Educação

Zacaria, a escola que é uma festa

Em um dos bairros mais violentos de São Paulo, a Escola Municipal Zacaria melhora o ambiente, envolve a comunidade e se reinventa

A escola que é uma festa||Escola Municipal Zacaria
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Na quadra da Escola Municipal Mauro Faccio Gonçalves, mais conhecida como Zacaria, na zona sul de São Paulo, cerca de cem alunos do 9º ano aguardam a vez para assinar um dos documentos exigidos para a formatura. O diretor, Roberto Wagner Carbonari, chama aluno por aluno em ordem alfabética. Os formandos já estão impacientes, quando professoras fantasiadas surgem na quadra ao som de Dancin’ Days.

Em seguida, os professores e o diretor dançam uma coreografia de Village People, grupo norte-americano dos fortões fantasiados, conhecidos pelos hits Macho Man e Y.M.C.A. Espantados, os alunos entendem o que está acontecendo: as assinaturas eram um pretexto para reunir todos em uma festa-surpresa.

No pátio, um DJ aguarda os adolescentes com comidas, bebidas não alcoólicas, luzes e música eletrônica. Alunos, professores e funcionários se juntam e arriscam passos na pista de dança improvisada no local onde usualmente é montado o refeitório. O clima é de alegria entre a equipe e os alunos que estão dando adeus à escola. Denilson Oliveira Alves Filho, 16 anos, confessa que derramou algumas lágrimas no momento em que se deparou com a festa: “Chorei porque vou sentir saudades da Zacaria. Aprendi muito aqui”.

Há 16 anos, a situação era diferente. A escola fica no entroncamento de três bairros periféricos da zona sul: Parque Santo Antônio, São Luiz e Chácara Santana. O primeiro começou a ser ocupado na década de 1970 e abriga cerca de 270 mil moradores. Hoje,  carrega também a marca de o mais violento da capital.

Dados do 92º DP, responsável por atender o bairro, já contabilizava 52 homicídios dolosos até outubro de 2012, o maior contingente da cidade. Levando em conta as estatísticas dos DPs do Capão Redondo e Campo Limpo, também localizados na região sul da capital, o número salta para 137, por volta de 12% de todos os homicídios registrados na capital no ano passado.

Rebatizada pela comunidade em 1991 de Zacaria em homenagem ao comediante de Os Trapalhões, a escola e seus alunos tinham poucos motivos para sorrir. O espaço era degradado, cheio de pichações e marcado pela violência. “No meu primeiro mês como ­diretor, estourou uma bomba na entrada da escola, em seguida explodiu um hidrante e, segundos depois, outra bomba no banheiro que destruiu todas as lâmpadas”, lembra Carbonari.

O diretor filmou tudo e passou de sala em sala mostrando para os alunos e explicando que o objetivo dele não era atuar como policial, mas que era necessário descobrir o responsável. Uma aluna contou ao educador que suspeitava do irmão, aluno da oitava série na escola. Carbonari foi até a casa do rapaz e afirmou que não faria boletim de ocorrência se o menino concordasse em conversar com ele. “Nunca mais teve bomba, porque isso pegou entre as pessoas.

Olgair Garcia, ex-coordenadora pedagógica da escola, também se recorda de casos de vandalismo. A antiga diretora, que mantinha uma relação conflituosa com os alunos, expulsou seis deles, considerados problemáticos. A situação era, nas palavras da coordenadora, terrível. “Quando entrei, principalmente à noite, tinha umas brigas horríveis”, diz a educadora, ex-aluna de Paulo Freire, que saiu de uma universidade privada porque queria trabalhar na rede pública. Na época, o pessimismo da diretora encontrava coro entre os professores. Dispensa de aulas, faltas e expulsões de alunos da sala eram comuns.

Além da violência, a falta de professores era outro problema. O bairro, até hoje, não é de fácil acesso e era comum que a escola servisse apenas como local de passagem para os docentes que esperavam por uma ­oportunidade de trabalho melhor. “Já tive de dar aulas para duas turmas por quase um ano inteiro. Eu não tinha quem desse as aulas nem havia ­previsões para a chegada de alguém”, afirma o diretor. Assim, a escola tinha dificuldades de envolver alunos e comunidade.

