Educação

A hora da escolha

Ainda engatinhando no Brasil, orientação profissional vai muito além dos testes vocacionais

Biblioteca|Aluna estudando
Um dos aspectos geradores de ansiedade é a falsa ideia de que se escolhe uma profissão para o resto da vida| |
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Prestar Artes Cênicas ou Medicina no vestibular? Optar pela carreira mais rentável ou correr atrás daquela que trará mais realização pessoal? Seguir a mesma profissão dos pais ou mudar completamente de área? As dúvidas são muitas – e costumam pipocar com mais força na cabeça dos jovens justamente no final do Ensino Médio, quando muitos precisam escolher um curso na ficha de inscrição do vestibular. A indecisão é grande: 54% dos alunos do terceiro ano de escolas particulares ainda não decidiram qual carreira seguir, segundo levantamento realizado em 2010 pelo Portal Educacional.

Na reta final do Ensino Médio, Mariana Louro da Silva, 18 anos, tinha muitas dúvidas quando o assunto era sua futura vida profissional. Cansada de ler guias de profissões e de fazer testes de múltipla escolha, ela procurou por conta própria uma orientadora profissional no fim do ano passado. “Eu não queria fazer cursinho e estudar para uma coisa que eu nem sabia se queria”, lembra. Ao fim de quatro sessões com uma psicóloga, decidiu prestar vestibular para Arquitetura e para Design de Interiores. “Foi muito válido, não sei se chegaria a uma decisão por conta própria”, avalia.

Apesar de positiva, a experiência de Mariana é uma exceção. Na maioria das escolas brasileiras, a presença de um orientador profissional é coisa rara. Em geral, os estabelecimentos de ensino lançam mão de recursos como visitas a feiras de profissões e palestras com profissionais de diferentes áreas ou adota testes massivos de múltipla escolha, esses últimos considerados pouco eficazes pelos -especialistas. Além disso, a contratação de um profissional particular é salgada, podendo chegar a 1,4 mil reais. Apesar da -lacuna, um estudo qualitativo dirigido pela ONG Ação Educativa em cinco escolas públicas da zona leste de São Paulo indicou a demanda dos jovens por uma melhor preparação para realizar escolhas profissionais e construir suas trajetórias de vida.

De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Orientação Profissional, Silvio Bock, a escolha da profissão é um tema ausente nas salas de aula brasileiras. “Está mais em pauta preparar o aluno para o Enem e para o vestibular do que essa etapa anterior, que é ajudá-lo a escolher a profissão”, explica o pedagogo. Segundo Bock, existe nas escolas um pressuposto de que a escolha profissional do aluno acontece de forma espontânea e que apenas indivíduos problemáticos não conseguem decidir suas futuras carreiras.

Especialista em psicologia escolar e orientadora profissional há 20 anos, Giselle Welter explica que o jovem de hoje é muito bombardeado com expectativas a respeito do mundo do trabalho. Para a orientadora profissional, a escola poderia ajudar o adolescente com a decisão, principalmente ao criar espaços de experimentação em sala de aula.

Na rede pública, praticamente só existem experiências isoladas, em -geral realizadas por voluntários, de orientação profissional. “A escola pública retoma a questão da orientação profissional agora, com a inserção dos programas de incentivo à ida na universidade, mas a discussão da escolha ainda está muito longe dos alunos”, explica Silvio Bock. Para o psicólogo do Serviço de Orientação Profissional da USP Fabiano Fonseca da Silva, as políticas públicas brasileiras para a orientação profissional são incipientes, quando comparadas às existentes em outros países. “Experiências sistemáticas de orientação profissional são raras”, afirma.

No Reino Unido, a educação para a carreira faz parte do currículo obrigatório para alunos entre 14 e 16 anos desde 1997. Países como Canadá, Alemanha e Espanha também incluem a orientação profissional nos currículos escolares. Na província canadense da Colúmbia Britânica, educação para a carreira e planejamento pessoal fazem parte das aulas de educação infantil. No Brasil, a própria Associação Brasileira de Orientação Profissional existe há menos de 20 anos e a profissão não é regulamentada.

Uma das maiores políticas públicas para orientação profissional brasileira aconteceu entre 1978 e 1982, no estado de São Paulo. Batizada de Programa de Informação Profissional (PIP), a iniciativa surgiu em um contexto de profissionalização do antigo segundo grau, em que as escolas ofereciam obrigatoriamente formação técnica vincula-da aos três setores da atividade econômica: primário, secundário e terciário. A disciplina era oferecida aos alunos do primeiro ano e deveria ser ministrada por pedagogos com habilitação em orientação educacional.

O projeto, porém, não foi adiante. A própria contestação, por parte da comunidade escolar, do conceito de segundo grau voltado para o trabalho contribuiu para o fracasso do PIP. Outros fatores como a falta de embasamento teó-rico do projeto de lei e o pouco preparo de pedagogos e professores também contribuíram para o fim do programa, em 1982. De lá para cá, não houve iniciativas significativas na área.

Atualmente, a educação para a carreira vai muito além dos testes vocacionais de múltipla escolha. A maioria dos atendimentos modernos envolve discussões sobre a escolha, questões como o autoconhecimento do adolescente e informações sobre economia e mercado de trabalho. O trabalho pode ser feito individualmente ou em grupos.

Geralmente, psicólogos e pedagogos alternam-se na função, apesar de não existirem mais matérias sobre orientação vocacional na grade de formação de Pedagogia. Para Silvio -Bock, antes de tudo, o trabalho de orientação profissional exige estudo e preparo: “Por algum tempo, imaginava-se que bastava aplicar técnicas. Hoje, o educador precisa conhecer um pouco de economia, precisa saber como funciona o mercado e, inclusive, fornecer -dados ao estudante”.

Dentro dos muros das escolas, encontrar tempo na grade curricular para discutir educação para a carreira e sensibilizar alunos e professores para a questão da escolha são alguns dos desafios encontrados pelos orientadores profissionais. “Ele (o professor) é um orientador profissional mesmo que não queira. Os alunos olham para ele e pensam sua vida profissional a partir do que acontece em sala de aula. Instrumentalizar o professor para isso às vezes é complicado”, analisa Fabiano Fonseca da Silva.

Na pesquisa realizada pelo Portal Educacional, 23% dos adolescentes afirmaram que costumam recorrer aos professores para tirar dúvidas e pedir conselhos a respeito das possibilidades de carreira.  Seja psicólogo, pedagogo ou professor, é importante que o orientador profissional tenha em mente que, no fundo, as escolhas devem ser feitas pelo estudante. “O orientador é um mediador entre as pessoas e as possibilidades”, conclui Giselle Welter.

*Publicado originalmente em Carta na Escola

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