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Roteiros de desenvolvimento

É preciso buscar vantagens dinâmicas apoiadas em programas de inovação

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Imagem: Ministério de Energia/Marinha da Escócia
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Constituído o novo governo, os territórios da Tropicália foram inundados por uma torrente de sabedorias econômicas. Os sábios da Crematística concentraram as advertências nos riscos de empurra-empurra e gritaria no “espaço” fiscal. A turma do mercado presta homenagem à magnífica dramaturgia da peça Fala Baixo, Senão eu Grito, de Leilah Assumpção. Os mercadistas gritam “gastança” para expulsar do espaço fiscal os governos e seus programas de investimento público.

Cantava o saudoso Jorge Ben: Mas que nada, Sai da minha frente que eu quero passar. Este samba está animado, o que eu quero é sambar. Os advogados da austeridade generalizada acreditam que, mesmo em uma situação recessiva, ocorre o fenômeno da expulsão do gasto privado pelo dispêndio público, chamado no jargão dos economistas de crowding out. Assim, no samba do espaço fiscal, o reequilíbrio das contas públicas, ainda em uma conjuntura recessiva, libera recursos e, ao mesmo tempo, infunde “confiança” ao setor privado. O que eu quero é sambar.

Lembrei-me dos rabiscos que ousei perpetrar ao comentar o Orçamento de 2019 da República Popular da China, submetido ao Congresso Nacional do Povo. O documento salientava que o governo “daria pleno apoio para o papel dos fundos governamentais na orientação de capital e recursos para áreas-chave de importância estratégica”.

Os fundos orientados pelo governo fazem prioritariamente investimentos em empresas não cotadas em Bolsa e startups em setores escolhidos. Em alguns casos, esses fundos também investem em empresas cotadas, por meio de aquisições no mercado secundário, fusões e aquisições. A Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC) enumera sete áreas nas quais os fundos orientados pelo governo são estimulados a investir: 1. Ensino superior, cultura e entretenimento. 2. Infraestrutura. 3. Habitação social. 4. Proteção ambiental. 5. Regiões subdesenvolvidas. 6. Indústrias emergentes estratégicas e indústrias de manufatura avançada. 7. Inovação e empreendedorismo. Nos últimos anos, os investimentos concentraram-se nas duas últimas.

A NDRC reforçou os programas de conversão de dívida em capital (debt-equity swaps) com novas abordagens para aliviar os encargos da dívida das empresas e impulsionar a sua vitalidade. O vice-presidente da comissão declarou que a conversão de dívida em capital baseada no mercado, com apoio na lei, é medida importante para ajudar as empresas com potencial de mercado a administrar os encargos da dívida e promover o crescimento, com eficiente gerenciamento do risco. Empresas zumbis não entram no programa.

“Nossos esforços na busca de conversões dívida-capital baseados no mercado, com apoio na lei, nos últimos anos, funcionaram. O trabalho nessa frente atingiu uma conjuntura crucial e desempenha um papel importante na promoção de um ambiente de negócios, energizando a vitalidade do mercado”, disse o primeiro-ministro Li Keqiang. “Sem sucesso neste empreendimento, os mercados de capitais da China dificilmente podem florescer.”

O debate econômico no Brasil está acorrentado à oposição binária entre Estado e Mercado

Peço licença ao leitor para reproduzir o que escrevi recentemente a respeito das peculiaridades da economia do Império do Meio. Os chineses cuidaram de reforçar a centralidade da “organização capitalista” em que prevalecem nexos “cooperativos” nas relações entre empresas e burocracias civis, militares e de segurança encarregadas de fomentar e administrar o sistema de avanço tecnológico (P&D). É crucial a presença dos bancos públicos no provimento de crédito e para permitir a apropriação da tecnologia, mediante a utilização das empresas estatais para a formação de joint ventures com empresas privadas, nacionais e estrangeiras, promovendo a “administração estratégica” do comércio exterior. Essa arquitetura institucional não apenas assegurou excepcionais taxas de investimento e acumulação de capital, como também ensejou programas de “graduação” tecnológica.

O paradigma sino-asiático acentua, sobretudo, a importância das vantagens competitivas construídas na interação entre Estado, empresas, fornecedores e clientes: a) Processos cumulativos de aprendizado learning by doing na produção flexível e no desenvolvimento de produtos. b) Economias de escala dinâmicas (ganhos de volume associados ao tempo e ao aprendizado). c) Estruturação de redes eletrônicas de intercâmbio de dados que maximizam a eficiência ao longo das cadeias de agregação de valor (economia de capital de giro, sobretudo minimização de estoques, de ­custos de transporte e de armazenagem). d) Novas economias de aglomeração (centros de compras e de assistência técnica e formação de polos de conhecimentos técnicos e gerenciais). e) Economias derivadas da cooperação tecnológica e do desenvolvimento de produtos e processos.

Jair Bolsonaro, Paulo Guedes e seus “seguidores”, dentro e fora do governo, se empenharam na desconstrução do arcabouço institucional que sustentou o desenvolvimento do País ao longo de cinco décadas. O debate econômico no Brasil está espremido no espartilho mental que abriga a oposição binária entre Estado e Mercado. Cortar, desmobilizar e privatizar eram os verbos mais conjugados nos gabinetes dos palácios e da finança. Não por acaso, a Secretaria que cuidava das Privatizações também ostentava a alcunha de Desinvestimentos. O encolhimento do BNDES, por exemplo, estava inscrito no programa de desmontagem institucional patrocinado pelo governo Bolsonaro.

Vamos olhar para a frente: a integração às cadeias globais vai, certamente, exigir políticas distintas daquelas executadas nos anos do nacional-desenvolvimentismo. A ênfase, agora, deve ser colocada na busca da construção de vantagens dinâmicas apoiadas em programas de inovação, sobretudo os articulados ao agronegócio, às novas fontes de energia, à infraestrutura e às grandes demandas sociais, como educação, saúde, mobilidade urbana e segurança. Exemplos: estender a outros setores a experiência do bem-sucedido arranjo Embrapa/agronegócio, valorizar o sucesso da Petrobras na exploração em águas profundas e estimular a pesquisa e desenvolvimento nas novas fontes de energia renovável.

Na edição de outubro de 2014, o World Economic Outlook, do FMI, recomendou o investimento público como indutor da demanda agregada e como instrumento de irradiação de expectativas favoráveis à formação bruta de capital fixo no setor privado.

“No curto-prazo, impulsiona a demanda agregada mediante a operação do ‘multiplicador fiscal’, incitando o investimento privado (crowding in), dada a forte complementaridade ensejada pelo investimento em serviços de infraestrutura… No longo prazo há um efeito sobre a oferta, na medida em que a capacidade produtiva se eleva com a construção do novo estoque de capital.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1243 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE JANEIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Roteiros de desenvolvimento “

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