Economia

Tudo é agronegócio

Pensamentos sobre a arrogância na agropecuária

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Na coluna da semana passada, “Agricultura familiar não é o mesmo que assentamento sem terra”, quem assim a intitulou pegou bem a essência do tema. Buscava-se desfazer equívoco comum às folhas e telas cotidianas, especializadas ou não, e entre internautas comentaristas que, de forma leviana, clamam posicionamento partidário no que é importante matéria de economia e ciências sociais.

Antagonismo besta, coqueluche desta Federação de Corporações, decadente a ponto de manifestar-se pedindo a volta de quem, por 21 anos, proibiu manifestarmo-nos. Apoiado em estudo da Embrapa e da Unicamp, aqui já citado, o texto discutia caminhos controversos do mundo rural no século 21.

Para esta semana, prometera aprofundar a moldagem da atividade agrária no Brasil, em bases históricas, comparando-a com outros grandes blocos produtores e exportadores. Não o farei. Mudei de ideia. Para fazer-me entender teria que saber desenhar. Prefiro manter a escrita, mesmo com risco de pedradas de internautas literatos. De alguns, apiedo-me. Dão mostras de não terem entendido um “aquele termo” que o comandante do navio afundado na Itália ouviu quando não quis voltar a bordo.

Pulo, pois, nesta semana, o estudo sobre o mundo rural para expressar o quanto entendo a decisão do amigo Márcio Alemão, que se despediu da versão impressa de CartaCapital, após dez anos de colaboração. “Fui”, última expressão do Refogado, sua coluna de gastronomia, é vontade frequente neste tratador de equações agropecuárias. Com certeza, contribui o fato de a culinária ser uma das extensões do agronegócio.

O Brasil gastronômico que o amigo relata não é diferente do que percebo em seis anos de coluna e blog em Terra Magazine, e vejo agora se repetir em CartaCapital.

Curioso. O título de meu primeiro texto para TM foi “Prazer em conhecê-los”. O da despedida de Márcio Alemão em CC é “Foi um prazer”. Sermos monotemáticos é um prazer que vez ou outra cansa.

No último Refô, que assim o tratávamos na intimidade, ele diz continuar acreditando “que uma boa lasanha, uma feijoada, um gigot, um bacalhau e um filé à cavalo merecem mais crédito que qualquer espuma ou ser rastejante/inseto da floresta”.

Taí! Poderia haver mais agronegócio embutido nos pratos a que ele dá crédito? Os demais podemos deixar para os chopes bem tirados e à antiga versão de Marina Silva.

Sinto o mesmo quando propalo a diversidade de culturas plantadas no Brasil, defendo a agricultura familiar já empresarial, sugiro transformar estigmatizados assentamentos em arranjos produtivos locais, indico a existência de matérias orgânicas efetivas, baratas e capazes de aumentar a produtividade, substituindo parte das aplicações de agroquímicos.

Quando Márcio Alemão diz que eventos patrocinados, como o Mesa SP, irão provar “que temos se não a melhor, uma das melhores cozinhas e cozinheiros do planeta”, lembro-me da agropecuária vista assim do alto sem a lupa que flagra galopantes misérias.

Sobre a minha mesa acumulam-se pilhas de publicações com estatísticas grandiosas sobre o agronegócio. São reais. Óbvias, porém, para sozinhas sustentarem parangolés criativos.

Poderia eu, como faz a maioria, a cada semana, escolher uma delas dar uma interpretada e fornecer belos textos para inflar o ego de ruralistas ou a revolta dos campesinos. Agradaria a todos.

Márcio Alemão bate na tecla da arrogância na gastronomia, feita de tatuagens, cursos, eventos VIP, patrocínios e puxa-saquismo de assessorias de imprensa, enfim, “muito óleo para pouco pastel”.

O mesmo se dá com a agropecuária.

Potência indiscutível? Sim, desde que as Bolsas internacionais garantam os preços lá em cima e o governo as dívidas aqui embaixo.

Associações patronais poderão continuar usando porta-vozes para denegrir pequenos produtores e programas de incentivo, e as academias publicarão inovações que não irão além dos currículos de pesquisadores.

Se a sua paciência, Alemão, acabou para quem diz que “comer é muito mais que comer”, o que diria da minha para alarmes quanto aos nove bilhões de bocas a alimentar em 2050?

Lasanhas, feijoadas, bagos de boi bem temperados e cozidos, Cora Coralina, Manoel de Barros, Câmara Cascudo, Pena Branca e Xavantinho, perfumes da Mantiqueira, ervas mineiras, o Refogado, enfim, tudo é agronegócio.

Volte logo para ele, viejo.

Os macrossetores

No evento de CartaCapital, “As empresas mais admiradas no Brasil”, muito se estranhou e justificou a ausência da presidente Dilma Rousseff.

Mais estranho e menos justificável, a meu ver, foi entre os macrossetores não constar a agropecuária. Faltariam admiradores para quem está antes da porteira da fazenda?

Criticou-se o rentismo, mas o setor financeiro foi admirado cinco vezes.

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