Disciplinas
Contos psicológicos
Uma proposta de produção de texto que permite explorar as motivações de personagens aparentemente contraditórios e multifacetados


A proposta de criar contos psicológicos sugere uma aproximação dos estudantes das personagens complexas e profundas. As narrativas com viés psicológico são marcadas especialmente pelo esforço do escritor em tornar compreensíveis as motivações por trás de atos e escolhas aparentemente incoerentes de personagens multifacetadas.
A literatura está repleta de exemplos de narrativas em que personagens contraditórias, incapazes de aceitar os padrões de comportamento ou de ler os signos instituídos padecem diante de conflitos insolúveis. Talvez por refletir melhor a condição humana, essas personagens se impuseram.
Atormentadas por sonhos, imagens persecutórias, memórias incertas, vozes internas, elas se encontram diante de um mundo que não compreendem (ou onde não são compreendidas) e suas atitudes aparecem em completo desajuste. É o caso de Bentinho em Dom Casmurro ou de Paulo Honório em São Bernardo. O julgamento que estabelecem da realidade é sempre impreciso e por aproximação. Os conceitos e valores que sustentam esse juízo, frequentemente, parecem-lhes inadequados.
O ponto de partida para a produção de um texto narrativo como o conto pode ser muito variado. Muitos escritores partem de uma personagem pelo que ela sugere de intrigante. Moacyr Scliar manteve por muitos anos uma seção na Folha de S.Paulo intitulada Cotidiano Imaginário. Garimpando notícias, delas retirava personagens e temas a partir dos quais produzia pequenas narrativas.
Propor aos estudantes que busquem notícias que colocam em evidências situações em que o preconceito, o prejulgamento ou a atitude aparentemente irrefletida são determinantes de fatos polêmicos poderá compor um material rico de debate e estruturação de seus contos, oferecendo ao mesmo tempo personagens, temas, argumentos.
Tendo em vista a produção de um conto psicológico, a narrativa em primeira pessoa pode ser uma ferramenta privilegiada. O narrador em primeira pessoa autoriza reflexões íntimas e coerentes com o lugar que esse narrador-personagem ocupa nos fatos narrados. O fluxo de pensamento como estratégia narrativa é também outro ingrediente que combina bem com esse narrador. Um estudo desse conceito a partir da leitura de textos de autores consagrados (Clarice Lispector, Graciliano Ramos, Lourenço Mutarelli) pode contribuir para um uso mais consciente dessa ferramenta.
Apoiados em uma ou mais notícias, os estudantes produzem então um conto com narrador (preferencialmente) em primeira pessoa, relatando uma experiência cujo conflito derive de uma situação em que uma atitude preconceituosa ou estereotipada desencadeia uma sequência de mal-entendidos. Ao longo da narrativa, por meio da voz do narrador e utilizando-se do fluxo de pensamento, o estudante deve buscar dar uma perspectiva de como a personagem vive aqueles fatos.
O trabalho a partir de notícias é apenas uma sugestão. Se o estudante tiver outro ponto de partida estimulante, não seria demais autorizá-la.
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