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Amanda Ripley examina os países com os sistemas educacionais mais bem avaliados do mundo

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Como jornalista investigativa em revistas norte-americanas, Amanda Ripley achava que as reportagens continham muita pesquisa e pouca conclusão. Para fugir da mesmice, começou a ouvir os alunos de professores que conseguiam resultados muito melhores do que os colegas e notou que, na vida real, o que realmente fazia a diferença eram fatores que não estavam na pauta das políticas públicas.

Quando colocou isso em escala global, escreveu o best seller traduzido para o português As Crianças Mais Inteligentes do Mundo – E como elas chegaram lá. No livro, além de entrevistas com pesquisadores e especialistas, ela acompanha o intercâmbio de três estudantes de Ensino Médio que comparam as escolas de sua terra natal com as dos países nos quais foram morar: Coreia do Sul, Finlândia e Polônia. “Em suas histórias, encontrei a vida que estava faltando na papelada sobre leis e diretrizes educacionais”, afirma no livro. Leia entrevista em que ela conta o que percebeu:

Carta na Escola: Quanto tempo a senhora investiu no livro e como ele foi financiado?
Amanda Ripley: Do começo ao fim, levei cerca de três anos entre apurar e escrever. Nesse tempo viajei a nove cidades em quatro países. Tive financiamento da Simon & Schuster, minha editora original, e uma bolsa da New America Foundation, uma organização não partidária e sem fins lucrativos sediada em Washington, nos Estados Unidos.

CE: O livro fala sobre os países a partir de estudantes de intercâmbio. Como a senhora escolheu os adolescentes que acompanhou?
AR: Eu confiei em dados como testes escolares, taxas de aprovação e outros parâmetros de equidade e qualidade para escolher os países que renderiam as histórias mais atraentes. Depois, tive ajuda de programas de intercâmbio para achar norte-americanos que iriam para esses destinos. Entrevistei alguns em busca de pessoas curiosas, de mente aberta e que fossem responsáveis o suficiente para estar no Skype, quando me dissessem que estariam. Não foi difícil, alunos que procuram experiências no exterior tendem a ser muito planejados e refletir sobre suas experiências.

CE: Quais eram suas questões iniciais? Elas mudaram?
AR: No começo, queria saber se era verdade algo que eu vinha ouvindo: existiam países com políticas educacionais capazes de colocar todas as crianças em nível elevado de pensamento crítico? E, se realmente isso existe, como conseguem? Essas questões permaneceram comigo, mas com o tempo comecei a querer saber mais sobre as vidas e as opiniões dos estudantes desses países. Como é ser adolescente na Finlândia em uma terça comum? Qual era a diferença para um dia de um aluno comum nos Estados Unidos? A pesquisa traz dados fascinantes, mas os dados que explicam os resultados estão na vida real.

CE: O que a senhora acha dos testes que avaliam a aprendizagem, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa)?
AR: A maioria das potências educacionais usa esses parâmetros com clareza e tem rigor nos objetivos sobre o que as crianças deveriam saber em cada ano ou etapa de ensino. Esse tipo de coerência parece estar de mãos dadas com políticas que dão resultado. Dá a estudantes e professores foco, o que é fácil de perder no mundo barulhento de novidades e demandas da educação.

CE: Como a senhora vê as críticas à aplicação do Pisa pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) por promover um ranqueamento e pautar países sobre mudanças no ensino?
AR: A OCDE pode ajudar os países a melhorar seus sistemas de ensino, sim. Ela, de fato, o faz. Claro que pode haver equívocos nas comparações – como pode ocorrer em sistemas de saúde ou mesmo financeiros –, afinal são sistemas complexos influenciados por milhares de fatores culturais e históricos. A medição do aprendizado requer cuidado e tentar entender os resultados exige uma cabeça aberta. Mas é bobagem não tentar aprender com os acertos e erros alheios, especialmente em um mundo que fica cada vez menor.

CE: Quais foram as maiores surpresas?
AR: Foram muitas, tanto para mim quanto para os alunos. Na Coreia do Sul, fiquei fascinada com a intensidade do mercado educacional e com seus extremos. Entrevistei um professor que ganhava 4 milhões de dólares por ano, o que foi emocionante. Por outro lado, vi turmas em que metade dos alunos estava em sono profundo, exaustos de tanto estudar. Enquanto isso, na Finlândia, a história era outra. Os estudantes tinham vidas relativamente balanceadas e gastavam muito tempo brincando na escola primária.

Para Kim, a norte-americana cujo intercâmbio eu acompanhei, a grande surpresa foi a forma como os adolescentes olham para a escola. Eles a levam a sério de uma forma que seus colegas de Oklahoma (estado norte-americano) não fazem. As pessoas não são radicalmente diferentes, os tipos de adolescentes estavam lá, mas simplesmente compraram a ideia de que escola importa. Ela notou isso, que eu jamais notaria sozinha.

CE: No livro, a senhora conclui que muitos programas em Educação são desperdício de dinheiro. Por quê?
AR: As escolas desperdiçam uma quantidade infinita de dinheiro. Nos Estados Unidos, por exemplo, historicamente perdemos recursos investindo em classes menores, que, na maioria dos casos, não conduzem a maiores resultados na aprendizagem. Também gastamos uma quantia ridícula em lousas brancas, computadores e outros equipamentos reluzentes, sem que haja evidências de que isso levaria ao aumento da aprendizagem.

