Educação

Como salvar uma língua em extinção?

Sites e aplicativos mapeiam 
e permitem compartilhar registros de idiomas em risco de extinção; cerca de 150 deles são brasileiros

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O papel da língua é ser um arquivo do acervo cultural de uma população na preservação de sua identidade. |
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Metade das línguas faladas no planeta terá desaparecido até o fim do século. A previsão foi apresentada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no Atlas das Línguas do Mundo em Perigo.

O relatório de 2013 já apontava que dos cerca de 6,5 mil idiomas de todo o planeta, mais de 2,5 mil correm risco de sumir nas próximas gerações. A primeira edição do Atlas, de 1996, recenseava 600 línguas em perigo, e a segunda, de 2001, indicava 900. A culpada é a globalização. Segundo a Unesco, a pressão de culturas dominantes nos pequenos povoados provocou a intensificação das extinções.

A tecnologia, agora, pode ajudar a preservação, afirma Thiago Chacon, linguista e consultor do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Antes da era digital, a metodologia de produção de dicionários não dava conta da dinâmica das línguas. “Hoje, ao mesmo tempo que a sociedade muda e os falantes dessas línguas também, as ferramentas, como aplicativos, sites e programas de computador, têm se especializado.”

Em 2012, o Google passou a apoiar a proteção da diversidade linguística. Em junho, a empresa lançou o site colaborativo Endangered Languages Project. A página tem 3.176 idiomas cadastrados e classificados de acordo com sua vitalidade: verde para “ameaçados”, amarelo para “em risco” e vermelho para “sério risco”.

Chacon explica que são três os principais critérios para determinar a ameaça de extinção de uma língua: a transmissão para as novas gerações, o número de pessoas que a dominam e o contexto em que é falada. Se o idioma contar com poucos falantes ou não estiver sendo ensinado às crianças, ele estará ameaçado. Porém, mesmo que os números sejam positivos, ainda haverá risco se houver imposição de outra língua.

A ideia do Endangered Languages é permitir que qualquer usuário compartilhe vídeos, imagens e documentos sobre a cultura das línguas. A maioria das colaborações é de idiomas da Oceania, Sul da Ásia, África Subsaariana, Costa Leste da América do Norte e América do Sul. No Brasil, são cerca de 150 idiomas e dialetos, a maioria de origem indígena e em risco.

A preservação também se tornou portável graças a aplicativos para smartphones e tablets. O iwaidja é um idioma indígena falado por pouco mais de 150 pessoas numa ilha do extremo-norte da Austrália.

Para evitar sua extinção, foi criado o aplicativo Ma Iwaidja. Ele conta com um dicionário de iwaidja-inglês com mais de 1,5 mil termos, uma coleção de 450 frases, um conjugador de verbos e informações sobre a cultura local. Todas as palavras são transcritas e disponibilizadas em áudio. O usuário pode inserir novos termos ou frases. As contribuições são moderadas pela equipe desenvolvedora do aplicativo e ficam à disposição para download.

De acordo com Bruce Birch, linguista da Universidade Nacional da Austrália e coordenador do projeto, o constante desenvolvimento de conteúdo permite resgatar um idioma fadado a desaparecer rapidamente. Oito escolas da região possuem iPads equipados com o aplicativo. Com isso, crianças e adolescentes se mantêm em contato com o iwaidja, o que aumenta o número de falantes e garante sobrevida à língua.

Já o Living Tongues Institute for Endangered Languages – instituto que se dedica à documentação científica de línguas ameaçadas e ajuda comunidades na revitalização de seus idiomas nativos – lançou o Tuvan Talking Dictionary, dicionário digital da língua tuvana. O tuvano é falado na República de Tuva, no Centro-Sul da Sibéria, por cerca de 200 mil pessoas. O aplicativo reúne mais de 2,9 mil termos transcritos e em áudio, que mostram a pronúncia segundo um falante nativo.

Nos Estados Unidos e no Canadá, o portal First Voices fornece ferramentas para comunidades indígenas que desejam aprimorar a documentação e o ensino de suas línguas nativas. O site hospeda milhares de entradas de texto em diversos sistemas de escrita e arquivos de som, imagens, vídeos e jogos de 60 idiomas e dialetos. A página destinada a crianças e adolescentes de comunidades com línguas em risco contém jogos e gravações de pessoas mais velhas falando em sua língua materna.

O First Voices já desenvolveu aplicativos para iPhone e iPad com dicionários bilíngues, coleção de frases, áudios e informações de 12 línguas indígenas da América do Norte. Lançado em 2012, o aplicativo First Voices Chat permite manter conversas no Facebook, Google Talk e outros programas de conversação. Os teclados foram personalizados para suportar centenas de idiomas nativos da América do Norte, Nova Zelândia e Austrália. A ferramenta foi pensada para permitir o uso cotidiano das línguas, ajudando-as a se revitalizar.

Ana Suely Arruda Câmara Cabral, professora de Linguística da Universidade de Brasília, avalia positivamente o uso de recursos digitais. “As comunidades podem opinar sobre o que postam sobre elas e os dados não ficam nas mãos de instituições ou pesquisadores, mas em um banco ao qual todos têm acesso”, comenta.

A tecnologia não pode salvar uma língua, mas o caráter colaborativo das iniciativas pode incitar nas comunidades falantes, sobretudo na juventude, a curiosidade e o gosto pelo idioma de seus antepassados. Para a professora, “o que pode realmente salvar uma língua é a vontade das comunidades de fazer viver o seu patrimônio linguístico e cultural, transmitindo sua língua, fazendo-a funcionar como meio principal de comunicação”.

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Sites:
Endangered Languages
Ma Iwaidja
Tuvan Talking Dictionary
First Voices
First Voices Chat e outros
aplicativos

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