Um projeto à espera de um estadista

O pacote fiscal e os movimentos de Joaquim Levy

Joaquim Levy, incapaz (pelo menos até agora) de apontar uma estratégia pós-ajuste fiscal

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A governabilidade é uma teia complexa de relações.

Tem-se como poder maior, o Executivo e, nele, a figura do presidente da República. Sem tipificação de crime, apenas o Congresso tem o poder de destitui-lo. Na base do poder do presidente, a maior ou menor popularidade e a avaliação de forças para a eventualidade do impeachment – quem ganha e quem perde com a decisão.

Em torno dessa relação Executivo-Congresso, pululam outras forças: o Judiciário, o Ministério Público Federal e a velha mídia.

Na América Latina pós-redemocratização houve alianças pontuais entre Congresso, mídia e justiça permitindo parcerias fatais. Em torno de bum escândalo real ou amplificado, a mídia comandava uma campanha pesada contra o presidente fornecendo o álibi para que o parlamento articulasse o impeachment.

Nem se pense que esse tipo de manobra tinha como alvo apenas governantes de esquerdas. Presidentes que abriram a economia e promoveram a privatização, como Carlos Andres Perez, da Venezuela, e Fernando Collor, do Brasil, foram alvos da mesma manobra. No início do segundo mandato, o alvo foi FHC, em uma campanha pesada fruto da parceria mídia-ACM (o ex-governador baiano Antônio Carlos Magalhães).

Agora, tem-se a presidente Dilma Rousseff em um dos piores patamares de popularidade da história – superada apenas por FHC pós-desvalorização cambial. Tem-se um Congresso sem freios, comandado por duas das piores expressões políticas do parlamento – Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Tem-se uma operação policial, a Lava Jato, sem nenhuma preocupação com os desdobramentos econômicos, paralisando a cadeia do petróleo e gás sob os olhares acomodados da presidente, do seu Ministro da Justiça e do Procurador Geral da República.


Tem-se uma economia afundando sabe-se lá até quando, saindo dos exageros da distribuição generalizada de incentivos para os exageros de um corte fiscal drástico em pleno processo recessivo.
E tem-se um Ministro da Fazenda, Joaquim Levy, incapaz (pelo menos até agora) de apontar a estratégia pós-ajuste fiscal, que pelo menos crie uma expectativa positiva nessa travessia do deserto.
Por todos esses aspectos, só a ideologia mais rastaquera, ou o sensacionalismo mais barato, para supor ser possível empurrar goela abaixo do Congresso o pacote fiscal inteiro, da maneira como saiu do gabinete do Ministro.

Essa estratégia do fim do mundo valia em outros momentos.

Lembro-me na época do lançamento de um dos inúmeros pacotes econômicos do governo Sarney, o então presidente do Senado, José Ignácio, me telefonando para perguntar se era correta a análise de que a não aprovação do pacote jogaria o país em um caos. Cada pacote dava uma sobrevida de alguns meses ao governo, até terminar a agonia do seu mandato.

Esse quadro não existe hoje em dia. Não há coelhos a se tirar da cartola. Há uma economia em crise, mas não caótica; e razões de sobra para supor que a intensidade do ajuste aprofundará ainda mais a recessão deixando o governo em uma situação insustentável.

A desestabilização de Dilma virá não por efeito da inflação – que incomoda, mas está sob controle -, mas de uma eventual explosão do desemprego.

É evidente que Levy é mais do que um mero cabeça de planilha. A suposição de que jogaria a toalha, caso o pacote não fosse adotado na integralidade, é uma desconsideração para com sua inteligência.

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