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As guerras do ópio

Narcótico foi estopim de conflitos ocorridos no século XIX entre a China e potências ocidentais

Guerra do Opio|China e Inglaterra|Guerra do Opio
Caricatura retrata assinatura de tratados entre a China e os países ocidentais|Caricatura retrata assinatura de tratados|Gravura retrata ataque da coalizão Guerra do Opio
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As duas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1858) na China são marcos importantes tanto para a história da China quanto para a história da presença ocidental, principalmente europeia, em terras orientais.

A China, maior império não europeu do mundo e até praticamente o fim do século XVIII, vivia fechada em si mesma. Os contatos com o mundo ocidental eram feitos apenas por meio de transações de alguns produtos exportados para a Europa, em uma linha estreita de comércio.

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Leia atividade didática de História sobre este texto

Competências: Compreender as transformações dos espaços como produto das relações socioeconômicas e culturais do poder

Habilidades: Comparar o significado histórico-geográfico das organizações políticas e socioeconômicas em escala local ou mundial

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Discuta com seus alunos as razões para o conflito e suas consequências

1. Peça aos alunos que expliquem com suas próprias palavras quais foram algumas das razões que levaram às Guerras do Ópio.

2. Peça aos alunos que façam uma pesquisa sobre o imperialismo inglês no século XIX e depois respondam:
a) Por que os ingleses precisavam expandir seu comércio e o seu território?
b) Qual a importância da Ásia para o comércio inglês?
c) Quais as consequências da exploração imperialista/neocolonial para os países dominados?

3. O banco HSBC foi fundado no contexto das Guerras do Ópio, no século XIX, e hoje sofre com denúncias de lavagem de dinheiro, do tráfico de drogas e de outros ilícitos. Agora, responda:
a) Os grupos sociais que se beneficiam da ação de um banco no passado e no presente, são os mesmos? São parecidos? Justifique a sua resposta.
b) Você acha que um banco deve saber a origem do dinheiro que é aplicado nele? Por que?

4. Por que a Revolução Industrial ocorrida na Europa, especialmente na Inglaterra no início do século XIX, ajuda a compreender a ocupação dos territórios asiáticos, como a China e a Índia, por exemplo?

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Vendiam basicamente artigos de luxo, como a porcelana e a seda, além do chá, sem dúvida o produto mais vendido. A balança comercial com a Europa era superavitária, vendiam muito mais do que compravam.

No começo do século XIX o mundo ocidental ainda era muito pouco conhecido e o império chinês pensava que seria possível controlar os bárbaros (europeus) como sempre o fizeram. Nesse momento, porém, havia uma força tremenda que buscava irromper essa barreira.

Uma força comercial, diplomática e militar: a Inglaterra. Segundo o historiador Eric Hobsbawm, na primeira metade do século XIX a Inglaterra era a única potência industrial e naval do mundo, portanto, a única potência colonial de fato.

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A Revolução Industrial havia criado indústrias imensas, que aumentavam absurdamente a sua produção ano a ano, desde o início do século XIX. Os artigos manufaturados produzidos na Inglaterra necessitavam urgentemente de novos mercados.

Nesse momento, os ingleses acreditavam que seria mais vantajoso ter mercados abertos e com proteção marítima do que arcar com os altos custos de uma ocupação efetiva do território. A Índia era um caso à parte, pois por meio de sua colonização é que foi possível a conquista de outros mercados do Extremo Oriente, especialmente o chinês.

Guerra do Opio Gravura retrata ataque da coalizão anglo-francesa a Pequim, em 1860

Para esse avanço no Oriente, foi fundamental a participação da Companhia Britânica das Índias Orientais. Uma empresa privada, mas que seguia ordens da Coroa e era em seu nome que governava os territórios e regulava o comércio em toda a região.

A Companhia pisou em solo chinês pela primeira vez em 1699, em Cantão. O chá era o principal produto exportado pelos chineses.

Em 1720 os ingleses compravam 12,7 mil caixas por ano. Em 1830, esse comércio alcançou 360 mil caixas anuais. A partir das últimas décadas do século XVIII, os ingleses tentaram de diversas formas equilibrar a balança comercial com a China, buscando mais abertura de comércio e maior aceitação de seus produtos pelos chineses. Em vão, pois a resposta era quase sempre a mesma: “Não estamos interessados nos artigos ingleses, sejam manufaturados ou não”.

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A Revolução Industrial esteve acompanhada de mudanças também nas formas de pensar. Na economia política, por exemplo, surgiu uma corrente de pensamento que rapidamente tornou-se hegemônica e, certamente, influenciou as nações industriais daquele tempo: o liberalismo.

Entre os pressupostos básicos do liberalismo estava a supressão de toda e qualquer barreira que impedisse o livre movimento dos fatores de produção (principalmente terra, trabalho e capital) e a livre inciativa. Em outras palavras, qualquer entrave para a realização do lucro deveria ser eliminado, usando a força se necessário.

Com a balança comercial desfavorável nas relações com a China, a prata dos ingleses estava escorrendo por entre os dedos. Por isso, tentavam a todo custo encontrar produtos que pudessem ser vendidos aos chineses. E eles encontraram: o ópio.

