Editorial

Inimigos do povo

O Congresso dá provas diárias de ter se transformado em um covil de golpistas e gângsteres, salvo as honrosas exceções

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Inimigos do povo
Lamentamos informar às vossas excelências Alcolumbre e Motta: não adianta espernear Foto: Jonas Pereira/Agência Senado
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Irritado com a repercussão nas redes e fora delas da expressão “Congresso, inimigo do povo”, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, ordenou à Polícia Legislativa a investigação do que ele considera um “ataque” ao Parlamento.

Pai, mãe, padrasto e padrinho do orçamento secreto, Alcolumbre não consegue largar o vício do poder acumulado pelo Legislativo durante o período em que o Brasil tinha na Presidência da República um cidadão que abandonou os afazeres do cargo para se dedicar exclusivamente ao planejamento de um golpe de Estado. O amapaense recorre a um subterfúgio típico: agressor, posa de agredido e atribui aos outros o seu comportamento autoritário. Na Câmara, Hugo Motta igualmente se faz de ofendido, embora com menos brio e altivez. E vale-se da truculência e da censura contra aqueles que denunciam suas manobras.

A noite da terça-feira 9, mais uma entre tantas jornadas infelizes nos últimos meses, corrobora a percepção popular que Alcolumbre e Motta gostariam de silenciar. Enquanto os deputados aprovavam o projeto assinado por Paulinho da Força para reduzir as penas dos golpistas – tanto da cúpula quanto dos predadores do 8 de Janeiro – e davam prioridade à cassação de Glauber Braga, do PSOL, em detrimento da punição dos condenados Carla Zambelli e Alexandre Ramagem e do traidor da pátria Eduardo Bolsonaro, os senadores atropelavam a determinação do Supremo Tribunal Federal e emplacavam uma emenda à Constituição que não só abriga a esdrúxula tese do Marco Temporal, forma de impedir a homologação de terras indígenas daqui em diante, mas legaliza a grilagem.

Antes, tivemos a derrubada dos vetos do presidente Lula ao PL da Devastação, o endurecimento das regras para o aborto legal e a proteção dos criminosos de colarinho branco no insultuoso projeto relatado por Guilherme Derrite, ex-secretário de Segurança do governador paulista Tarcísio de Freitas, felizmente derrubado no Senado. O ano ainda não acabou e não seria surpresa se o Parlamento presenteasse o Brasil com outras barbaridades. Que o diga o Supremo Tribunal Federal, na mira do bolsonarismo e do Centrão.

O Congresso dá provas diárias de ter se transformado em um covil de golpistas e gângsteres, salvo as honrosas exceções, entre elas a bancada progressista na Câmara e senadores da estirpe de Otto Alencar, Renan Calheiros, Alessandro Vieira, Jaques Wagner e Fabiano Contarato. Esse grupo, minoritário, nada ou pouco pode fazer diante da avalanche reacionária, movida por interesses e pela tentativa de preservar intocado o esquema das emendas parlamentares. Acuar o Palácio do Planalto e, em especial, o STF é a maneira de preservar a captura do Orçamento nacional. Quem, senão mal-intencionados e mancomunados, age na calada da noite e atropela as mínimas garantias constitucionais para impor sua vontade? O País sempre sai derrotado quando parlamentares, ao estilo mafioso, tramam na madrugada.

Lamentamos informar às vossas excelências Alcolumbre e Motta: o Congresso se tornou, de fato, inimigo do povo. Não adianta espernear. Nem recorrer a ameaças e à força bruta contra quem apenas constata o óbvio.

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