CE: A senhora dá exemplos de países ricos com resultados ruins. Como relaciona recursos financeiros e desenvolvimento educacional?
AR: Dinheiro faz diferença, é claro, assim como a falta dele. No mundo todo, a pobreza influencia resultados educacionais, não há dúvidas sobre isso. O que questiono é quanto ele influencia. Em alguns países, como Canadá, Coreia, Austrália e Estônia, a pobreza das famílias tem menos efeito sobre a educação das crianças do que em países como Estados Unidos. Isso deveria nos dar esperança. É possível reduzir os efeitos da desigualdade com boas escolas.

Escola na Finlândia

CE: Como fica a comparação entre países com mais e menos recursos?
AR: De novo, o dinheiro importa, mas, se procurar ao redor do mundo, verá uma coisa interessante: a partir de uma linha de investimento, gastar mais não significa aumentar a chance de aprendizado. A Polônia gasta, por estudante, cerca da metade do que os Estados Unidos, por exemplo. Além disso, é um país com uma parcela significativa de pobres. Mas os adolescentes poloneses têm hoje uma performance melhor do que os norte-americanos em Matemática, Leitura e Ciências no Pisa, e um grande porcentual de concluintes de Ensino Médio.

CE: A senhora classificou como “insano” o nível de competição entre estudantes da Coreia do Sul. Ainda assim, o Eric, intercambista que a senhora acompanhou por lá, apontou pontos positivos como o ensino de alto nível para todos. É possível ter o último sem o primeiro?
AR: A Coreia é um carnaval educacional. Tem feitos acadêmicos marcantes e a uma concorrência horrorosa que já levou até ao crime. Para mim e para o Eric, a lição da Coreia é nos mostrar como subestimamos crianças e adolescentes na maior parte do mundo, especialmente em Matemática. Mas também mostra como é preciso dar espaço para curiosidades e diversão, e não apenas para resultados em testes de resistência.

CE: Quais são suas conclusões sobre os efeitos da participação familiar?
AR: Dada a realidade de tempo e dinheiro limitados, é importante que os pais priorizem as atividades que ajudem seus filhos a seguir em frente em um mundo moderno. As pesquisas são muito claras sobre quais são elas, mais claras do que eu esperava. Leia para seus filhos quase todos os dias quando eles são menores, e fale com eles sobre o que estão lendo quando estiverem maiores.

Brinque e faça jogos com números e padrões quando estiverem em um ônibus ou cozinhando, por exemplo. Faça perguntas como “o que você acha que vai acontecer a seguir?” quando estiverem acompanhando uma história. Com os maiores fale sobre livros, filmes, música e eventos recentes. Force-os a pensar, questionar, investigar. Eles precisarão fazer isso em suas vidas.

CE: Em determinado ponto, sua conclusão é de que motivação importa mais que conteúdo. Por quê?
AR: Conteúdo muda rápido. A partir de um ponto, memorizar mais informações não ajuda. O que importa é curiosidade, agilidade, interesse em aprender, tudo isso requer motivação, que pode começar por uma escola interessante. O mundo está ficando mais meritocrata e aberto às pessoas mais motivadas. Com o mínimo de estrutura e motivação elas podem aprender muito mais online do que há pouco tempo. Elas podem transformar ideias em filmes, livros ou engajamento sem grandes investimentos e podem expor sem intermediários. Mas isso tudo requer automotivação, pensamento crítico e perseverança.

CE: Uma das qualidades em comum dos países com bons resultados é a seleção rigorosa de professores. Como fazer isso em um contexto em que faltam milhares de professores, como no Brasil?
AR: As superpotências mundiais em educação tornaram mais difícil entrar em faculdades de formação de professores e fizeram o ensino mais rigoroso e prático. Em alguns lugares, com escassez de professores, essa mudança é um projeto de longo prazo. Em outros, a logística não seria tão difícil.

Em muitos estados norte-americanos, por exemplo, educamos o dobro de professores do ensino primário do que realmente precisamos. Permitimos que todos entrem, depois damos pouca oportunidade de treinamento forte em salas de aula reais com professores bons. Logo, temos o atual resultado.

CE: O que a senhora recomendaria aos professores que gostariam de fazer o melhor trabalho possível?
AR: Encontre formas de assistir professores muito bons em ação. Faça isso sempre que tiver chance. Depois, discuta o que viu com eles. Se você não pode deixar sua sala para fazer isso, faça online. Há centenas de vídeos de grandes professores na internet. Não é a mesma coisa que ver pessoalmente, mas ainda pode ser útil e inspirador.

Os melhores professores não inventam tudo sozinhos em lugar nenhum do mundo, eles aprendem com outros colegas e constantemente experimentam coisas novas. Outro segredo, pelo que vi, é pedir feedback inteligente dos alunos. É preciso fazer perguntas instigantes e considerar todas as respostas, não apenas aquelas dos bons alunos.

*Publicado originalmente em Carta Fundamental

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