Editorial

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Inimigos do povo

O Parlamento se firma como o covil do golpismo

Inimigos do povo
Inimigos do povo
No fundo, Motta e Alcolumbre combatem o STF e o governo Lula para manter o poder sobre as emendas. Flávio Bolsonaro é só o bode na sala – Imagem: Andressa Anholete/Agência Senado e Pedro França/Agência Senado
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Irritado com a repercussão nas redes e fora delas da expressão “Congresso, inimigo do povo”, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ordenou à polícia legislativa a investigação do que considera um “ataque” ao Parlamento. Pai, mãe, padastro e padrinho do orçamento secreto, Alcolumbre não consegue largar o vício do poder acumulado pelo Legislativo durante o período em que o Brasil tinha na Presidência da República um cidadão que abandonou os afazeres do cargo para se dedicar exclusivamente ao planejamento de um golpe de Estado. O amapaense recorre a um subterfúgio típico: agressor, posa de agredido e atribui aos outros o seu comportamento autoritário. Na Câmara, Hugo Motta igualmente se faz de ofendido, embora com menos brio e altivez. E vale-se da truculência e da censura contra aqueles que denunciam suas manobras.

A noite da terça-feira 9, mais uma entre tantas jornadas infelizes nos últimos meses, corrobora a percepção popular que Alcolumbre e Motta gostariam de silenciar. Enquanto os deputados aprovavam o projeto assinado por Paulinho da Força para reduzir as penas dos golpistas, tanto da cúpula quanto dos predadores do 8 de Janeiro, e davam prioridade à cassação de Glauber Braga, do PSOL, em detrimento da punição dos condenados Carla ­Zambelli e Alexandre Ramagem e do traidor da pátria Eduardo Bolsonaro, os senadores atropelavam a determinação do Supremo Tribunal Federal e emplacavam uma emenda à Constituição que não só abriga a esdrúxula tese do Marco Temporal, forma de impedir a homologação de Terras Indígenas daqui em diante, mas legaliza a grilagem. Antes, tivemos a derrubada dos vetos do presidente Lula ao PL da Devastação, o endurecimento das regras para o aborto legal e a proteção dos criminosos de colarinho branco no insultuoso projeto relatado por Guilherme Derrite, ex-secretário de Segurança do governador paulista Tarcísio de Freitas, felizmente derrubado no Senado. O ano ainda não acabou e não seria surpresa se o Parlamento presenteasse o Brasil com outras barbaridades. Que o diga o Supremo Tribunal Federal, na mira do bolsonarismo e do Centrão.

O Congresso dá provas diárias de ter se transformado em um covil de golpistas e gângsteres, salvo as honrosas exceções, entre elas a bancada progressista na Câmara e senadores da estirpe de ­Otto ­Alencar, ­Renan Calheiros, Alessandro Vieira, ­Jaques Wagner e Fabiano ­Contarato. ­Esse grupo, minoritário, nada ou pouco pode fazer diante da avalanche reacionária, movida por interesses pessoais, às vezes ideológicos, e pela tática de preservar intocado o esquema das emendas parlamentares. Acuar o Palácio do Planalto e, em especial, o STF é a maneira de preservar a captura do orçamento nacional. Quem, senão mal-intencionados e mancomunados, age na calada da noite e atropela as mínimas garantias constitucionais para impor sua vontade? O País sempre sai derrotado quando parlamentares, ao estilo mafioso, tramam na madrugada.

Lamentamos informar às vossas excelências Alcolumbre e Motta: o Congresso se tornou, de fato, inimigo do povo. Não adianta espernear. Nem recorrer a amea­ças e à força bruta contra quem apenas constata o óbvio. •

Publicado na edição n° 1392 de CartaCapital, em 17 de dezembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Inimigos do povo’

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