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Separação amigável

Cresce a procura por mediações e arbitragens, saídas menos burocráticas e custosas para resolver pendências empresariais

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Imagem: iStockphoto
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A solução extrajudicial de conflitos e disputas entre empresas, como a mediação e a arbitragem, ganhou corpo nos dois últimos anos, em razão da crise econômica derivada da pandemia, de novos dispositivos legais e do incentivo do próprio Judiciário à utilização crescente desses institutos regulados 25 anos atrás, na Lei 9.307, de 1996. “O fim do monopólio estatal sobre a prestação do serviço jurisdicional por meio do Poder Judiciário gerou um serviço praticamente inexistente, especialmente para as empresas que tinham de esperar, às vezes, 20 anos para resolver disputas, que agora são solucionadas em um ou dois anos”, ressalta o presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem, André Cavalcanti Abbud. “As pessoas passaram a poder levar suas disputas contratuais ao julgamento de árbitros imparciais escolhidos por elas mesmas, por meio de sentença com a mesma força de uma decisão final judicial.”

Ainda não há dados consolidados sobre a atividade das diversas câmaras de arbitragem e mediação existentes no ­País relativos a 2021. Mas dados de algumas delas desenham um quadro de expansão significativo. A Câmara do Mercado, operada pela B3, a empresa que controla as Bolsas de Valores, de Mercadorias e de Futuros e onde se concentram as disputas referentes ao mercado de capitais e o direito societário, registrou 184 novos casos, em 2020, ante 149 em 2019. Na média, o incremento era de cinco ou seis novos casos por ano, lembra Abbud, sócio do escritório BMA Advogados e professor da FGV Direito de São Paulo. Na Câmara de Comércio Internacional, uma das principais referências do mundo em arbitragem, o Brasil figurou em segundo lugar em 2020, com 150 processos. “É o maior de todos os tempos”, frisa o advogado.

O aperfeiçoamento das regras atrai pequenas e médias companhias

Além da desorganização de cadeias produtivas e outras sequelas da pandemia, que causaram descumprimento de contratos e geraram disputas entre clientes e fornecedores, outra poderosa razão vitaminou a busca por mediação e arbitragem: a Lei 14.112, de 2020, que criou a chamada negociação antecedente, com o propósito de dar a uma empresa endividada e prestes a pedir recuperação judicial um fôlego de 60 dias para negociar com seus credores e fornecedores, antes de recorrer àquela medida extrema. Quando a empresa pede recuperação judicial, seu objetivo é dar um corte nas dívidas e suspender as execuções, o que se chama de stay period, ou seja, 60 dias de suspensão das ações de execução que estão na iminência de expropriação, como penhora, busca e apreensão – vulgarmente, tudo o que “foi pro pau”.

Opção. A mediação na recuperação judicial da Le Postiche foi “satisfatória”, afirma Mandel, que atuou nas negociações da marca com os shopping centers – Imagem: Redes sociais

Mas, se resolve um problema, a recuperação cria outro. Como explica o advogado e mediador Elias Mubarak, que em novembro do ano passado fundou a caçula das câmaras de mediação, a Med Arb RB, ao interromper os pagamentos devidos, a recuperação judicial torna a empresa insolvente, o que significa rebaixamento de sua classificação de risco (rating – a medida de sua probabilidade de dar calote), prejudica seu credit score (que mede a capacidade de pagamento do devedor) e praticamente fecha a torneira dos empréstimos bancários, pois a insolvência obriga, sobretudo, as instituições financeiras reguladas pelo Banco Central a fazer provisão para uma eventual inadimplência, o que dificulta a concessão de novos créditos. Pela nova lei, a empresa pode recorrer a uma câmara de mediação, informar ao juiz que iniciou o processo de mediação e solicitar o prazo de stay de 60 dias, sem que seja declarada insolvente. Assim, seu crédito não some da praça. “É uma pré-insolvência, que incentivou muito a mediação”, diz ­Mubarak. “Foi isso que nos incentivou a criar a câmara de arbitragem Med Arb RB, porque esse tipo de mediação tem de ser encaminhado ou aos Centros Judiciários de Solução de Conflitos, que têm grande dificuldade para arbitrar disputas entre empresas, porque não há centros especializados em assuntos empresariais.” Com menos de três meses em atividade, a Med Arb RB iniciou 23 casos, com liminares expedidas por juízes, num total de 219,6 milhões de reais sob mediação. Seis deles referem-se a empresas médias, com um valor em torno de 24,5 milhões de reais em discussão. Segundo Mubarak, pequenas e médias empresas têm recorrido aos institutos extrajudiciais, pois o processo de insolvência é caro. O processo de recuperação judicial, logo de início, implica contratação de um administrador judicial, que, por lei, recebe de 1% a 6% do valor da dívida. O custo final ficará entre 10% e 15% do total do endividamento. Assim, uma companhia com uma dívida de 1 milhão de reais, para começar o processo de recuperação judicial tem de dispor de 150 mil reais. No caso de uma mediação, Mubarak calcula, a empresa vai gastar de 15 mil a 20 mil reais, no máximo.

