Disciplinas

As várias facetas de Henfil

Os múltiplos talentos e personagens memoráveis do artista que enfrentou o autoritarismo de sua época

Henfil|||
Econômico no Henfil
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É difícil a tarefa de rotular quem era Henfil. Difícil porque Henrique de Souza Filho, nome de nascimento que ele raramente usava na vida profissional, não tinha uma faceta. Tinha várias. Era desenhista de mão-cheia, escritor, apresentador de um quadro na tevê, cineasta, militante – nos tempos difíceis da Ditadura Militar brasilera (1964-1985).

A característica de exercer múltiplas funções era comum a outros protagonistas de sua geração, reunidos em torno do jornal O Pasquim. Criado em 1969, o tabloide ficou conhecido pelo papel exercido contra o poder autoritário do momento – os militares, de novo.

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Leia atividade didática para o Ensino Médio inspirada em Henfil

Competências: Analisar, interpretar e aplicar recursos expressivos das linguagens, relacionando textos com seus contextos

Habilidades: Estabelecer relações entre o texto literário e o momento de sua produção, situando aspectos do contexo histórico, social e político

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Os trabalhos de henfil são tão ricos que às vezes fica difícil lidar com produções dele sem ter de se apoiar numa atividade interdisciplinar. sugere-se aqui apenas uma das inúmeras possibilidades de atividade.

  1. A proposta é iniciar nas aulas de Língua Portuguesa. Distribuem-se para a sala algumas histórias em quadrinhos de Henfil, previamente selecionadas. A separação anterior é para que sejam privilegiadas narrativas que abordem dados contextuais da época, conhecimentos prévios necessários de serem recurados no ato de leitura
  2. Pode-se dizer à sala que aqueles quadrinhos foram publicados na década de 1970, época em que vigorava no País o regime militar. A partir daí, caberia aos estudantes, em grupo, pesquisar a qual(is) aspecto(s) do período a história faz referência. Do contrário, dificilmente o aluno conseguiria explicar o sentido ali proposto.
  3. Uma ideia é de que a atividade possa render uma exposição oral à sala, numa das aulas seguintes. Nessa etapa, o grupo escolheria um porta-voz para relatar aos colegas todos os conhecimentos e informações que tiveram de acionar para compreender a narrativa de Henfil. Outro ponto que deve ser reforçado é que os estudantes explicitem as operações de articulação entre os modos verbal escrito e visual, pontos que formam um texto multimodal.
  4. Entre a aula inicial da atividade e a exposição em si, o ideal seria que a disciplina de história trabalhasse alguns conteúdos do regime militar com a sala. Isso poderia ajudar a indicar caminhos para a pesquisa a ser feita pelos próprios alunos.
  5. Após a exposição final, meta da atividade, e a depender da empolgação dos alunos e dos resultados obtidos, pode-se pensar em uma exposição, que mostrasse a história em quadrinhos analisada e algumas imagens e fatos que ajudaram a compreendê-la. Isso reforçaria aos alunos, de forma material, a evidência de que existem informações extratexto necessárias para a produção do sentido textual.

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Ziraldo, Jaguar, Luiz Fernando Verissimo, Millôr e outros da trupe ficaram craques em jogar nas diferentes posições do campo midiático.

Henfil, o novato do time, a quem Jaguar costumava dizer que o nome se parecia com um assovio, logo mostrou qualidades suficientes para entrar no time titular, de onde não saiu mais.

Henfil conseguiu impor um estilo próprio e inconfundível em seus desenhos. Batia-se o olho e se sabia que os traços eram dele – e olha que ele integrava uma espécie de dream team do humor gráfico brasileiro.

Econômico nos rabiscos, generoso nas ondulações indicadoras de movimento, o artista mineiro resumia o essencial para a composição da cena. Sem perder o humor.

O lado cômico em tudo o que fazia era o ponto que unia suas múltiplas facetas profissionais. Nos desenhos, no entanto, era onde parecia estar mais solto e à vontade. Não demorou para que suas criações também ficassem conhecidas e migrassem para outros meios de comunicação, jornalísticos ou não.

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Uma das primeiras eram Os Fradinhos, dois freis distintos visualmente e no modo de ser. Um, comprido e mais bonachão; o outro, bem mais “baixim”, era mais endiabrado, se é que essa palavra pode ser aplicada a alguém do clero.

1Henfil fradinhos top top

Foram as traquinagens do Fradim baixo que ajudaram a popularizar no País a expressão “Top! Top!”, usada quando alguém é vitimado em determinada situação.

Invariavelmente, a cena era acompanhada pelas onomatopeias, que reproduziriam o “som” do contato de uma palma aberta na outra mão, fechada, como se reproduzisse um soco.

O cartunista Paulo Caruso, que também teve seus primeiros trabalhos na virada da década de 1960 para a de 1970, costumava ver nos dois personagens e no antagonismo entre eles uma alusão ao próprio Henfil e a seu irmão, Betinho. Esse, mais alto e criador da campanha do Fome Zero; aquele, firme na veia ácida do humor, atingisse a quem atingisse.

