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A Alemanha de Merkel e a crise dos refugiados

Com a menor popularidade desde 2011, chanceler alemã transforma-se na figura central na maior crise humanitária desde a Segunda Guerra

Angela Merkel no G-20
A chanceler alemã Angela Merkel
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Mesmo com as dificuldades em realocar 160 mil refugiados que já estavam no continente, Berlim traça planos pouco populares para a crise envolvendo refugiados na Europa. Isso, no entanto, não incomoda Merkel.

A chanceler alemã se transformou na figura política central nesta crise ao deixar claro que a Alemanha vai lidar com a crise sem fechar as portas aos refugiados.

Essa posição é vista por analistas como o maior risco político já assumido por Merkel, uma vez que quase metade da população alemã considera sua política para refugiados “equivocada”, e até mesmo o seu próprio partido (União Democrática Cristã) teceu críticas à abordagem.

Com a menor popularidade desde 2011, Merkel parece disposta a enfrentar as crescentes críticas e a pressionar a UE por uma solução humanitária compatível com os valores morais defendidos pelo bloco.

Para alguns analistas, a chanceler tem em mãos a chance de moldar um novo sistema europeu de asilo, que seria a sua “estratégia de retirada” da política em um futuro não muito distante, deixando uma marca relevante de sua contribuição pessoal e da Alemanha na política internacional.

Seu próximo passo deve ser pressionar a UE a aceitar novas cotas obrigatórias para trazer refugiados diretamente do Oriente Médio, evitando que precisem se arriscar para chegar à Europa. Parte considerável dos governos da UE, entretanto, considera o acordo de setembro uma concessão única.

Uma proposta que circula em Berlim sugere que a UE faça acordos com países não-membros que recebem grandes números de refugiados, como a Turquia, para realocar um “número relevante” deles na UE.

Em troca, esses Estados concordariam em abrigar os demais refugiados em condições humanas, além de aceitar aqueles que não obtiveram o status de refugiado na Europa. Na prática, isso significa que esses locais teriam grandes campos de refugiados financiados pela UE.

A “turco-dependência” da UE

Mas a proposta com maior potencial de alívio para a UE envolve a Turquia, por onde a maior parte dos refugiados chega à Grécia. Em outubro, o bloco tentou convencer Ancara a restabelecer os controles de fronteira com a Grécia para conter o fluxo de refugiados entrando na UE. A Turquia exigiu buscar concessões políticas relevantes, como a retomada das negociações para a sua adesão à UE.

Como a Turquia já gastou 7 bilhões de euros para abrigar e alimentar os dois milhões de sírios que fugiram para o país, os líderes europeus acenaram com a possibilidade de oferecer 3 bilhões de euros em ajuda financeira, além da aceleração no processo para abolir vistos de turismo aos turcos e a retomada das negociações de adesão ao bloco. Mas Ancara teria que controlar sua fronteira com a Grécia e aceitar de volta os refugiados que a cruzarem rumo a Europa.

Pressão sob Schengen e Dublin

A crise humanitária colocou o acordo de Schengen sob um teste de resistência, conforme diversos países restabeleceram o controle interno de suas fronteiras para lidar com a chegada em massa de refugiados.

Em setembro, a Alemanha retomou o controle de partes de suas fronteiras com a França e a Áustria, chegando a impedir que trens com refugiados partissem de Viena porque regiões alemãs haviam alertado para a incapacidade de lidar com o fluxo de refugiados naquele momento. Berlim deve manter o controle de fronteiras por mais três meses.

Em outubro, a Austria anunciou que planeja construir cercas na divisa com a Eslovênia para controlar o fluxo de migrantes. A Eslovênia, por sua vez, tem planos semelhantes para fronteira com a Croácia. Enquanto a Suécia anunciou a reintrodução de controles fronteiriços temporários para restabelecer a “ordem pública”.

Neste cenário, uma decisão unilateral pode resultar em um efeito cascata em outros países do bloco, ameaçando a zona de Schengen.

Enquanto lidera os esforços para conter a crise, Merkel pode ser também a responsável por mais divisões na UE. Seu governo anunciou que planeja reestabelecer a Regulação de Dublin, a qual havia suspendido em agosto.

Essa regulação define que os refugiados devem ter seus casos de asilo analisados pelo país pelo qual entraram na UE. Sendo assim, a Alemanha pretende deportar refugiados que chegaram ao país passando por outros Estados membros depois de 21 de outubro. A única exceção seria a Grécia, que não tem condições estruturais de recebe-los de volta.

Essa decisão pressiona países como a Hungria – cujo o ministro das Relações Exteriores, Peter Szijjarto, definiu Dublin como um acordo “morto” -, a Croácia e a Bulgária a fecharem suas fronteiras. Depois da Grécia, esses países são a porta de entrada para refugiados que querem chegar à Alemanha (em parte incentivados pela política de portas abertas de Merkel).

* Gabriel Bonis é mestre em Relações Internacionais pela Queen Mary, Universidade de Londres. Especialista em migração forçada, ele atualmente é pesquisador na Grécia, onde estuda a mobilização de moradores e ativistas de Salônica para ajudar refugiados em trânsito pelo país. Em Idomeni, na fronteira grega com a Macedônia, ele pesquisa eventuais violências e violações de direitos humanos enfrentadas por refugiados no trajeto até e pela Europa.

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