Economia

“Temos 2 mil mortos. Todo mundo lamenta, mas todo dia morre gente”

Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, pede reabertura de lojas, defende o governo e deixa seu protesto: ‘Tudo tem um limite’

O presidente da Alshop, Nabil Sahyoun (Alshop/CDLS/Divulgação)
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Passados pouco mais de 30 dias da crise do coronavírus, a condução caótica do presidente Jair Bolsonaro culminou na saída do ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, acusado de transgredir as vontades do chefe.

O presidente tem, desde o início da crise, tentado sabotar as políticas estaduais de contenção da epidemia, alegando que o isolamento social provocará um caos econômico sobre o qual o governo federal terá que se responsabilizar. Esses planos não encontram eco apenas entre aliados e militantes. “O grupo do Paulo Guedes tem feito um trabalho extraordinário, excepcional”, disse a CartaCapital o empresário Nabil Sahyoun, presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop).

Sobre outros entes federativos, sua opinião é outra. “Nunca vi tanto político defender a vida das pessoas como agora. Estão usando a saúde para promover governadores.” Sobram críticas também ao prefeito de São Paulo, Bruno Covas (“dono da verdade”). A capital paulista registra o maior número de óbitos no Brasil, chegando a 603 confirmados.

A Alshop tem entre seus associados gigantes como Habib’s, Cacau Show, Pernambucanas, Riachuelo, e também lojas de menor monta. O setor faz pressão para reabrir as portas ‘urgente’ e até preparou, segundo o dirigente, um plano de reabertura. “Por que não podemos abrir agora no Dia das Mães, que tem um movimento extraordinário? Tem milhões e milhões parados.”

Segundo seus cálculos, o prejuízo do setor nesses 30 dias de portas cerradas chega a 15 bilhões de reais. A expectativa para o futuro pós-pandemia também é ruim — as lojas devem faturar apenas 1/3 do usual. “Sem capital de giro, pequenas lojas vão fechar.”

A demissão de Mandetta, confirmada na quinta-feira 16, deve favorecer os quereres varejistas. Em seu primeiro discurso, o substituto Nelson Teich se disse “totalmente alinhado” a Bolsonaro, e mostrou disposição em afrouxar as indicações de isolamento. Especialistas temem que um retorno antes da hora provoque um colapso no SUS e restrições ainda mais duras dentro de um ou dois meses.

Em alguns estados, essa já é a realidade. No Ceará, todos os leitos de UTI reservados para a Covid-19 estão ocupados. Em São Paulo, a média é de 60%, com esgotamento previsto para maio. O governador João Doria estendeu o período de quarentena até o dia 10 de maio, data do feriado materno.

Confira os destaques da entrevista:

Mortes

Não adianta ficar esperando quantas pessoas vão morrer, mais 1000, mais 500, mais 200… A pergunta é a seguinte: ninguém mais fala em todos os outros vírus [sic] que continuam matando todo dia. Segundo especialistas, morrem 17 pessoas de desnutrição por dia. Isso já acontece há anos. Esse vírus preocupa, todo mundo está dando atenção. Mas tudo tem um limite. Temos 2 mil mortos, é claro que todo mundo lamenta. Mas todo dia morre gente por outros problemas: assalto, homicídio, acidente, H1N1, doenças cardíacas….

Nunca vi tanto político defender a vida das pessoas como agora. Por que quando não tinha o coronavírus, eles não correram pra resolver o saneamento básico nos seus estados? Ficamos extremamente chateados. Estão usando a saúde para promover governadores, uma luta com a qual a sociedade não tem nada a ver. Você acha que as pessoas vão ficar 60, 75 dias em casa, sem emprego, de braços cruzados? Em Osasco, já estão assaltando setores de alimentação. Podemos ter amanhã uma convulsão social. Podemos ter 25 milhões de desempregados…

Você tem uma quantidade grande de cidades que não teve nenhuma morte. Por que não deixam esses municípios funcionar? Não tem ninguém infectado lá. Nas favelas, por exemplo, não é melhor que as pessoas saiam para trabalhar do que fiquem em 10 amontoados num quarto de doze metros quadrados? Tudo é muito polêmico, complicado. 

