Economia

Tempo de grandes canalhices

Não sugiro voltarmos ao Araguaia. Lá, hoje em dia, o espaço está tomado com soja, milho e boi

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Conturbada a Federação de Corporações, hein? Gosto. Andava meio chato conviver com canalhices pequenas. Vejo-as agora grandes. Corria-se o risco de perder o hábito.

Alguém chegou a acreditar que a levada de queda do desemprego, aumento de renda e inserção social se prolongaria muito tempo? Sexta economia do planeta, em breve quinta?

Bastava confrontar com o passado nulo para verificar a impossibilidade. Fosse fácil, certamente, os luminares que nos serviram até 2002 teriam feito mais igualitária a Federação de Corporações. Só poderia ser balela de um metalúrgico sindicalista e de um partido de esquerda acharem que venceriam a corrupção endêmica e a divisão de classes fantasmagórica.

Se bem que nunca deixariam, a verdade é que alguns incumbentes aderiram à gandaia histórica, outros ficaram como baratas tontas até sentirem o que a Luzia ganhou atrás da horta.

Entendo que a maioria dos que apoiam o golpe está entre os 10% do topo da pirâmide social. Se incluída a grana depositada em paraísos fiscais, não chegam a 5%. Mas seus alto-falantes são potentes e galantes. Espalharam a notícia até a base da pirâmide. Mesmo os outrora beneficiados se confundiram. Não entenderam que a comparação de índices em queda, hoje feita, parte do topo a que chegaram.

A quem defende a Constituição e o regime democrático restará, pois, doravante, discutir com paneleiros que acreditam que Vladimir Herzog se suicidou e Rubens Paiva esvaneceu. Não sugiro voltarmos ao Araguaia. Lá, hoje em dia, o espaço está tomado com soja, milho, boi, e Dom Pedro Casaldáliga, aos 87 anos, sente-se cansado.

Tranquilizem-se, no entanto. Mesmo não estando no quartil Cayman, nosso fardo não será assim tão pesado. Nunca foi. Eles ainda nos acham a kind of intelligentsia a ser cooptada e que um dia nossa geração se vai para que filhos e netos enxerguem que a razão está à direita.

Aceitarão uma indignação aqui, um vômito ali, mas para que mexer em time – titular o deles, nós na reserva – que está ganhando?

Pierre Bourdieu (1930-2002) ensinou que os egressos de boas escolas, criados em berços esplêndidos, sobrinhos de meritocracia, virtude e QI empregatício, nada temos a Temer (ops!). Foi tudo merecido.

Desconfio, no entanto, que meu editor prefira-me escrevendo sobre o agronegócio, certo? Vamos lá.

Nenhum desastre à vista. O setor sucroalcooleiro mostra recuperação. As exportações volumosas. Kátia, no muro, ainda nada fez do prometido, mas planeja o melhor caminho para o governo do Tocantins. Em qual PMDB terá mais chance? Soja e milho na levada sábia de Chicago que sabe que a China não quer passar fome. Tomates, pãezinhos, frutas de exportação se preparando para assustar William e Renata, com a inflação. A simpática Majú (que canelas, hein?), sempre a nos lembrar que “uns dias chove, noutros dias bate sol”, o que nos dá certeza de viver num território tão imenso e de climas tropical e subtropical.

Termino por uma lembrança. Há muitos anos, visitando uma grande fazenda de café em Itatiba (SP), de família tradicional, construções antigas preservadas na forma de casa-grande, terreiros e senzalas, o proprietário me levou à visita.

Encostado na parede lateral da senzala, noto um pé solitário e bem desenvolvido de café. Pergunto o motivo de ter sido plantado ali.

“Foram os escravos. Cresceu e foi mantido produtivo, que ali eles usavam para urinar. Eu o mantenho como lembrança dos tempos em que o nitrogênio era nacional, natural e grátis”.

Simbólico, não?

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