O quadro começou a mudar com uma decisão da equipe gestora. Ao lado da ex-coordenadora pedagógica Olgair, Wagner Carbonari decidiu permanecer. Ele disse: “Eu sou diretor e vim para ficar, mas a escola não é minha”, lembra a professora Maria do Socorro Lacerda, há 17 anos na Zacaria. A sala do diretor, antes inacessível aos alunos, passou a ficar aberta a todos. Aos poucos, espalhou-se, entre os estudantes, a noção de que estavam abertos ao diálogo. Mais democrática, a escola deu início aos projetos que existem até hoje e passou a lutar por melhorias.

A primeira grande mudança foi democratizar as decisões no Conselho Escolar: da grade curricular até o gasto do dinheiro proveniente da Associação de Pais e Mestres, tudo era decidido em conjunto. Outra inovação foi o Programa de Valorização do Educador (Prove), idealizado por Olgair em 1998, que passou a oferecer, todos os meses, cursos de formação. A cada fim de ano é realizado um seminário e os professores publicam seus relatos em uma revista editada por eles. Com o tempo, o programa foi incorporado por outras escolas da região.

Após se aproximar da comunidade, a escola também conseguiu resolver o problema da falta de professores. Direção e moradores se mobilizaram e levaram cerca de 700 pais e responsáveis até a prefeitura, no centro da cidade, para cobrar a contratação de docentes. “No dia seguinte, o Diário Oficial publicou a inscrição para professores”, afirma Wagner.

De acordo com o diretor, a falta de professores diminuiu: “Em vista do cenário de 15 anos atrás, hoje é uma maravilha. Temos até professor substituto”, conta.  Segundo dados da Secretaria Municipal de Educação, hoje a escola Zacaria abriga 911 alunos do 1º ao 9º ano do Fundamental. Há também turmas de Educação de Jovens e Adultos.

Escola Municipal Zacaria

A estrutura física da escola também mudou. A primeira alteração começou com o banheiro. A reforma levou em conta as reivindicações dos alunos, como a instalação de sabonete líquido e do suporte para o papel higiênico nos boxes. Um espelho foi fixado na parede, assim como ar quente para enxugar as mãos e uma cantoneira para apoiar o material escolar. O local foi arrumado, as pichações apagadas e assim permanece até hoje.  “As pessoas entenderam que têm o direito de possuir uma escola limpa”, explica Socorro.

Os alunos também foram atendidos em outra solicitação, aparentemente banal. A pedido dos estudantes, mudou-se a maneira de servir a merenda: os pratos de plástico foram trocados por outros de vidro, com garfo e faca no lugar da colher, e os alimentos, antes servidos pelas cozinheiras, passaram a ser oferecidos em um esquema de self-service. As mudanças tornaram o refeitório um lugar mais limpo e menos barulhento.

Outra ação que agregou identidade à escola e aproximou a instituição dos alunos foi o Projeto Aniversário, criado em 2000. A ideia é simples: realizar, a cada três meses, uma festa coletiva para todos os estudantes que façam aniversário naquele período.

Antes, todos os professores trabalham com um determinado tema em sala. No dia da comemoração é servido um cardápio especial e são apresentados os resultados do trabalho desenvolvido ao longo dos meses. Como as festividades são frequentes, a escola adquiriu, com o dinheiro da Associação de Pais e Mestres, máquinas de algodão-doce, sorvete, crepe, pipoqueira e um forno para pizza.

A formatura do 9º ano também foi reinventada. Antes, os alunos pagavam por cerimônias fora da escola. A maioria não tinha condições financeiras para bancar e a festa acabava restrita a poucos. Hoje, todos participam da formatura com suas famílias e ninguém paga nada. A festa acontece no pátio da escola e é financiada com o dinheiro arrecadado nos eventos realizados durante o ano.

Há ainda um balanço avaliativo com professores, alunos e gestores. Em uma espécie de assembleia, todos se reúnem no pátio da escola para definir, juntos, quais serão as normas vigentes no próximo ano. “Isso cria uma consciência de que você está num espaço público, mas que é seu, que é você quem o ­constrói”, analisa Olgair.

*Publicado originalmente em Carta Fundamental

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