O único autor do plano

Ao contrário de versões tendenciosas, Golbery do Couto e Silva criou o projeto da distensão, a despeito da atuação desastrada de Ernesto Geisel, cujos erros e resistências teve de amansar

Imagem: Arquivo/Agência O Globo

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Pergunto em vão aos meus botões como haveria de qualificar o general Mauro Lourena Cid, intermediário da venda de um relógio Rolex presente do soberano da Arábia Saudita ao então presidente Jair Bolsonaro. Fatos passíveis de acontecer somente em terra brasileira, murmuram entre melancólicos e desalentados. Ocorre-me recordar o ditador Ernesto Geisel: levou os presentes recebidos como chefe de Estado para a mansão que construía a caminho de Petrópolis e pretendia decorar com objetos variados doados pelos potentados estrangeiros. Havia, inclusive, dois enormes vasos chineses de elevado valor.

Geisel foi um grande hipócrita a quem Elio Gaspari dedicou quatro volumes editados pela Companhia das Letras, para enaltecê-lo, ao enxergar nele o autor da chamada “distensão”, destinada a se concluir com a devolução do poder aos civis. Me vem à mente a figura de ­Golbery do Couto e Silva, tido e outrora celebrado como criador do SNI, algo assim como o embrião de uma KGB nativa. A bem da sacrossanta verdade, tratava-se de um cidadão muito arguto e bom conhecedor da alma nativa. Nem por isso deixou de cometer graves enganos. O primeiro deles foi não ter percebido, naquele momento da história mundial, não haver confronto entre o Bem e o Mal. Frente a frente estavam duas formas de imperialismo, ambas malignas, a despeito dos entendimentos manifestados por quem se arvorava a escolher uma ou outra.

Figueiredo gostava do cheiro de cavalos e de quem não lhe pedisse favores – Imagem: Arquivo/RDA

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5 comentários

PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 20 de agosto de 2023 22h33
A verdade é filha do tempo, não da autoridade, disse Brecht. Assim, Mino Carta nos brindou com esse segmento da triste história da Ditadura Militar no Brasil, depois do golpe de 64. Sabe-se que no dia 15 de março de 1979, o general Figueiredo, o homem que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo, prestou juramento à Constituição, de 1969, sem discursos com um governo dividido entre os desenvolvimentistas e os realistas. Os primeiros destacaram-se Delfim Netto, Mário Andreazza , Elizeu Rezende, o outro os realistas, com Mário Henrique Simonsen, Camilo Pena e Golbery do Couto e Silva. Golbery, segundo o cineasta Glauber Rochaque dizia ser o gênio da raça. A ditadura militar se desfez mesmo, após a morte assassinato do jornalista Wladimir Herzog pela linha dura e interferência de Golbery. Que nunca mais se repita na história desse país. Triste, melancólico e vergonhoso capítulo essa ditadura sanguinária e covarde que foi patrocinada pelos meios de comunicação, elites e, principalmente, pelo imperialismo estadunidense.
ricardo fernandes de oliveira 23 de agosto de 2023 10h08
Golbery deveria ter deixado um testemunho de tudo o que viveu. Ele e Brizola foram duas testemunhas fundamentais do golpe de 64 e do que veio depois. Mas é bom lembrar que Golbery apoiou maluf contra Tancredo Neves. Portanto, não tinha uma biografia tão boa quanto o jornalista quer mostrar. Foi ele também quem censurava pessoalmente várias músicas, como duas de Odair José. Quanto ao comentário de que Heitor de Aquino tinha duvidosa sexualidade, o jornalista deveria nos poupar de seus preconceitos
ricardo fernandes de oliveira 23 de agosto de 2023 10h19
Publicamente, jamais Golbery se manifestou contra a tortura nem a roubalheira da ditadura. Pelo contrário, esteve presente na preparação, na execução e na manutenção da ditadura todo o tempo. Nunca fez um mea culpa. Não adianta querer criar um retrato bom de alguém que ajudou a construir e manter um regime odioso. Ele era a eminência parda do governo. E foi o principal apoio militar de maluf, coisa que o Figueiredo se recusou a fazer
CESAR AUGUSTO HULSENDEGER 23 de agosto de 2023 12h51
Golbery foi um gênio. Oficial de Infantaria meio outsider na tropa, de vida privada desconhecida alguém sabe quem era a mulher dele?, instrutor da AMAN nas décadas de 60-70 segundo um amigo meu, seu aluno na época e que abandonou a farda como 2. tenente, lecionava sobre o Movimento Comunista Internacional e o verdadeiro ideólogo da ditadura. Nunca foi general na ativa: foi promovido a General de Divisão três estrelas e não uma, zio Mino ao passar para a reserva como coronel. Se nada fez de bom pela democracia, ao menos impediu o emparedamento de Geisel por Sylvio Frota, que tinha o então capitão Heleno como um de seus ajudantes de ordens. Só isso já ajuda sua biografia.
OLAVO DE FARIA GALVAO 24 de agosto de 2023 18h25
Excelente, e mais necessária do que nunca, memória dos meantros sic do poder durante a ditadura militar, ponteando a participação abjeta de civis adesistas.

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