Educação

Aos 81 anos, mãe de santo se prepara para defender tese de doutorado na UFPR

Mais que mestre, doutora ou ialorixá, Iyagunã Dalzira é hoje uma personalidade do movimento negro

(Foto: Kraw Penas/SEEC-PR)
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Resistência é o termo que melhor define a trajetória mineira Dalzira Maria Aparecida, a Iyagunã Dalzira, como é conhecida no Candomblé, ou simplesmente Yá. Aos 81 anos, ela se prepara para defender nesta sexta-feira 22, sua tese de doutorado na Universidade Federal do Paraná.

Iyagunã Dalzira iniciou os estudo regulares aos 47 anos, no programa de Educação de Jovens e Adultos, o EJA. Aos 63, iniciou o curso de Relações Internacionais. Aos 72, defendeu seu mestrado na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, com uma dissertação sobre os saberes do Candomblé na contemporaneidade. Agora, no doutorado, sua tese é “Professoras negras: gênero, raça, religiões de matriz africana e neopentecostais na educação pública”. 

Mais que mestre, doutora ou mãe de santo, Yá é hoje uma personalidade do movimento negro. Filha de um trabalhador rural e uma empregada doméstica, ela chegou ao Paraná ainda criança, na década de 1950. “Meu pai sonhava em ter seu pedaço de terra. Em prosperar plantando café – o ‘ouro preto’ como ele chamava”, conta. O trabalho era em regime “meeiro”, ou seja, metade de toda produção era entregue ao patrão. Não existia vínculo empregatício, nem qualquer direito trabalhista.  

O lugar onde moravam era uma espécie de quilombo, só havia nas redondezas uma família branca. “Na infância, não fui vítima do racismo” conta. “Não tinha noção do que era racismo.” Na adolescência, contudo, a experiência começou a mudar. Ela recorda de quando, uma companhia de uma amiga branca, procurou um convento para saber como ambas poderiam se tornar freiras. Ao ouvir a pergunta, a religiosa que as recebeu se calou. Depois, admitiu que a amiga “poderia” se juntar ao convento – mas ela, não: “Você é bem escurinha, né?”.

O episódio a marcou profundamente. “Carreguei sozinha aquela dor por muitos anos. Não comentei com meus pais, com ninguém. Mas me fez muito mal. Fui acometida por uma imensa revolta. Passei a questionar minha fé cristã. Por que Deus é tão cruel? Por que criou pretos e brancos? Por que permite isso?”. 

Já adulta, aos 27 anos, em plena era de chumbo da ditadura, Iyagunã Dalzira se mudou com a família para Curitiba. Na cidade, foi convidada a participar de um movimento ligado à igreja católica em defesa da população negra. Aceitou de pronto, tornando-se militante do núcleo que resultaria no Grupo União e Consciência Negra.

Embora o racismo curitibano fosse camuflado, velado (“Raramente ouvíamos expressões agressivas. Não havia atitudes nem gestos”), o movimento negro a deu os recursos para nomear e combater a discriminação. “Tomei consciência da importância desta luta em defesa dos negros e na conquista por seus direitos. Com isso, começamos a estabelecer prioridades e traçar ações.” Neste período, também surgiu o interesse pelo candomblé. 

Iyagunã Dalzira nunca se casou, mas adotou sete crianças – duas meninas e cinco meninos. O grande desafio nesta empreitada foi educá-las. “Não pela educação em si, mas pelos educadores que não conseguiam trabalhar com crianças pobres, pretas, marginalizadas. Não compreendiam que elas eram rebeldes justamente por serem marginalizadas”.

Com o título de doutora, ela espera poder contribuir ainda mais para a reconstrução de um mundo melhor, com menos ódio, violência e mais amor. Em troca, quer apenas compreensão. “Sempre seremos negros, mas que não sejamos odiados por sermos negros”.  A próxima honraria será receber o título de Cidadã Honorária de Curitiba. 

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