Em 2019, houve um aumento de 0,6% no número de lojas em shoppings (Valter Campanato/Agência Brasil)

Reabertura

Brigamos muito para que essa retomada seja urgente. Que os governos entendam que a saúde não pode caminhar sem a economia. Porque amanhã não terão mais os bilhões que estão sendo hoje entregues à Saúde. O governo tem um limite para emprestar dinheiro. Se esse limite acabar, sem o movimento da economia, a saúde não sobrevive. Falava-se que a grande catástrofe vinha em abril. Agora já se fala em maio, junho…

Por que um zelador, faxineiras, seguranças de condomínio podem trabalhar, e o vendedor de uma loja ou um pequeno empresário não pode? Você percebe a discriminação? Se num dia normal, o shopping recebe 50 mil pessoas, que se programem para receber 25 mil. Hoje há métodos simples para controlar entrada e saída. Fui no supermercado e vi todo mundo de máscara, álcool em gel, limpeza o tempo inteiro, luvas, respeito aos dois metros de distância. Por que nos shoppings não podemos ter isso? Nosso protocolo está prontinho. 

Tem milhões e milhões parados que precisam ser escoados. Se tiver que fechar depois, paciência. É uma aposta que tem que ser feita. Por que não podemos abrir agora no Dia das Mães, que tem um movimento extraordinário? Se esse prejuízo acontecer, milhares e milhares de lojas fecharão. 

Imprensa

A mídia anda falando muito só do coronavírus, não tão falando das outras mortes que ocorrem diariamente por outros vírus do trato respiratório. As pessoas estão em pânico, apavoradas dentro de casa. Esse pânico vai trazer uma reabertura pequena, as lojas vão faturar 15% ou 20% do movimento normal. Aquele médico que tem o sobrenome Terra, que foi ministro… Por que não temos que respeitar a opinião dele? A medicina, a cada semana que passa, avança na questão daquele remédio que ninguém recomendava, a cloroquina. Há uma série de médicos que agora estão defendendo dar o remédio no começo [dos sintomas da doença].

Demissões e suspensão de contratos

A primeira decisão [do ministro Lewandowski, que impôs consulta aos sindicatos] foi lastimável. Foi uma decisão impensada e que iria prejudicar milhares de trabalhadores. Os pequenos empresários, na dúvida, iriam demitir. Depois, com a pressão da sociedade e a ameaça do desemprego, houve moderação. A gente tá aguardando com muita expectativa uma decisão favorável à negociação individual entre empregador e empregado.

Governo federal

O grupo todo do Paulo Guedes tem feito um trabalho extraordinário, excepcional. Eles pegaram mais de 110 entidades do setor produtivo, estabeleceram a cada 5 um executivo que fica o dia todo à disposição. Uma das questões mais comentadas foi a do crédito. Medidas estão sendo tomadas para buscar um capital de giro mais acessível. Hoje é cobrado por volta de 1,5% ao mês. Precisamos de capital de giro a 4%, 5% ao ano. Temos incentivado os lojistas a esperar mais um pouco. É claro que há demora para esse dinheiro sair, há burocracia. Mas entendemos o lado do governo. Essa crise aconteceu da noite para o dia. Todo mundo quer dinheiro, quer benefícios… Esse governo, comparado com os anteriores, está dando toda atenção, todo o apoio ao setor produtivo. Mas infelizmente, a gente vai entrar numa recessão. Com a expectativa de uma retomada lenta, ninguém vai sair fazendo grandes compras.

São Paulo

O Bruno Covas diz que a cidade está preparada para ficar fechada por todo o semestre. Veja a loucura. Pedimos que ele prorrogasse o vencimento do IPTU, ele disse que não vai prorrogar. Quem é esse prefeito que se estabelece como dono da verdade, quando ninguém é o dono da verdade? É um prefeito que não está contribuindo com o setor varejista. Eles estão recebendo bilhões do governo federal, e a pergunta é, cadê a contrapartida do prefeito? Já que o governo federal suspendeu os impostos deles, nada mais justo que repassar isso ao setor produtivo. Se as lojas fecharem, o governo de São Paulo terá uma queda violenta na arrecadação. 

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