Disciplinas

A brincadeira 
é livre!

Não faz sentido empregá-la com objetivos pedagógicos, tampouco 
o brincar deve se limitar à escola

Crianças brincam|Crianças brincam em parque
|A brincadeira tornou-se um modo de iniciar novas gerações no conjunto de regras sociais. brincadeira brincar diversão|brincadeira livre liberdade atividade criança brincar
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Há quem diga que brincar é uma prática exclusiva das crianças. Puro engano. A brincadeira também é uma atividade comum entre os adultos. Quantas vezes não ouvimos alguém se desculpar, dizendo: “Estou só brincando” ou “foi de brincadeira”. Além disso, conforme indicam estudos recentes, o hábito de brincar tem crescido entre homens e mulheres, que, por mera distração ou de modo consciente, preenchem as horas vagas brincando nos videogames, computadores, celulares ou smartphones.

Leia atividade de Educação Física inspirada neste artigo
Anos do ciclo: 1° ao 5°
Objetivos de aprendizagem: Demonstrar corporalmente as brincadeiras vivenciadas em família. Reconhecer diferenças entre as brincadeiras dos colegas e às do patrimônio familiar. Adaptar brincadeiras às condições do grupo, espaço e materiais. Elaborar registros a partir das vivências.
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Brincadeiras da família na escola

1. Realize um mapeamento das brincadeiras que as famílias de seus alunos cultivam.

2. Analise as características das brincadeiras identificadas, a fim de selecionar aquelas que dialogam com os objetivos presentes no Projeto Pedagógico da escola.

3. Dê início à vivência das brincadeiras com a demonstração das crianças que as praticam em casa. Reserve um momento para a troca de opiniões e experimentação das variações mencionadas pelas crianças. Quando necessário, desafie o grupo a alterar o formato da brincadeira de modo a incentivar a participação de todos.

4. Organize situações de “leitura” das brincadeiras vivenciadas. Estimule as crianças a emitir suas opiniões sobre as falas e gestos empregados. Em seguida, peça-lhes para descrever as técnicas e estratégias.

5. Solicite a busca de informações com os parentes a respeito de onde são realizadas, quem participa, como se organizam e os significados que possuem no núcleo familiar.

6. Com base nas informações obtidas, ajude a turma a identificar semelhanças e diferenças no modo e significados do brincar das famílias, atentando para o papel do adulto na transmissão desse patrimônio.

7. Em pequenos grupos, oriente a construção de um quadro, contendo as informações referentes a uma mesma brincadeira angariada. Peça para elaborarem uma justificativa para o fenômeno e apresentá-la à turma. Analise coletivamente cada justificativa.

8. Mantenha um registro de todo o processo a fim de subsidiar a avaliação do trabalho realizado.

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Brincar foi uma prática bastante presente entre os adultos até a Revolução Industrial, ocasião em que as pessoas, controladas, confinadas e com um tempo cada vez menor para descansar, viram-se obrigadas a abandonar essa prática cultural, que perdeu seu status e passou a ser vista como perda de tempo. Não por acaso, na mesma época, a infância foi tomada como fase preparatória e as crianças foram definitivamente segregadas das ocupações dos adultos.

Num primeiro momento esses significados circularam entre a burguesia urbana e, mais tarde, se estenderam aos demais setores da população. Obter o sustento por meio do trabalho tornou-se uma incumbência dos adultos, enquanto as crianças, restritas ao ambiente doméstico, passaram a brincar com objetos ou situações que simulavam as obrigações laborais. A brincadeira transformou-se em um modo de iniciar as novas gerações no conjunto de regras da sociedade mais ampla. As meninas recorriam às brincadeiras de mamãe e bebê, já os meninos brincavam de cavalgar e guerrear.

Um dos reflexos dessas transformações é facilmente percebido na história do brinquedo. Até o século XVIII, eram construídos com o que sobrava das carpintarias, oficinas e fabricantes de velas e compartilhados entre adultos e crianças. O capitalismo viu na produção em massa um meio de aumentar seus lucros, mudando completamente a cultura lúdica. Brinquedos foram inventados e produzidos aos milhares. Alienadas do processo de criação, as crianças foram transformadas em simples consumidoras.

A oferta de brinquedos padronizados reserva ao mercado o controle das suas características e intenções. Para ficar apenas em um exemplo, pensemos por um minuto no conhecido “Banco Imobiliário”. Que representações veicula? Quais valores as crianças aprendem, enquanto adquirem propriedades imaginárias? O que significa relacionar a vitória ao acúmulo de bens?

Sabemos que durante a brincadeira o sujeito constrói simbolicamente a realidade e recria o existente. Não é apenas receptor do que acontece à sua volta. Ele ressignifica o que vê, ouve e experimenta mediante o confronto entre os elementos que acessa e o próprio patrimônio cultural. Sabemos que nem tudo é assimilado imediatamente, também há resistência, negociação e reelaboração.

