino Fundamental II. Segundo a diretora Lúcia*, ouvida sob anonimato por temer represálias, a mudança inviabiliza a continuidade da jornada ampliada para alunos do 6º ao 9º ano.
Os professores de apoio, além de cobrir ausências dos regentes, eram responsáveis por projetos especiais, parte essencial do ensino integral. A escola oferecia cursos de teatro, referências científicas, intervenções urbanas, grêmios estudantis, além de oficinas de Português e Matemática, entre outros.
“Os alunos podiam escolher projetos e cursos que gostariam de frequentar. Eram cinco opções semanais, e a escolha era semestral. Agora, sem os professores de apoio, não temos como continuar oferecendo essa diversidade“, lamenta a diretora.
O programa São Paulo Integral ampliou a jornada escolar de 30 para 40 horas semanais, aumentando em 10 horas/aula a carga horária de cada turma, o que exige mais professores.
Ricardo Nunes, que busca a reeleição, promete expandir o ensino integral na rede municipal
Na prática, é como se a escola voltasse a atuar no modelo regular, com foco apenas nos conteúdos curriculares da base comum, sem os projetos diversificados. “Essa medida vai frontalmente contra o princípio do programa”, diz a diretora ressaltando que a comunidade escolar foi pega de surpresa.
Alunos PCD também devem ser prejudicados
A medida também deve fragilizar o atendimento aos estudantes com deficiência, já que os professores não regentes participavam do acompanhamento desses alunos, sob orientação de professores do atendimento educacional especializado.
Luciano Costa e Silva, integrante do conselho da EMEF Brigadeiro Faria Lima, na Aclimação, conta que a unidade, que atende 40 alunos com deficiência, reduzirá de 10 para 2 o número de professores de apoio. “Vai ser um caos”, prevê ele, temendo a possibilidade de a escola negar atendimento aos estudantes, por falta de estrutura.
Um supervisor da rede municipal, que falou sob condição de anonimato, critica a contradição entre a nova medida e a promessa do prefeito Ricardo Nunes (MDB) de expandir o ensino integral, caso seja reeleito. “A secretaria está nivelando por baixo. Para as escolas acontecerem, precisam de gente, e essa mudança faz justamente o contrário.” Ele estima que até 60 escolas serão prejudicadas com a nova resolução. “Professores alinhados ao projeto político pedagógico dessas unidades terão de ser realocados, perdendo vínculos com a comunidade escolar.”
O Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Simpeem) também acompanha de perto as mudanças no São Paulo Integral. A diretora Michele Rosa afirma que o sindicato pediu à Secretaria de Educação que compartilhasse as minutas das resoluções antes da publicação, o que não foi atendido.
Ela defende a ampliação dos módulos docentes e alerta ainda para o risco de adoecimento dos profissionais. “Hoje, mais de 11 mil profissionais da educação estão afastados de suas funções de origem por não conseguirem cumpri-las, fora os licenciados e os que trabalham adoecidos, que não temos como quantificar. O atual prefeito diz que vai ampliar o programa de ensino integral, mas fica a pergunta: como vai fazer isso, em que condições, a que custo?”, questiona.
O que diz a Prefeitura?
Em nota, a Secretaria Municipal de Educação (SME) afirma que a Instrução Normativa busca ‘uma readequação necessária’ para garantir professores especialistas em todas as unidades, inclusive para cobrir ausências. A SME negou que a reorganização comprometerá a qualidade e frequência das aulas ou as atividades do programa São Paulo Integral, presente em 444 escolas. Questionada sobre as metas de ampliação do programa, a pasta afirmou que o processo será gradativo.
No caso da EMEF Brigadeiro Faria Lima, a SME declarou que o atendimento aos alunos da Educação Especial não depende dos professores de módulo, ressaltando que a rede possui mais de 8 mil funcionários especializados no atendimento a esses estudantes, entre professores de apoio, especializados e equipes multidisciplinares dos Centros de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI).
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