Até por volta de 1600, o ópio não era utilizado pelos chineses como narcótico, usavam-no apenas como analgésico, com fins medicinais. Com o tempo, porém, seu uso começou a se espalhar pela China, tornando-se comum misturá-lo com o tabaco.

Em 1729, veio o primeiro decreto imperial contra a cultura e o comércio do produto no país. Foram várias as tentativas de se controlar o comércio até 1839.

O ópio era produzido pela Companhia Britânica das Índias Orientais em solo indiano e levado por mercadores para ser vendido na China, entrando principalmente por Cantão. O comércio só aumentava. Quadruplicou entre o fim do século XVIII e 1838 (ano anterior à Primeira Guerra do Ópio).

A situação chegou a um nível bastante preocupante para as autoridades centrais chinesas, até que o governo de Pequim optou por medidas mais duras. A começar pela nomeação de um novo comissário para Cantão, com amplos poderes para reprimir a ação dos traficantes e comerciantes de ópio.

O novo comissário, Lin Zexu, endereçou duas cartas à rainha Vitória da Grã-Bretanha, apelando ao seu bom senso, para que o comércio fosse interrompido. Numa delas, ele argumenta:

“(…) Não permitis que o vosso próprio povo fume, sob severas penalidades em caso de desobediência, conhecedora que sois da maldição que isso é, e, portanto, proibindo estritamente tal prática. Mas ainda melhor do que proibir o povo de fumar, não seria proibir a venda e também a preparação do ópio? Não fumarmos, mas termos o despudor de preparar e vender e induzir as massas ignaras do interior a que o façam – isso significa protegermos a nossa própria vida enquanto levamos outros à morte, significa obter lucros enquanto arruinamos e causamos danos irreparáveis a outros”

A rainha ignorou completamente o apelo dos chineses pelo fim do tráfico. Mesmo assim, o governo imperial estava decidido a resolver o problema. Por isso, em 1839, 350 comerciantes estrangeiros ficaram confinados por seis semanas em Cantão até que eles entregassem todo o seu estoque de ópio.

Os britânicos entregaram 20 mil caixas do produto, que foram queimadas publicamente. Em reação, a Inglaterra imediatamente declarou guerra à China.

Nesse momento, o poder naval inglês era muito superior ao dos chineses. Para ter ideia, em 1840, a Marinha inglesa tinha quase o mesmo número de navios do que todos os seus rivais europeus juntos.

Além disso, a superioridade tecnológica era indiscutível. A Marinha chinesa não teve condições de resistir por muito tempo e, em 1842, capitulou e assinou o Tratado de Nanquim, que encerrou a guerra.

Obviamente, o preço pago pelos chineses nesse tratado não foi baixo: os derrotados foram obrigados a abrir cinco portos ao comércio exterior (Cantão, Xiamen, Fuzhou, Ningbo e Xangai); instituir uma tarifa aduaneira fixa de 5%; entregar ao domínio inglês o porto de Hong Kong; instituir a “extraterritorialidade” para os cidadãos britânicos, que não poderiam mais ser julgados pela lei chinesa; e pagar uma grande indenização.

Anos mais tarde, em 1856, os chineses tiveram de encarar a Segunda Guerra do Ópio. Com argumentos muito mais superficiais do que em 1839 (causados por incidentes diplomáticos com um navio chinês em Hong Kong e a morte de um missionário francês), uma coalizão de Inglaterra e França bombardeou Cantão.

As forças anglo-francesas avançaram e chegaram até Pequim, onde saquearam e incendiaram o Palácio de Verão, após a fuga do imperador. Com isso, foi assinado o Tratado de Tientsin e o Tratado de Pequim, que definiam: direito desses países de criar embaixadas em Pequim; abertura de mais 11 portos ao comércio externo; concessão do direito de missionários e comerciantes residirem e terem propriedades no interior da China; e uma altíssima indenização à Inglaterra e França.

As consequências dessas guerras foram várias. Entre elas, podemos destacar o início do processo de dissolução do Império, a eclosão de diversas revoltas camponesas pelo interior do país, a entrada da China no mundo industrial e a criação dos movimentos nacionalista, republicano e socialista, mais adiante, entre outras.

Mas uma decorrência desse processo, que se expressa no mundo atual, é a criação de um banco. Hoje, um dos maiores do mundo, o Hong Kong & Shanghai Banking Corporation (HSBC), foi fundado em 1865 por comerciantes de ópio britânicos.

Coincidência ou não, em 1839, o comissário Lin Zexu, prendeu um dos futuros administradores do banco por causa do tráfico.

Sem dúvida, os governos e os comerciantes, ingleses e europeus, é que foram os grandes vencedores dessas guerras neocoloniais.

Afinal, banqueiros, traficantes, “lavadores de dinheiro”, sonegadores de impostos, qual a diferença entre eles? Nas palavras de Bertolt Brecht, “O que é um assalto a um banco comparado à fundação de um banco?”

*André Amano é historiador, pós-graduando do Programa de História Econômica da USP

** Publicado originalmente em Carta na Escola

Saiba mais

Filme: A Guerra do Ópio. Xie Jin, 1997

Livros

A Ásia Oriental nos Séculos XIX e XX, de Jean Chesneaux. Pioneira Editora, 1976

China Entre o Oriente e o Ocidente, de Rogério Haesbaert. Ática, 1994

China: História e Cultura, de W. Scott Morton. Zahar, 1986

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