Educação

Como elogiar sem mimar

Dizer ‘parabéns, conseguiu’ é melhor do que ‘você é muito inteligente’, enquanto falar ‘perfeito’ pode até atrapalhar

A persistência deve ser valorizada
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“Uau, você é muito inteligente” e “nossa, você persiste e consegue”, podem ser duas reações possíveis para o mesmo feito, mas que resultam em mensagens completamente diferentes. Na primeira, a valorização é por uma característica inata e não há nada que a pessoa deva ou possa fazer. No segundo caso, a exaltação dirige-se ao esforço e, portanto, o elogiado recebe uma pista de como conseguir novos êxitos.

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A diferença de comportamento entre crianças que recebem um e outro tipo de parabenização foi demonstrada pela pesquisadora Carol Dweck, da Faculdade de Psicologia de Stanford, nos Estados Unidos. Ela coordenou um estudo em que um quebra-cabeça simples era apresentado individualmente a 400 alunos de 10 e 11 anos. Todos conseguiam montá-lo, mas metade era elogiada por ter um dom e o restante por se esforçar. Os resultados eram vistos a partir do próximo desafio.

Nas tarefas seguintes, sempre um pouco mais difíceis do que a anterior, aqueles que foram informados de que eram inteligentes estavam menos interessados. Segundo a autora, o fenômeno é uma resposta psicológica para defender o status que obtiveram e por não ver propósito na atividade, uma vez que não é a ação que ensina, e sim, que eles já “são” inteligentes. Tentar novamente, seria se expor a um possível fracasso.

Já os que tiveram a persistência valorizada, mostraram-se motivados a continuar. Os desafios iam ficando maiores e outra vantagem foi vista quando chegavam a um problema que não conseguiam resolver. Enquanto a maioria das crianças do primeiro grupo se frustrava, no segundo a dificuldade era considerada mais natural, e muitos estavam dispostos a aprender. “A experiência comprova o que vi em 35 anos de estudo: enfatizar demais a inteligência atrapalha”, afirmou a pesquisadora em artigo publicado em janeiro deste ano na revista Scientific American.

Ela voltou a falar de seu experimento, realizado em Nova York em 2007 e replicado algumas vezes em outras partes do mundo, para fazer novos alertas ao que chama de “elogios prejudiciais”. Ela conta o caso de um menino considerado “brilhante” na 5ª série e que foi descrito como “especial” por pais e professores. Em vez de desafiado, ele se sentiu superior e parou de se esforçar. “Na 7ª série perdeu o interesse e não queria fazer o dever de casa. Ir à escola não fazia sentido”, descreve.

Outra pesquisa conduzida no Departamento de Psicopatologias da Universidade de Amsterdã, na Holanda, chegou a resultados parecidos. Pais foram entrevistados na frente de seus filhos sobre seu comportamento e habilidades e aqueles descritos como “exemplo”, “perfeitos” ou “geniais”, tinham traços de narcisismo mais desenvolvidos. “Há uma diferença entre autoestima, que é construída por aceitação, e amor e narcisismo, em que as crianças se sentem superiores e acabam perdendo habilidades de se relacionar e o interesse em aprender”, concluiu o coordenador Eddie Brummelman, em seu relatório. Ele esclarece que a característica faz parte da personalidade, mas a forma como a criança é elogiada torna-se fator que acentua ou atenua esse traço.

A empresária Thais Cechini, de São Paulo, percebeu os efeitos nocivos do elogio de características inatas bem cedo, com um de seus filhos. O pai tinha o hábito de desenhar as histórias que contava para as crianças e um deles começou a substituir garatujas por formas definidas aos 2 anos. Genuinamente orgulhosos, ela e o marido elogiavam o bebê.

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Feliz, a criança passou a repetir vários desenhos e colher elogios de outros familiares e professores. Perto dos 4 anos, comparou a produção com os desenhos do pai, se frustrou e não quis mais brincar com papel e lápis. “Depois disso, mudamos a estratégia”, lembra a mãe. “Pegamos vários livros sobre pintores, mostramos a ele a trajetória e que cada um tinha um traço característico. Voltou a desenhar e agora quer avançar, fazer mais e melhor”, conta, satisfeita, emendando o próprio aprendizado. “Nós paramos de dizer apenas ‘lindo’ e elogiamos ele estar interessado na atividade.”

Também em São Paulo, a professora do 2º ano da Escola Municipal Aldo Ribeiro Luz, Marcela Mininel de Freitas, afirma ser contra “carinhas felizes e a expressão excelente”. Ela aprendeu na prática que alguns elogios aumentam a ansiedade das crianças. “Com alfabetização, não temos como deixar de comemorar cada conquista. É uma vitória e a felicidade fica estampada, mas não queremos frustrar os demais ou colocar pressão para que a criança se sinta obrigada a ir sempre bem”, diz.

Para a pesquisadora de Stanford, os elogios moldam a cabeça das crianças. O reforço à “inteligência”, ao “dom” e à “genialidade” formam uma mentalidade fixa, em que a pessoa não se motiva. Por outro lado, exaltações aos esforços mantêm o indivíduo mais aberto ao desenvolvimento e motivam a busca por aprender.

Ela deixa claro que as conquistas devem, sim, ser notadas. Entre os exemplos de expressões que pais e professores deveriam tentar adaptar ao repertório estão: “você fez um ótimo trabalho” e “você realmente estudou”, que enfatiza a dedicação da criança, ou “gostei do detalhe que você colocou ali” e “achei legal que você tentou uma estratégia diferente”, apontando para a possibilidade de aperfeiçoar e usar a criatividade, sem medo de frustrações.

Para ela, vale também relativizar conquistas muito fáceis e mostrar o lado interessante de problemas complexos em frases como “uau, esta é difícil. Vai ser divertido” ou “ah, esta não teve graça, deixa eu ver se acho algo mais legal para você”. Parece difícil? Você fez um ótimo trabalho lendo esta reportagem e se interessando e colocar isso em prática no dia a dia, realmente, é um desafio.

*Publicado originalmente em Carta Fundamental

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