Economia

Sorte e azar

Eles contam sim, mais do que deveriam

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Tem jeito, não. Os caríssimos campesinos, sertanejos, caboclos e ruralistas têm controle total sobre suas lavouras? Agricultura de precisão a mil, ‘big data’, o Big Brother agrícola de George “1984” Orwell, dando as cartas sobre as decisão e intuição dos produtores norte-americanos, os desenvolvedores e fabricantes de moléculas e produtos tóxicos criando substitutos cíclicos para remediar as novas pragas e doenças que aparecem nas plantações.

Os mais inteligentes reconhecendo a necessidade do uso de matérias orgânicas para arrancar o excesso de fósforo no solo depositado por anos de intensa adubação química.

Então tá, sei, ajuda, tudo muito bom, tudo muito bem, mas traz certeza?

Ufa! Como lidar como o clima, seca ou chuva na hora certa, granizo destruidor, lagartas e ferrugens palhaças, canetadas e juros altos de governos em pânico, cartelização de insumos, restrições de crédito por bancos sempre no vermelho do sangue que subtraem da economia, humores das Bolsas de Chicago e Nova York?

Ligo para o meu amigo Everaldinho, que roda numa velha moto toda a região cafeeira de Guaxupé, nas Minas Gerais, e pergunto como foi a pega do chumbinho, a floração, se o pé vegetou farto. Quantos palmos até a ponteira? E o preço, qual a tendência?

– Uai! Tanto faz. Nós precisamos é cuidar, tratar bem do cafezal, dar duro em cada talhão, o resto é com eles da cooperativa e outros intermediários. Como em toda a safra, farão o possível para comprar barato o nosso trabalho e vende-lo caro.

– Se você bobear, amigo, e não tratar bem do café, no próximo ano poderá nem sobrar para a cachaça no alambique do velho Jovino.

Andanças Capitais me levam ao norte do Paraná, que algum café por lá ainda há. Ouço no avarandado da família Roedinger sobre a importância dos manejos de colheita para obter um produto de qualidade. Pergunto se assim dá preço.

– Quem garante? Melhora, mas sabe-se lá. Talvez dê para pagar as contas e comprar um presentinho para a Frida e as meninas. Depois começo tudo de novo. Um dia, arranco tudo e planto soja.

Essa a vida que, sei, vocês levam com galhardia, o ritual na igrejinha da comunidade, a carne assada e uma cachaça com torresmo na venda ao lado da sua roça, afiando o taco para acertar a bola preta igualzinha à cor dos olhos negros e conscientes de seu oponente, o amigo Zé Moringa.

Assim é a vida rural vista com lupa. Como está sendo para os arrozeiros gaúchos, que muito perdem com as chuvas no Sul; como foi para os poucos plantadores catarinenses e paranaenses de trigo, chuvas com o futuro pão quase pronto para colher.

Pensam o quê? Sabem do “Velho Chico”, aquele mundão de água, bonito tanto no verde como quando lamacento? “Riveirão Suassuna” nos escritos de Glauber Rocha, no cocô dos bodes do trovador Elomar, nos núcleos de minifúndios frutíferos em vales baianos e pernambucanos? Pois é, deu de querer secar.

Como ouvi uma brincadeira incorreta, cá no Sul Maravilha, com nordestinos que têm pouca água e desconfiam quando veem caminhões-pipas passando, um atrás do outro: “Água Po Tável … sempre pro mesmo cara, quem é esse cara que não deixa nada pra nós? É de Brasília? Tem cargo por lá”?

Caso é que na vida dos plantadores contam muito a sorte e o azar. Não me venham com ciência, religião, política, estudos econométricos ou sociológicos. Todos servem para trabalharmos e termos uma profissão, mas na hora agá, sorte e azar contam.

Por que você, saudoso roceiro, estava justamente naquele pedacinho de chão quando irrompeu a irresponsabilidade da Samarco? Corintiano roxo, certa noite passeava distraído defronte do Bataclan, em Paris. Assustou-se, mas uma semana depois soube dos seis a um sobre o São Paulo.

Fatalidades, certo? Para o bem, o mal ou seis e meio. Penso que assim é com o Brasil, uma sequência de sortes, azares e notas medianas, que nunca emergirá, castrada por séculos de inapetência distributiva e imposições de classes privilegiadas, até aqui garantidas por secular rede de corruptos e corruptores.

Cessarão seus achaques? Terão medo das covas rasas exclusivas de Severinos de Marias?

Os ciclos de sete anos? Um ex-presidente sortudo e uma presidente azarada? Ou o contrário? 

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