Educação

A Lua e a Jabuticaba

Vencedor do Prêmio Jabuti, Pedro Veludo conta a história de Julinha, que morava num lugar onde ainda se podia ver a Lua. Afinal, pensava, o que havia lá?

Ilustração de Odilon Moraes para o conto de Pedro Veludo
Ilustração de Odilon Moraes para o conto de Pedro Veludo Pedro Veludo
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Julinha morava num lugar onde ainda se podia ver a Lua. Mas, infelizmente, só de vez em quando. Primeiro, porque cada vez mais havia prédios altos no bairro onde morava, que pouco a pouco iam tapando o céu quase todo. E em segundo lugar… bom, aqui é que começa a confusão. A Lua nem sempre era visível, ora aparecia numa posição ora noutra e, às vezes, só se via uma parte dela. E afinal, o que havia lá?

Leia atividade didática de Língua Portuguesa baseada nesse conto inédito
Anos do Ciclo: 6º ao 8º
Objetivos de aprendizagem: Trocar impressões com outros leitores a respeito dos textos lidos; Examinar em textos o uso da primeira ou terceira pessoa e suas implicações no processo enunciativo (discurso direto, indireto e indireto livre); Estabelecer relações intertextuais.
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Por Luísa Nóbrega e Maria José Nóbrega

Área Envolvida: Língua Portuguesa

Possibilidades interdisciplinares: Ciências, História

Tempo de Duração: 5 aulas

Julinha olhava para o céu, intrigada. Por que é que a Lua às vezes aparecia, às vezes não? Como é que mudava tanto de forma? Sem conseguir deixar de pensar naquele enigma, a menina tentava extrair alguma explicação dos adultos sem sucesso. Sua avó insistia em dizer que a Lua era um enorme queijo, com buracos feitos por ratos. Não dava para acreditar. Já a vizinha dizia que a paisagem lunar era a morada de um pastor de ovelhas, que tinha sido trazido por uma cegonha. Nada podia ser tão ingênuo.

Seu pai dizia que um grupo de homens já tinha andado na Lua e fincado nela uma bandeira. Mas por que alguém iria tão longe só para colocar uma bandeira? Julinha não compreendia. Mesmo depois que sua professora lhe disse que o assunto só seria matéria do ano seguinte, a garota não desistia de saber. E não é que depois de encontrar um rapaz que vivia no mundo da Lua ela encontraria sua resposta?

Pedro Veludo cria uma narrativa delicada e lírica que evoca as múltiplas referências imaginárias que podem rodear um mesmo fenômeno, fazendo um elogio à curiosidade, à vontade obstinada de conhecer.

1) Chame atenção para a primeira frase do conto: Julinha morava em um lugar onde ainda se podia ver a Lua. Por que o autor opta por usar o advérbio “ainda”? No lugar onde seus alunos vivem é possível ver a Lua?

2)Que aspectos da Lua deixavam a garota intrigada? Proponha que seus alunos estejam atentos.

3)Diga a seus alunos que procurem perceber quais as diferentes explicações a respeito da Lua que a protagonista escuta de seus contemporâneos. O que faz com que cada uma delas deixe a menina insatisfeita?

4)Esclareça para seus alunos as diferenças entre os discursos direto e indireto e, em seguida, apresente a eles o discurso indireto livre, explorado por Pedro Veludo nesse texto: os pensamentos do protagonista aparecem entremeados à fala do narrador sem o recurso dos verbos enunciativos e da pontuação. Em que momentos o autor opta pelo discurso direto, em que momentos utiliza o discurso indireto, em que momento prefere o discurso indireto livre?

5)Chame atenção dos seus alunos para a seguinte passagem: Além do mais com cegonhas transportando bebês… Julinha ficava com pena da senhora. Será que ela acreditava nessa história? Cegonhas carregando bebês? Um dia, pensou, se sentaria com a vizinha e lhe explicaria melhor essas coisas. Veja se percebem como o final dessa passagem inverte uma situação típica: é a criança que se espanta com a aparente ingenuidade da vizinha, e se dispõe a esclarecer seu equívoco a respeito do nascimento dos bebês.

6) Como surgiu a lenda a respeito das cegonhas? Proponha a seus alunos que pesquisem mais sobre o assunto.

7) O diálogo da menina com seu pai, ainda que não lhe pareça convincente, se diferencia dos outros: enquanto a avó e a vizinha falam da Lua propondo hipóteses criadas pela tradição, o pai refere-se a um momento histórico: a chegada do homem à Lua, no foguete Apolo 11. Assista com seus alunos ao vídeo da chegada do homem na Lua, em 1969:

8. E por que ir tão longe para espetar uma bandeira?, pergunta Julinha, descrente. Converse com seus alunos a respeito do fato de a Corrida Especial ter-se dado no contexto da chamada Guerra Fria – e que fincar a bandeira americana serviu, entre outras coisas, como afirmação do poderio americano diante da ameaça da expansão soviética.