A analogia faz sentido. Verdadeira ou não, fato é que a dupla alçou outros voos midiáticos. Em 1971, os Fradins ganharam as bancas numa revista em quadrinhos própria.

Em formato horizontal, todo em preto e branco, o número de estreia era quase todo com histórias da dupla – o “quase” é porque havia algumas poucas páginas com cartuns.

ubaldo

A revista teve um total de 31 números. Nas edições seguintes, os protagonistas passaram a dividir mais espaço com outras histórias de humor feitas por Henfil.

E com outras criações dele. As mais emblemáticas seguramente são as narrativas de Graúna, Zeferino e Bode Orelana, vividas na Caatinga brasileira. Era como se fosse uma metonímia do nacionalismo do País.

Afora o fato de ser ambientada nas regiões secas e áridas, cenário corrente e crítico por si só, as histórias do trio brincavam com o papel subdesenvolvido do Brasil no circuito internacional.

E isso valia também para as próprias histórias em quadrinhos. Numa delas, Tio Patinhas é sequestrado em nome do “Comando de Libertação do Quadrinho Nacional”. O milionário da Disney é até julgado e condenado a distribuir sua fortuna.

A turma de Zeferino já circulava por essa época por outras páginas também. A série havia estreado no caderno de cultura do Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro. A primeira história foi impressa em 21 de agosto de 1972.

A tira, num formato mais longo que o habitual, dividia a seção de quadrinhos com a norte-americana Peanuts, de Charles Schulz, e a francesa Astérix, de René Goscinny e Albert Uderzo – o herói gaulês era publicado no jornal carioca desde o ano anterior.

Como se pode perceber, Henfil fazia vários trabalhos paralelos para a imprensa diária. No mesmo Jornal do Brasil, era colaborador regular, com suas charges e cartuns.

Também no Rio de Janeiro, no Jornal dos Sports, criou personagens para representar os clubes fluminenses. Um deles é lembrado até hoje: o urubu, usado para marcar a enorme torcida do Flamengo.

Até fora do País o mineiro se aventurou a levar seus desenhos. Ele criou uma versão gringa dos Fradins, rebatizados de The Mad Monks. Apesar de emplacar a venda para alguns jornais dos EUA, o humor foi considerado ácido demais para os leitores.

Não seria problema. Mesmo com a saúde debilitada pela hemofilia, mal que o acompanhava desde a infância, a recusa
de uma série alimentaria a criação de outra. Embora datado por causa do contexto do momento, uma de suas mais felizes criações foi Ubaldo, o Paranoico.

O título sintetiza com precisão o tema das histórias, sempre curtas: o protagonista refletia o medo coletivo por causa da falta de liberdade de expressão e dos abusos cometidos pelos militares a quem se arriscava a romper o silêncio.

Ubaldo, como o próprio nome diz, era paranoico em relação a isso. O menor 
sinal, geralmente falso, já era motivo para que ele entrasse em pânico.

Era um personagem que saía de casa com carteiras de Identidade e do Trabalho, CPF, Certificado Militar (em que nada constava, ele fazia questão de registrar) e Título de Eleitor. Tudo para se prevenir caso fosse barrado por alguma autoridade policial.

Detalhe: todo esse acervo documental era para ir até a banca da esquina, num passeio que demoraria, segundo ele mesmo, uns 15 minutos.

Em outra história, Ubaldo foge às pressas após um colega dizer que “esse regime está uma porcaria”. A perda de peso é entendida como crítica ao regime militar. Note-se que de um jeito simples, porém acentuadamente crítico, Henfil usava o humor para dar seu recado a quem de direito. Os militares entre eles.

Autor e criações passaram pelos Estados Unidos, Natal, até se estabelecerem em São Paulo, na segunda metade da década de 1970. Nesse período, ele teve papel importante para a consolidação gráfica da imprensa sindical paulista.

Dividia os trabalhos com nomes hoje importantes da área de quadrinhos: Laerte, Glauco e Angeli. No período das Diretas Já, seus desenhos também tiveram destaque no visual da campanha pelas eleições presidenciais por meio do voto popular.

O destino quis que a arte de Henfil parasse prematuramente. O artista morreu em 4 de janeiro de 1988. Assim como seus irmãos Betinho e Chico Mário, ele era hemofílico, doença que exigia transfusões de sangue. Numa delas, contraiu o vírus HIV. Morreu por complicações da Aids. Seus irmãos de sangue, também.

Costuma-se dizer que o Brasil não tem um equivalente ao argentino Quino, criador da questionadora Mafalda. Não é bem verdade. Há mais de um candidato ao posto. Mas, se fosse feito um ranqueamento de opções, Henfil seguramente estaria no topo da lista. Ou no “Top! Top!”, no linguajar do autor.

* Paulo Ramos é professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Paulo

* Publicado originalmente em Carta na Escola 

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