A questão é que a brincadeira criativa e imaginária, enquanto forma infantil de conhecer o mundo, vem sendo ameaçada pelas representações disseminadas pelas mídias. Os bonecos de super-heróis ou os video-
games inspirados em produções televisivas demonstram que os significados do brincar são pautados externamente.

A brincadeira é um fenômeno cultural que sintetiza os valores do grupo no qual se desenvolve. É impossível apontar claramente onde, quando e como ela surgiu. O certo é que pode ser encontrada em todos os grupos sociais. Sua essência é a espontaneidade e, seu teor, a liberdade. A brincadeira não se prende a amarras de nenhum tipo, inicia e termina quando seus participantes assim o desejam. Tampouco resiste a imposições externas, pois os modos de brincar podem ser criados e recriados a qualquer momento.

Tais pressupostos obrigam a rever o papel que algumas escolas atribuem às brincadeiras. Não faz o menor sentido empregá-las com objetivos pedagógicos, isto é, como estratégia para alcançar comportamentos desejáveis. Brincar é uma atividade livre marcada por divertimento e alegria. Qualquer tentativa de torná-la um “meio de ensino” eliminará seu aspecto lúdico. Nesse caso, não será a criança a tomar a iniciativa do brincar. Sem a livre escolha e sem a possibilidade real de decidir, não há brincadeira, pois o papel do brincante é ocupado pelo professor que definiu os passos a serem dados.

Ademais, se a iniciativa da brincadeira for exterior, a criança, provavelmente, ficará inibida, comprometendo o desenrolar das ações. Nem toda brincadeira agrada aos infantes. Para que exista a liberdade do brincar, eles devem poder recusar o que foi proposto ou escolher o que preferem. É preciso considerar que o prazer no brincar depende do contexto cultural. Mas isso não significa que os sujeitos não aprendam enquanto brincam.

Brincar pressupõe uma aprendizagem social. Aprendem-se formas, vocabulário típico, regras, modos de atuar coerentes etc. É importante frisar que a transmissão de um elemento cultural depende do contexto. A cultura da brincadeira é um evento coletivo. Mantém-se e é transmitida por um grupo que se autorregula, possui identificação própria e modo de organização específico. Logo, a configuração social é essencial para compreender como e quais brincadeiras são transmitidas. Grupos numerosos certamente possuem brincadeiras diferentes daquelas praticadas com poucas pessoas. Regiões frias permitem brincar de maneiras distintas daquelas que podem ser encontradas nas localidades mais quentes.

Durante a apropriação, a cultura patrimonial exerce um papel determinante na perpetuação do universo lúdico. Consequentemente, é na família, sobretudo com os adultos, que as crianças aprendem a brincar. Em praticamente todas as sociedades, as normas, habilidades e conceitos que fundamentam as brincadeiras são partilhados inicialmente entre membros que possuem laços parentais, onde há brincantes mais e menos experientes.

A maioria das famílias possui suas próprias brincadeiras. Não é exagero dizer que passam “de pai para filho” ou, no mínimo, dos mais velhos para os mais novos. Algumas atividades lúdicas permanecem durante muitos anos no ambiente doméstico, outras sobrevivem apenas durante o período da infância. À medida que as crianças crescem, as formas de brincar sofrem alterações. Quando bem pequenas, são socializadas em brincadeiras pautadas na repetição de gestos, músicas e enredos. Já maiores, com a ampliação dos recursos de interação e diversificação das experiências culturais, o repertório de brincadeiras aumenta.

No núcleo familiar, nem sempre os elementos básicos de transmissão da cultura lúdica são cumpridos à risca: objetivos, técnicas, regras, quantidade de participantes, funções, nível de habilidade, ambiente e materiais necessários. Inúmeras adaptações são empregadas para garantir a ocorrência da brincadeira. O afrouxamento das regras, por exemplo, é uma estratégia que viabiliza a participação dos menores.

A forma como o parente mais experiente lida com o aprendiz facilita a apropriação dos modos de brincar. Comumente, o auxílio facilita o desfrute pleno da brincadeira. Em linhas gerais, aprender a brincar só é possível quando os mais hábeis assim o permitem. A posição assumida pelo adulto-conhecedor tende a ser mais ativa, dando direção à brincadeira, arbitrando, indicando erros. A criança-aprendiz é costumeiramente mais passiva, observando, esperando a decisão, ajudando. Todavia, quando se considera a dinâmica da apreensão da cultura lúdica, a passividade infantil nada mais é do que uma estratégia para aceitação e pertencimento, um modo sofisticado de se apropriar das práticas familiares, a fim de fortalecer a própria identidade cultural.

*Professor da Faculdade de Educação da USP e coordenador do Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar 

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Livros
Brincadeira e Cultura: Viajando pelo Brasil que brinca, de Ana M.A. Carvalho, Celina M.C. Magalhães; Fernando A.R. Pontes; Ilka D. Bichara (orgs.) São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.

Práticas Corporais: Brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas, de Marcos Garcia Neira. São Paulo: Melhoramentos, 2014. (no prelo).
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