9) O que quer dizer a expressão “andar com a cabeça na Lua”, que o pai de Julia usa para se referir ao rapaz responsável pelas entregas do supermercado e que a menina entende literalmente?

10)É o rapaz que faz entregas para o supermercado quem finalmente consegue oferecer a explicação tão almejada por Julinha. Convide um professor de Ciências para preparar um experimento semelhante, para que seus alunos compreendam com mais clareza como é que a Lua muda de forma.

11)Proponha que seus alunos realizem uma pesquisa a respeito de mitos e lendas criados pelos mais diversos povos para explicar a existência da Lua e seus poderes – as narrativas envolvendo Ártemis e Hécate, na mitologia grega; a lenda da vitória-régia, contada pelos índios manaós, hoje considerados extintos. Agende um dia para que seus alunos compartilhem sua pesquisa.

12) Ouça com seus alunos a música Lunik 9, de Gilberto Gil, na interpretação de Elis Regina. Veja se notam como a canção, apesar de em certa medida celebrar a chegada do homem à Lua, de algum modo também expressa uma nostalgia pelo romantismo que circundava esse corpo celeste tão próximo de nós, quando os tempos eram outros.
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Todas essas coisas deixavam a menina pensativa.

Sua avó dizia que a Lua era um enorme queijo e nada mais do que isso. Não havia dúvidas a respeito: um queijo redondinho, redondinho!

– Foi a minha bisavó quem me ensinou há muitos anos… A Lua é um queijo mesmo. Sério! – insistia a avó de Julinha.

– Mas, vó… – replicava Julinha, intrigada – e não aparecem uns ratinhos por lá? Ratos adoram queijo.

– Sim, claro que aparecem – respondia a avó –, mas acontece que a Lua está muito longe da Terra e, portanto, não dá para ver os bichinhos.

A avó explicava ainda que aqueles buracos redondos que se veem na Lua, nas noites em que ela está cheia, eram os ratos que os faziam.

Julinha ficava pensando que se os ratos comiam a Lua a ponto de ficar com buracos, chegaria um dia em que não haveria mais Lua. Só ratinhos embrulhados uns nos outros.

Não! Por mais que tentasse – e como ela tentava – Julinha não conseguia acreditar nisso. Imaginem só: um queijo enorme e redondo, lá longe, cheio de ratinhos comendo pedaços… Não era possível.

Havia ainda aquela história estranha que a vizinha lhe tinha contado: que na Lua morava um guardador de rebanhos de ovelhas, sozinho, e que nas noites em que a Lua estava bem iluminada era possível ver a cara dele, a sorrir.

– A sorrir? Mas como é que isso pode ser? Ele sorri por quê? – perguntava Julinha.

Sozinho, sem pai, sem mãe, sem namorada, sem um amigo sequer para brincar? Coitado… – pensava a menina, para com os seus botões.

– Nem sequer um brinquedo, só com as ovelhas de um lado para o outro, de um lado para o outro. Além do mais como é que esse guardador tinha ido parar lá? E essas ovelhas como é que chegaram até a Lua?

– Uma cegonha deixou o guardador lá, quando ele ainda era bebê! – dizia a vizinha, tentando responder às perguntas da Julinha. – Quanto às ovelhas… as ovelhas acho que foram, foram…

A vizinha sempre se engasgava neste ponto. É que ela não conseguia explicar como é que as ovelhas tinham ido parar na Lua.
– Talvez tenham sido levadas por uma cegonha também – dizia ela, sem muita convicção, baixando o tom à voz e mudando de assunto.

A menina não acreditava nem um pouco no que a vizinha contava. Além do mais com cegonhas transportando bebês. Julinha ficava com pena da senhora. Será que ela acreditava nessa história? Cegonhas carregando bebês? Um dia, pensou, se sentaria com a vizinha e lhe explicaria melhor essas coisas.

Num domingo à hora de almoço ouviu o pai dizer que havia homens que já tinham caminhado na Lua.

– Isso mesmo. Foram numa nave espacial e até espetaram lá uma bandeira!

– E para quê ir tão longe para espetar uma bandeira? — perguntou Julinha.

O pai não respondeu. Acrescentou que esses homens eram astronautas e tinham trazido umas pedras da Lua. E disse mais uma porção de coisas. Tudo isso só deixou Julinha mais curiosa. Não havia já tantas pedras aqui na Terra? Mesmo ali, no quintal da casa dela, havia pedras demais!

