Editorial

Sobrou a memória

A televisão nativa ainda transmite a decisão de Montevideo entre Palmeiras e Flamengo. Para o país do bolípodo, mais importante do que este embate haveria de ser a premiação da Bola de Ouro do futebol mundial. Verifica-se que o nosso idolatrado Neymar não consegue se […]

Sobrou a memória
Sobrou a memória
A eterna primazia planetária
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A televisão nativa ainda transmite a decisão de Montevideo entre Palmeiras e Flamengo. Para o país do bolípodo, mais importante do que este embate haveria de ser a premiação da Bola de Ouro do futebol mundial. Verifica-se que o nosso idolatrado Neymar não consegue se classificar entre os 15 melhores escolhidos e não haver um único, escasso jogador brasileiro na lista sagrada. Isto tudo deveria vexar profundamente a nós todos.

Como se dizia em outros tempos, o Brasil sempre foi um celeiro de grandes craques e com eles formou seleções imbatíveis. Tratava-se, no fundo, de uma consequência do monstruoso desequilíbrio social que até hoje assola o País, e o futebol era um escoadouro da pobreza. Os nossos comentaristas esportivos, em número exorbitante, parecem não ter reparado que não há goleiro brasileiro, muitos deles aqui celebrados, para disputar o lugar de melhor do mundo com o italiano Donnarumma. E brasileiro algum aparece entre os 15 primeiros, a não ser Jorginho, terceiro colocado, nascido no Brasil, mas criado para o futebol na Itália. Depois de ter aprendido a jogar na península, ele figurou no lendário Napoli do treinador Maurizio Sarri, o qual, chamado para a Inglaterra ­como ­coach do ­Chelsea, ­levou consigo o indispensável “professor”, como o chamam os companheiros de seleção.

Brasileiro nato, criado como jogador por aqui, nenhum. Permito-me achar preocupante este gênero de penúria. Cadê os herdeiros de Pelé, o herói planetário? Cadê Leônidas, cadê Zizinho, Ademir, Bauer, Jair, e cadê Gilmar, gentleman do gol, Mauro, Falcão, Nilton Santos, Zico, Ademir da Guia, Gerson, Garrincha, Didi, Zito, cadê vocês, ó Mãe de Deus? Evidente a decadência de um futebol que mundo afora fez a merecida, específica fama do Brasil.

Garrincha, Zizinho e Mauro, exemplos da excelência perdida

Pergunto aos meus botões contristados o porquê desta decadência. Creio que teria de ser este o tema inescapável das dissertações dos nossos cronistas da bola. Faltam técnicos de alto nível? Ou eles mesmos, os verbosos debatedores das mais variadas inutilidades, não deveriam enfrentar desabridamente a triste realidade de um futebol em outros tempos admirado de um polo a outro? Onde estão as razões das transparentes carências dos dias de hoje? Somos forçados apenas a reconhecer que o desequilíbrio social continua implacável, sem esperança de correção, enquanto as torcidas permanecem nas arquibancadas, ou diante dos vídeos ou nas redes sociais sempre que o couro desliza sobre os relvados.

Não é consolo, pelo contrário, mas à sombra do futebol o Brasil criou uma quadrilha de ladrões como João Havelange, Ricardo Teixeira e José Maria Marin. Agiram impunemente décadas a fio. Marin passou uma temporada de cinco anos em uma cadeia dos Estados Unidos. Ricardo Teixeira foi banido da Fifa de qualquer atividade ligada ao futebol e tornou-se empresário da área gastronômica, graças à renda obtida ao sabor de inúmeros escândalos. João Havelange já pratica as suas colossais estripulias no inferno, com a aprovação de Belzebu. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1186 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE DEZEMBRO DE 2021.

CRÉDITOS DA PÁGINA: MIGUEL SCHINCARIOL/AFP, UH/FOLHAPRESS E FUNDO CORREIO DA MANHÃ/ARQUIVO NACIONAL

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