Há mais de 65 milhões de processos na Justiça que envolvem empresas

No Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Canadá-Brasil – pioneira no País, fundada em 1979 – a tabela começa com mil reais por hora, que passam a 1,2 mil reais se a controvérsia ultrapassar 7 milhões de reais. “O custo é ínfimo para as partes”, assevera Diego Faleck, mediador e integrante do Conselho de Mediação da entidade. “Com 30 a 40 horas, em geral, obtém-se uma boa noção da possibilidade de acordo, e o custo é dividido entre as partes”, esclarece, acrescentando que a média histórica de acordos gira em torno de 50%. Nos dois últimos subiu, no entanto, para 86%, abrangendo uma série de setores, como saúde, energia, transportes, imobiliário, construção civil, vendas de bens e serviços, serviços financeiros e direito societário.

E quando não tem acordo? “Aí parte para a arbitragem. A mediação muitas vezes é uma ‘janela’ no próprio processo arbitral, que ajuda as partes a entenderem o caso, se comunicarem melhor, de modo que, não raro, uma decisão de um árbitro, o resultado de uma perícia leva as partes de volta à mediação. Mesmo quando a mediação dá errado, ela ajuda bastante”, diz Faleck.

Avanço. Mubarak e Abbud apontam o crescimento na busca pela mediação. As sequelas econômicas da pandemia estimularam as soluções mais simples – Imagem: Arquivo pessoal

Francisco José Cahali e Viviane ­Rosolia Teodoro, em trabalho publicado em junho de 2020 na Revista dos ­Tribunais, defendem os meios extrajudiciais de solução de conflitos em vista, principalmente, do alto custo da Justiça, particularmente para as pequenas e médias empresas. Eles apuraram que, dois anos atrás, havia mais de 65 milhões de processos a envolver empresas, somando 6,12 trilhões de reais, dos quais as micro e pequenas empresas eram responsáveis por 212,53 bilhões de reais (3,47%), as médias empresas por 1,07 trilhão de reais (17,48%) e as grandes empresas por 4,84 trilhões de reais (79,05%). Os custos dessas demandas, em 2016, representavam 2,08% do faturamento das micro e pequenas companhias, enquanto, para as médias, o porcentual era de 1,95%. E os custos crescem: se em 2015 as empresas gastaram 142,45 bilhões de reais para manter e ajuizar novos processos, em 2016 o gasto total foi de 157,38 bilhões de reais, aumento de 10,48%. Desse total, as médias empresas foram responsáveis por 21,51% e as micro e pequenas, por 8,68%.

“A mediação tem de ser analisada caso a caso e usada naqueles em que realmente precisa e pode dar certo”, pondera Júlio Mandel, do Mandel Advocacia, que atua na recuperação da Le Postiche, empresa de bolsas, malas e acessórios que recorreu à mediação para resolver conflito com alguns dos shopping centers onde instalara suas lojas. “O resultado foi satisfatório. A mediação é muito interessante, principalmente por ser consensada entre as partes. Se for obrigatória, como defendem alguns, seu propósito é desvirtuado e vai burocratizar o instituto”, defende. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1207 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Separação amigável”

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