No dia seguinte, na escola, a menina pediu à professora que falasse sobre a Lua. Por que ela mudava de forma, o que era uma Lua cheia, por que ela às vezes sumia, o que lá havia, enfim, essas coisas todas. A professora interrompeu o que estava a explicar e ficou por um momento muito séria. Depois fez uma cara muito boazinha e disse:

– Menina Julinha: isso é matéria do próximo ano. Este ano só vamos estudar…

Julinha nem sequer ouviu o resto da frase. No próximo ano? Talvez a professora também não soubesse assim muitas coisas sobre a Lua…

Mas a menina não ia conseguir esperar até ao ano seguinte. Já pensaram? Passar um ano inteirinho com todas essas dúvidas? Quem conseguiria passar um ano assim? Não ela, com certeza.

No ônibus, de regresso à casa, pensou em perguntar a um senhor que ia sentado ao seu lado. Olhou para ele, tornou a olhar… Será que ele entendia de Lua? Não. Ele estava com o rosto tão inclinado para baixo, com a atenção tão voltada para o chão que Julinha desistiu. Teria de perguntar a alguém que também olhasse para cima.

Na semana seguinte, à tardinha, Julinha estava a brincar no quintal quando escutou umas vozes alteradas vindas da cozinha. Foi até lá. A sua mãe reclamava com o rapaz de entregas do supermercado.

– Incrível! É a terceira vez que você troca os meus sacos de compras! Assim é demais! – vociferava a mãe de Julinha.

– Esse rapaz anda com a cabeça na Lua! – gritou o pai, lá do fundo do sofá da sala, parando de ler o jornal e coçando o dedo grande do pé.

O coração de Julinha deu um pulo. Se aquele rapaz andava com a cabeça na Lua, devia saber alguma coisa. Quando ele saiu, correu o mais que pode pela porta fora, e logo o alcançou.

Com a respiração atropelando as palavras, a menina fez todas as perguntas que há tanto tempo andavam engasgadas dentro dela. Ao princípio o rapaz ficou um pouco atordoado com aquelas questões todas, colocadas muito depressa, umas a seguir às outras.

Mas depois, sentaram-se os dois na beirada da calçada e, aos poucos, Julinha ficou sabendo de tudo. Ele disse-lhe que a Lua não era um queijo, nem nada que se parecesse. Ainda bem que ela não tinha acreditado nessa história. Nem sequer havia lá ratinhos ou guardadores de rebanhos de ovelhas, nem ovelhas, nem nada disso. Ratinhos, ovelhas e só mesmo aqui na Terra e… também na cabeça de algumas pessoas. Mas a história dessas pessoas, é outra história!

Julinha ficou sabendo que a Lua é uma bola redondinha mais ou menos como a Terra, só que menor. Como se fosse a Terra vista por uns binóculos, olhando pelo outro lado. Depois, o rapaz tirou de um saco de compras uma laranja e uma jabuticaba. Então, segurando uma em cada mão e pondo a jabuticaba a rodar em volta da laranja, o rapaz mostrou a Julinha porque é que a Lua – quer dizer, a jabuticaba – aparecia a quem estava na Terra – ou seja, na laranja – de maneiras diferentes. E também porque às vezes aparecia só uma parte dela.

A menina estava radiante. Ele disse-lhe ainda que, quando a Lua está cheia, ela está só cheia de Lua, iluminada de frente pelo Sol e por isso aquele brilho todo. E que a Lua nova é sempre a mesma velha Lua, só que vista numa outra posição.

Nessa noite Julinha dormiu inquieta. De madrugada, não se sabe se foi o vento numa árvore, uma estrela cadente de cauda mais longa ou uma luta de gatos no telhado. O certo é que alguma coisa a fez acordar.

Levantou-se e foi até a janela. E viu uma Lua imensa que brilhava lá no alto! Julinha ficou muito tempo olhando para ela, enquanto os seus olhinhos piscavam de sono e alegria, fazendo a Lua desaparecer e aparecer de novo.

Desse dia em diante, em casa, na escola, em qualquer lugar, toda a gente dizia que os olhos dela brilhavam como duas luas pequenininhas.

E ela ria, ria, ria… e não dizia nada.

*Pedro Veludo é escritor. Ficou em segundo lugar no Prêmio Jabuti 2014 na categoria Infantil por Da Guerra dos Mares e das Areias: Fábula Sobre as Marés (Editora Quatro Cantos)


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Outros livros de Pedro Veludo

Da Guerra dos Mares e das Areias, Editora Quatro Cantos

As Viagens de Raoni, Editora Miguilim

Clara Pinta e Borda, Editora Cuore
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