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Sabotagem explícita

O BC insiste na política de juros siderais e o Senado esboça uma reação

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O presidente do BC, Roberto Campos Neto. FotoL Albari Rosa/AEN/GOVPR e Edilson Rodrigues/Ag. Câmara
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A nítida divisão entre os economistas de bancos, que apostam em uma redução da Selic pelo Banco Central em agosto, e os economistas ligados a atividades produtivas ou ao governo, preocupados com o risco de uma recessão em consequência da demora em baixar os juros estratosféricos, apesar de os fundamentos macroeconômicos indicarem a possibilidade de uma suavização, sugere a existência de um impasse nas interpretações dos atos e das atas da autoridade monetária. Em outras palavras, os comunicados e as práticas do BC não sinalizam, de modo minimamente claro e aceitável, uma saída do impasse atual e o problema da relação entre a taxa de juros e o crescimento econômico talvez necessite de uma solução política.

A divergência nas avaliações acentuou-se após a divulgação da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária, que, apesar de abrir uma porta para se esperar a redução dos juros, estimada entre 0,25% e 0,50%, em agosto, não deixa dúvida de que o BC manterá uma espada sobre movimentos da economia que não se encaixem no seu esquema de interpretação da realidade. Isso inclui, se necessário, segundo os critérios do Banco Central, a continuidade dos juros de 13,75% além de dezembro.

Em mais de 60 anos de história de política fiscal, as grandes decisões sempre foram tomadas por políticos

A convocação, na terça-feira 27, do presidente do BC, Roberto Campos Neto, para prestar mais uma vez esclarecimentos à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado sobre a política monetária e a definição da taxa Selic, indica que, ao menos para parte dos parlamentares, a situação atingiu um limite. A convocação foi assinada pelos senadores Randolfe Rodrigues, sem partido, Ciro Nogueira, do PP, Rogério Marinho, do PL, e Plínio Valério, do PSDB, um espectro partidário que vai além da base de apoio ao governo. Outro detalhe significativo é que o chamamento foi feito à véspera do recesso de julho, um sinal da urgência dada ao assunto.

Na véspera da convocação, a senadora Ana Paula Lobato, do PSB, encaminhou ao Conselho Monetário Nacional um pedido de afastamento de Campos Neto da presidência do Banco Central, devido ao “comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos da instituição”. Manter a Selic em 13,75%, argumenta a senadora, evidencia “clara atuação política do presidente do BC no sentido de prejudicar o atual governo, ao impossibilitar maior crescimento econômico e, com isso, inviabilizar maior entrega de políticas públicas”. A senadora solicitou, nas redes sociais, o apoio dos colegas à sua proposta, que considera de fundamental importância para ajustar a política monetária. “Campos Neto sabota o Brasil”, disparou Lobato. Rodrigues, por sua vez, deu uma declaração contundente à imprensa e também considera Campos Neto um “sabotador do País”.

Segundo a legislação, cabe ao Senado o questionamento formal do presidente do BC, a partir de uma indicação do CMN para sua demissão. A decisão deve ser aprovada no Senado por maioria simples. Um aspecto curioso é que o próprio Campos Neto integra o CMN, órgão ao qual cabe indicar a sua demissão.

A possível resolução da crise pela via política não seria uma anomalia, ainda que muitos possam pensar desse modo após décadas de exercício da política fiscal por economistas e tecnocratas, no Brasil e no resto do mundo. A esse respeito, é importante levar em conta as considerações de Alan S. Blinder, professor da Universidade de Princeton, que foi consultor de vários candidatos presidenciais nos EUA, integrou o Conselho de Consultores Econômicos do presidente Bill Clinton, foi vice-presidente do Fed e é considerado um dos economistas mais influentes do mundo. “Olhando para trás, em mais de 60 anos de história fiscal, as grandes decisões sempre foram tomadas por políticos. Isso não mudou e, provavelmente, nunca mudará. Chamamos isso de democracia”, ressalta Blinder em seu livro sobre a história monetária e fiscal dos EUA, publicado no ano passado.

