Educação

Contando os minutos

Sem consenso, organização dos tempos de duração de cada aula é desafio à gestão escolar

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Quanto tempo é necessário para que os adolescentes consigam se apropriar de um conteúdo novo, mas sem ficar entediados e distraídos?

Embora não haja resposta única, a maioria das escolas aposta num período de 50 minutos. Assim, as disciplinas ficam intercaladas e espalhadas durante a semana.

Alguns modelos, no entanto, apostam em tempos maiores de aulas e garantem que a profundidade vence a dispersão se o professor souber, dentro da mesma aula, intercalar estratégias de ensino.

Aos 14 anos, a estudante Letícia Capitanio Leite entrou em 2015 no Ensino Médio da Escola Villare, de São Caetano do Sul (SP), na qual as aulas têm 75 minutos – 25 a mais que uma aula-padrão.

Leticia Leite Letícia Leite tem aulas de 75 minutos

Ela diz estar preferindo as aulas mais longas: “Quando fiquei sabendo das aulas de 75 minutos até me assustei, pensei que as aulas não acabariam nunca. Mas agora acho que aprendo melhor assim, porque consigo entrar mais na aula”. Letícia conta que os professores costumam “dar matéria”, passar exercícios e corrigi-los num só dia. “Não levo dúvidas para casa.”

Segundo Ernani Soares de Paula, coordenador pedagógico do colégio, tanto alunos quanto professores acabam percebendo vantagens nas aulas um pouco mais extensas. “Depois de um mês, ninguém mais reclama, nem alunos, nem professores novos”, disse.

O tempo estendido funciona para as aulas de redação e de laboratório também. As aulas de filosofia são contempladas com 100 minutos, para haver a possibilidade de todos participarem das discussões.

Nesses dias, para contrabalançar, alguma disciplina precisa ficar com apenas 50 minutos. Ernani diz que, com tantas matérias e a variedade de horários, montar a grade pode parecer um quebra-cabeça. Ele garante, contudo, que o resultado final compensa o esforço.

No caso dos docentes, mais do que esperar que eles se acostumem, há uma preocupação no planejamento das aulas. Eles são orientados a sempre contemplar algum tipo de “fazer” por parte dos alunos, sejam exercícios, discussões ou registros.

“A didática não é a mesma; ele tem de diversificar as atividades. E tudo é corrigido na hora. No fim do dia, o aluno viu menos disciplinas, mas de forma mais aprofundada”, afirmou De Paula. São quatro matérias por dia em vez de seis.

Na rede estadual do Rio de Janeiro, os tempos de aulas costumam ser ainda maiores: 100 minutos (uma hora e quarenta). “Os gestores têm autonomia para montar as grades, mas nós os orientamos para colocar dois tempos (aulas duplas) seguidos sempre que possível”, relatou a superintendente Pedagógica da Secretaria da Educação, Carla Berthânia, para quem a recomendação é amplamente seguida.

Ao contrário do que se poderia imaginar, essa distribuição de horários têm agradado os docentes – e todos passaram a reivindicar a possibilidade de dar aulas duplas.

“Recentemente fizemos uma mudança no currículo para que não haja disciplinas com um só tempo na semana. Assim, todos podem dar aulas de 100 minutos”, disse Carla.

Segundo ela, uma das reclamações era que se perdia muito tempo na organização da sala – entre trocar de sala, fazer chamada, conseguir silêncio, esperar que todos peguem o material – e os tempos de 50 minutos acabavam rendendo bem menos.

Desde 2009 lecionando no Ensino Médio do sistema estadual carioca, a professora de matemática Ana Carolina Rodrigues Lima diz que nunca teve experiências de dar aulas de apenas 50 minutos.

Ela garante que os 100 minutos não se tornam enfadonhos, nem geram indisciplina, se o trabalho em classe for diversificado.

“Gosto porque tenho tempo para retomar o conteúdo da aula anterior, passar para um novo assunto e já fazer os exercícios de fixação. Se percebo cansaço, parto para um jogo, ou um desafio no fim da aula. Não dá para ficar só na frente, falando”, contou.

Qualquer escolha de tempo de aulas é sempre uma decisão um tanto arbitrária, questão necessária à organização da escola que implica algum momento no desrespeito aos ritmos individuais de cada aluno, num determinado dia.

Mas, embora ninguém possa precisar qual a duração ideal de uma aula, há quem acredite que ela está mais próxima dos tradicionais 50 minutos.

À parte toda a burocracia e problemas de indisciplina, que deveriam ser resolvidos de outras formas, o aprendizado é favorecido por aulas mais curtas e mais frequentes graças a mecanismos naturais do nosso cérebro, defende Leonor Bezerra Guerra, coordenadora do projeto NeuroEduca da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), voltado para a capacitação de educadores em relação às bases biológicas do aprendizado.

“Estudos diversos estimam em cerca de 10 minutos o tempo durante o qual o indivíduo consegue receber novas informações com atenção. A partir de 10 minutos, a atenção tende a oscilar”, afirmou.

Claro que não é possível pensar em aulas de 10 minutos, mas os docentes precisam entender o deslocamento da atenção como algo inerente aos humanos – e se planejar para isso. Diversos fatores influenciam o tempo de atenção das pessoas.

De forma geral, o adolescente presta atenção numa fofoca por um período mais longo do que em uma aula sobre um conteúdo que não o interessa. “O cérebro funciona de forma a nos dar melhores condições de sobrevivência e adaptação. Prestamos mais atenção ao que é significativo, àquilo que tem importância para nossas vidas, àquilo que nos dá bem estar”, afirmou.

Ainda que as aulas sejam interessantes, e que os tempos sejam de 50 minutos, todo professor deve promover pausas (pode ser uma pergunta à turma, uma piada, um exercício) e diversificar suas abordagens.

“Ao ouvirmos o professor explicando um assunto, precisamos refletir sobre isso para compreendê-lo. Isso demanda um processamento mais interno – comparar as informações novas com as da minha memória procurando estabelecer novas relações”, diz a neurocientista. E ninguém consegue fazer esse processamento se tem de continuar prestando atenção ao que o docente fala.

Uma aula mais longa requer mais mudanças no ambiente – o que implica estratégias pedagógicas mais elaboradas, algo que nem todo processo consegue fazer.

Outra vantagem das aulas de 50 minutos, diz Leonor, é a possibilidade de rever os conteúdos mais vezes durante a semana.

A retomada frequente é melhor para o aprendizado do que a imersão. “Para possibilitar maior frequência de exposição aos conteúdos/experiências, é necessário você dividir o tempo entre as diversas disciplinas”, conceitua.

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