Qual seria a data mais adequada para iniciar este texto? Escolho o momento da chegada ao Brasil de D. João VI, rei de Portugal em fuga na iminência da invasão do país pelas tropas napoleônicas comandadas pelo general Junot. As vitórias colhidas pelo Corso, dos Alpes às pirâmides, como escreveu Alessandro Manzoni, espalharam pelo planeta a lição redentora da Revolução Francesa. O soberano luso, ao transferir a corte de Lisboa para a sua maior colônia, simboliza a recusa da contemporaneidade mundial naquele exato instante, a perdurar até hoje.
Além de jamais tomar banho, D. João VI marcava sinistramente aquela discrepância que o tempo não curaria. Estabeleceu-se assim a escravidão mais duradoura da História e o primado da chibata dos capatazes e dos capitães-do-mato a serviço da casa-grande, incumbidos de capturar escravos fugidos e matar índios. A demonstração tão peremptória da ferocidade colonizadora está claramente na origem dos futuros comportamentos de um exército de ocupação chamado para garantir a ordem interna em lugar das fronteiras da imensa colônia. A ordem figurava na visão positivista de progresso.
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