Alerta. Campos Neto joga contra o crescimento, acusa o senador Randolfe Rodrigues – Imagem: Pedro França/Ag. Câmara

Há indícios nada desprezíveis de mobilização do Banco Central no sentido de formar e reforçar expectativas negativas por parte do mercado. Um dia antes do comunicado do Copom, na curva de opção para a queda de juros, havia quase 90% de aposta na baixa em agosto. Após o comunicado do Copom, isso diminuiu para 50%. Isto é, o próprio Banco Central está influenciando as expectativas negativamente. A atuação do BC reforça, portanto, a hipótese do seu papel de sabotador da economia.

Os comunicados do BC e as atas do ­Copom continuam dizendo que a inflação de serviços segue forte. Se ele pretende esperar o mercado de trabalho ceder, ou seja, o desemprego aumentar, a situação ficará complicada, alertam economistas. A disputa entre a política monetária do governo Bolsonaro, mantida pela diretoria do Banco Central, e as políticas públicas do governo Lula, com força no investimento e na restauração de programas anteriores geradores de emprego e renda, atingiu tensão máxima neste mês, com novos efeitos da confirmação da Selic de 13,75%.

O aumento do valor do Bolsa Família, a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda, o reajuste dos vencimentos dos funcionários públicos, o desconto bancado pelo governo na venda de automóveis e caminhões, os investimentos na recuperação de estradas, o reinício do Minha Casa Minha Vida e o programa de renegociação de dívidas das pessoas, entre outros programas, contrastam com o estrangulamento financeiro de vários setores da economia. A Volkswagen suspendeu a produção de carros no País, devido à estagnação do mercado, redes varejistas como a Tok&Stok e a C&C deverão fechar ao menos parte das suas lojas, a inadimplência no cartão de crédito atingiu o recorde de 31,5% e o travamento de vendas e investimentos em geral por falta de crédito acessível é considerado inédito por diversos empresários e associações setoriais. A cada notícia positiva, como o anúncio oficial pela chinesa BYD, maior fabricante mundial de veículos elétricos, da construção de uma nova fábrica na Bahia, onde a política econômica do governo Bolsonaro provocou o colapso da montadora Ford, surgem novas informações sobre prejuízos causados pelos juros siderais.

O Banco Central não abre mão do poder de jogar a economia do País em uma recessão

A maior ameaça à agenda econômica, alertam economistas e empresários, é o Banco Central demorar demais para baixar os juros, com prejuízo crescente à arrecadação e à atividade econômica. Caso o BC continue a considerar que se trata de uma inflação de demanda, que só pode ser combatida gerando mais desemprego, como dizem suas atas e comunicados, contribuirá de modo decisivo para mergulhar o País em uma situação complicada. A continuar nesse caminho, o BC vai esperar, e ajudar, a economia entrar em recessão, algo fácil de começar, mas difícil de terminar.

Os interessados em manter a política monetária atual alardeiam notícias de que Bancos Centrais mundo afora elevam taxas de juro para conter a inflação, portanto o BC brasileiro estaria certo em sua política. Um estudo recente do FMI confirma, porém, que boa parte do processo inflacionário europeu tem como causa fundamental o aumento oportunista dos preços dos produtos dos monopólios industriais, que exageraram propositalmente nos repasses aos consumidores dos ­custos aumentados da energia. Cartéis dos EUA foram flagrados na mesma prática.

O fundamentalismo do BC começa a preocupar a sua base de apoio e consta que Campos Neto já não é unanimidade na Faria Lima. Por uma razão simples: de tão obtusa, a política monetária vigente já abala a confiança na independência do Banco Central, engrenagem mestra de funcionamento do sistema econômico atual, centrado nos interesses do sistema financeiro. •

Publicado na edição n° 1266 de CartaCapital, em 05 de julho de 2023.

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