Um “antibitcoin” bolivariano

Medida de Rafael Correa visa flexibilizar a moeda em relação à atual dependência total da disponibilidade de moeda dos EUA no país

O presidente equatoriano Rafael Correa

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O governo do Equador revelou mais detalhes de seu projeto, mencionado pela primeira vez em 2011, de criar uma moeda virtual, e a expectativa de até dezembro tê-la em circulação ao lado do dólar estadunidense, atualmente a única moeda do país (o sucre, que foi a moeda nacional de 1884 a 2000, foi abolido pelo governo de Jamil Mahuad). Confira o documento ao lado. Por 91 a 22 votos, a Assembleia Nacional do Equador havia aprovado em 24 de julho o projeto de Rafael Correa, que também proibiu o uso do bitcoin e de outras criptomoedas privadas no país.

A moeda virtual equatoriana ainda sem nome deverá ser fácil de manejar por meio de celulares e caixas eletrônicos e pretende favorecer a inclusão financeira dos 63% da população que não têm contas bancárias. Qualquer cidadão ou residente poderá abrir uma conta eletrônica. Assemelha-se ao bitcoin em muitos aspectos, mas se opõe a ele em dois pontos fundamentais: é uma iniciativa estatal e sua emissão não será limitada por um algoritmo, e sim administrada pelo Banco Central do Equador de acordo com as necessidades da economia e dos gastos públicos.

O projeto mostra que a tecnologia das criptomoedas pode muito bem ser usada para emitir e administrar moedas estatais. No caso equatoriano, é um instrumento não para tornar a oferta monetária mais rígida, como previa a ideologia libertariana do bitcoin original, mas sim para flexibilizá-la em relação à atual dependência total da disponibilidade de moeda dos EUA no país, que ameaça estrangular a economia a cada vez que o comércio exterior ou o balanço de pagamentos se torna desfavorável. Isso deixa o país à mercê do sistema financeiro internacional, hoje hostil ao país tanto por sua política social e externa bolivariana quanto por seu histórico de calotes e revisões da dívida externa.

O governo Correa diz que a nova moeda terá paridade com o dólar e que este continuará a circular. Neste caso, o sistema monetário funcionará de maneira semelhante ao da Argentina no tempo da conversibilidade, mas ainda assim seria um sistema menos inflexível que o atual. Será possível manter ou expandir a oferta monetária mesmo que haja escassez de dólares. Se uma situação extrema o exigir, será possível uma mudança na taxa de câmbio, como também se viu na Argentina em 2002, ou mesmo uma ruptura total com o dólar. Hoje, metade da dívida do Equador (hoje 22 bilhões de dólares ou 24% do PIB, ante 85% nos anos 1990) está nas mãos da China, maior importadora de seu petróleo, e esta também tem interesse em promover o uso de sua própria moeda e de outras alternativas ao dólar no comércio internacional.

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