Economia
Tempestade no céu
O baque será geral, mas o tombo maior ocorrerá nos setores com maior conteúdo tecnológico


No esforço para atenuar os efeitos do tarifaço anunciado pelo governo de Donald Trump, o Brasil precisa dedicar especial atenção aos setores de média e alta tecnologia, essenciais para a mudança incipiente na rota do desenvolvimento rumo a uma economia com maior autonomia produtiva e tecnológica. É o caso da fabricação de aviões e da produção de máquinas industriais, itens relevantes da pauta de comércio com os Estados Unidos, que absorve 60% das exportações da Embraer. É necessário ainda levar em conta uma visão de cadeias produtivas e das interligações de setores nas atividades mais afetadas. Outro ponto importante é a possibilidade de adoção de uma política anticíclica fiscal e monetária direcionada, para atenuar os efeitos no curto prazo. As recomendações são de economistas ouvidos por esta revista sobre as condições de a economia brasileira fazer frente à escalada tarifária e as estratégias mais apropriadas diante do problema.
Até o anúncio da taxação, que começa a valer, se nada mudar, em 1º de agosto, a economia exibia uma confluência rara de bons indicadores. A safra de índices positivos, viabilizada pela valorização do real, com efeitos na moderação da inflação e na melhora dos resultados fiscais, inclui investimento estrangeiro recorde, crescimento continuado do PIB acima das previsões das instituições financeiras e do FMI, elevação expressiva da arrecadação tributária, alta na ocupação de mão de obra e a saída de quase 1 milhão de beneficiários do Bolsa Família. O tarifaço pode provocar, entretanto, perdas de 175 bilhões de reais no longo prazo, com retração de 1,49% no PIB e perda de 1,3 milhão de postos de trabalho, calcula a Federação das Indústrias de Minas Gerais.
“O grupo de pesquisa que coordeno analisou a evolução da pauta comercial brasileira, entre 2020 e 2024, e constatou uma retomada do crescimento dos setores industriais de média e alta tecnologia, que vinham em queda nos últimos anos, do ponto de vista das exportações. Começaram a se recuperar e um destaque, de novo, é a exportação de aviões e máquinas. É um começo de retomada. A participação desses produtos na pauta ainda não mudou, mas você começa a ver um certo avanço”, afirma o economista João Prates Romero, professor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
A Embraer e a indústria de média complexidade precisam de atenção do governo
As conclusões da equipe, que deverão ser divulgadas em nota técnica, incluem a constatação de uma redução da exportação de produtos primários associados ao impacto ambiental, como madeira, que mostram a retomada de um desenvolvimento mais sustentável. “Essa é a perspectiva geral das políticas do governo Lula. Você começa a ter uma inflexão, retomada de política industrial, de políticas de proteção ambiental, um início de mudança da rota de desenvolvimento”, prossegue Romero. Dois anos é muito pouco, sublinha o economista, para uma alteração significativa. Esse contexto da tarifa imposta por Trump tende, no entanto, a prejudicar alguns desses setores de maior tecnologia, aqueles que o governo deveria privilegiar nas operações de socorro e nas eventuais políticas para mitigar os efeitos da taxação.
Pelo fato de o Brasil ter um volume relativamente pequeno de comércio com os EUA, o impacto do tarifaço não será grande, mas certos setores, como o de aeronaves, requerem cuidados, prossegue Romero. “A área é estratégica, não só por ser um setor industrial, mas por se tratar de uma indústria de alta tecnologia, segmento que pode ser prejudicado se forem mantidos os 50%”, observa o professor da UFMG. Há também as exportações de máquinas, além daquelas de petróleo, ferro e aço. Em alguns setores afetados, a tendência inicial é de realocar internamente a oferta. Isso pode até ter um impacto inicial positivo para a população, no curto prazo, sobretudo no caso de produtos alimentícios que seriam exportados e não vão poder mais. No momento seguinte, a tendência das empresas é reduzir a produção, se não tiverem outro mercado de exportação em vista.
Boa notícia. O Fundo Monetário Internacional melhora as projeções para o Brasil – Imagem: iStockphoto
A economista Júlia Torracca, professora do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisadora do Grupo de Indústria e Competitividade, menciona a existência de um comércio intraindustrial muito importante relacionado à venda de aviões. “Exportamos partes e componentes de aeronaves, mas importamos muitos produtos intermediários. O tarifaço desarticula toda uma cadeia.” Segundo a economista, por conta do peso dos EUA nessas transações, não há como evitar, no curto prazo, perdas importantes de receita. “Dificilmente qualquer país estaria preparado para uma ruptura, uma quebra estrutural tão relevante quanto a que se espera com o tarifaço. Tanto que os outros países estão esperando, de alguma forma, para entender o que o Brasil vai fazer”, avalia a professora. As ações da diplomacia e dos empresários são as mais importantes, enquanto uma eventual resposta político-econômica, global, de retaliação e reciprocidade, teria um custo “bastante elevado”.
Haverá perdas significativas no curto prazo. Produtos alimentícios perecíveis não podem ser estocados e dificilmente se consegue enviar a produção para outros destinos. Outros setores conseguem estocar e manter o preço, mas essa não é a regra, alerta Rafael Ribeiro, professor de Economia da UFMG e pesquisador do Made/FEA–USP.
A situação fica mais complicada se Trump investir contra o sistema financeiro do País
Do ponto de vista da política fiscal e monetária, o Brasil tem a alternativa de adotar estratégias para mitigar esses efeitos, a exemplo de instrumentos fiscais como a concessão de subsídios e expansão de crédito às empresas dos setores mais afetados. Seria uma política anticíclica. “Claro que o espaço fiscal no Brasil hoje, por todas as restrições, seja pelo arcabouço ou o debate com o mercado financeiro, é muito reduzido, mas em um contexto como esse, eu acho que o governo não deveria ter tantas dificuldades assim para poder implantar uma política desse tipo. Desde que seja pontual e bem comunicada quanto a sua duração e a magnitude do volume a ser empregado acho que é possível sim que seja feito.” Ribeiro não recomenda que o Brasil siga o caminho das retaliações em forma de tarifas recíprocas. “Isso seria um tiro no pé, você elevaria o nível de preços internos, o que poderia forçar o Banco Central a apertar ainda mais a política monetária.”
Outras possíveis sanções da Casa Branca parecem estar na mesa, mas é difícil saber a forma de implementação, caso venham a ser adotadas. Podem recair sobre o mercado financeiro, em termos de cerceamento da participação do Brasil no sistema de trocas internacionais e outras medidas, com impactos maiores por se estenderem por toda a economia. “Difícil fazer um prognóstico quanto a isso, mas acho que eventuais sanções ao País que atinjam os sistemas financeiro e bancário podem ter impactos graves. E, claro, eventuais reações brasileiras a essa escalada dos EUA podem ter outros efeitos, mas isso não tem sido discutido e é difícil fazer prognósticos a respeito”, conclui Ribeiro. •
Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Tempestade no céu’
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