Editorial
Um país exemplar
Entre todos os países europeus, a Itália é aquele onde a vacinação mais avançou
Já o chamavam Super Mario por sua atuação no comando do Banco Central Europeu, na defesa do Euro diante da ofensiva britânica do Brexit. A senhora Lagarde, que substituiu Draghi no Banco Europeu, nunca mereceu ser chamada de Super Christine. Super Mario tornou-se, uma vez deixado o cargo, o mais importante estadista europeu, talvez o único, ao ser chamado a encabeçar o governo da Itália.
Quais são os méritos do premier italiano? Conseguiu formar um governo de união nacional capaz de manter sob controle todas as tentativas dos direitistas ditos soberanistas, na França tão bem representados por Marine Le Pen e Eric Zemmour. Ocorre que Draghi em nada se parece com Emmanuel Macron. Super Mario teve a sorte de poder contar no Ministério da Saúde com Roberto Speranza, um jovem quadro do ex-Partido Comunista ligado a Massimo D’Alema, grande amigo do Brasil e de Lula.
Da presidência do BC europeu à liderança no continente
No combate à pandemia, a Itália deve muito a Speranza, o qual, tão logo surgiu no panorama político peninsular há alguns anos, foi entrevistado por CartaCapital, pelo nosso precioso colaborador Claudio Bernabucci. Na luta contra a Covid, a Itália funcionou de forma admirável e hoje pode frequentar, habilitada a tanto por um passaporte de imunização, cinemas, teatros, restaurantes, bares, sem contar estádios de futebol em larga parte, atrações turísticas, parques e outros locais de lazer. A depender das circunstâncias, o uso de máscaras ainda é obrigatório, mas as escolas, inclusive as superiores, estão em pleno funcionamento.
Entre todos os países europeus, a Itália é aquele onde a vacinação mais avançou. Quem hoje a visita haverá de se surpreender com o estágio alcançado na península, praticamente em todas as regiões, com o êxito das providências tomadas para conter a praga. Há quem atribua ao premier Draghi a intenção de disputar a Presidência da República, no momento ocupada por Sergio Mattarella, de excelente trajetória, a ponto de haver partidários da sua permanência no cargo, graças à precedente confirmação de Giorgio Napolitano. Mattarella recusa, enquanto consta que Draghi não desgostaria de substituí-lo.
Speranza, êxito no combate à pandemia
À época temia-se a investida do famigerado Silvio Berlusconi, sequioso de presidência, e Napolitano representou um anteparo, para tanto disposto a exercer uma influência política que transcendeu os tradicionais limites da função presidencial em um regime parlamentarista. Como se sabe, Napolitano venceu aquela parada com a habilidade e sutileza que todos lhe reconhecem e evitou que Berlusconi realizasse o seu sonho. Foi aquele um momento crucial da mais recente história italiana, na qual ainda se agita a triste figura do líder de Forza Italia, reduzida dramaticamente a sua dimensão política e sob o controle implacável de Super Mario.
Neste ínterim cresceu a força da Lega, liderada por Matteo Salvini, até ontem o mais perigoso dos opositores do governo. Super Mario, no entanto, soube como neutralizá-lo. A The Economist aponta nesta Itália de Draghi um país modelar durante 2021, exemplo válido para as demais nações europeias. Resta ver se os próprios italianos se comovem com o elogio albiônico. Ninguém esqueceu a descortesia de marca inglesa em seguida à derrota sofrida pelos britânicos no Estádio de Wembley, no derradeiro jogo da Eurocopa. Acintosamente, os ingleses recusaram-se a cumprimentar os vencedores italianos, enquanto um dos netos da rainha Elizabeth, chamado a representar o esporte e o fair-play albiônicos, não se dignou a cumprimentar o presidente da República, Sergio Mattarella, que ali estava para celebrar a vitória da Azzurra. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1190 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE JANEIRO DE 2022.
CRÉDITOS DA PÁGINA: ANDREAS SOLARO/AFP E POOL/AFP
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