O problema não é somente o uso, mas como. Esta é a análise da Unesco sobre as ferramentas tecnológicas no cotidiano em sala de aula. Um relatório divulgado pela organização nesta quarta-feira 26 indica que poucas pesquisas consistentes apontam melhorias na educação com o uso do ambiente virtual.
“Compra-se tecnologia, muitas vezes, para ‘tapar um buraco’, sem olhar para os custos no longo prazo… “, aponta o relatório.
Em um documento de 435 páginas, a agência da ONU mostra evidências de que o uso excessivo do celular está relacionado à redução do desempenho educacional – e que muito tempo de tela prejudica a estabilidade emocional das crianças.
Dados de avaliação internacional em larga escala, como os fornecidos pelo PISA, sugerem uma ligação negativa entre o uso excessivo de tecnologias e o desempenho dos alunos.
Em 14 países, dados mostram que simplesmente ter um celular por perto é gatilho de distração para os alunos e tem um impacto negativo no aprendizado. Por conta disso, pelo menos um em cada quatro países proibiu o uso de smartphones nas escolas.
Uma outra avaliação, que monitorou o uso de 23 aplicativos de matemática de nível primário, demonstrou que, embora os alunos se concentrassem em memorização e prática, não desenvolviam habilidades avançadas.
“A revolução digital possui um potencial imensurável, mas, assim como foram feitas advertências sobre como ela deve ser regulamentada na sociedade, atenção semelhante deve ser dada à maneira como ela é usada na educação”, destaca Audrey Azoulay, diretora-Geral da UNESCO. “Seu uso deve ser para experiências aprimoradas de aprendizado e para o bem-estar de alunos e professores, não em seu detrimento. As conexões online não substituem a interação humana.”
Apesar de destacarem alguns benefícios da tecnologia em sala de aula, como a importância em período pandêmico e também a possibilidade de acesso a imensos acervos de bibliotecas digitais, a Unesco aponta que, além das interrupções imediatas no ensino e na aprendizagem, seu uso está associado a impactos negativos no bem-estar físico e mental e a uma maior suscetibilidade a riscos e danos on-line, que afetam o desempenho acadêmico a longo prazo.
Na pandemia, por exemplo, 39 dos 42 governos que oferecem educação online durante a pandemia promoveram usos que ‘arriscaram ou infringiram’ os direitos das crianças.
No Brasil, a Câmara analisa uma proposta de regulação do uso de celulares nas escolas: o PL 104/2015, do deputado Alceu Moreira (PMDB-RS).
Segurança, IA e cyberbullying
Além dos riscos na alfabetização e na manutenção do ensino nas demais etapas, a Unesco aponta que o ritmo acelerado da mudança na tecnologia pressiona os sistemas educacionais a se adaptarem. A alfabetização digital e o pensamento crítico são cada vez mais importantes, principalmente com o crescimento da IA generativa. Dados adicionais anexados ao relatório mostram que esse movimento de adaptação já começou: 54% dos países pesquisados definiram as habilidades que desejam desenvolver para o futuro. Mas apenas 11 dos 51 governos pesquisados têm currículos para IA.
“A alfabetização básica não deve ser negligenciada, pois também é fundamental para a aplicação digital: alunos com melhores habilidades de leitura têm muito menos probabilidade de serem enganados por e-mails de phishing”, sustenta a pesquisa.
Acrescenta-se a isso, a falta de regulamentação das plataformas digitais, a exposição de dados de menores de idade e que apenas 16% dos países têm legislação contra o cyberbullying.
O Relatório Global de Monitoramento da Educação é divulgado anualmente pela UNESCO desde 2002, a agência monitora em 160 governos o progresso da educação nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
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