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O Programa Mover atrai o dobro de investimentos previstos pelo governo, mas fica a dever definições em relação ao etanol

Aposta. A tendência de eletrificação da frota é global, mas o Brasil tem muito a ganhar se conseguir fazer com que o modelo também movido a álcool conquiste o mercado mundial – Imagem: Toyota/Kinto/99 e Gilson Abreu/Portos do Paraná/GOVPR
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A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, conhecida pela sigla Anfavea, inaugurou, na sexta-feira 12, sua nova sede em São Paulo, com a presença do Lula e bons motivos para celebrar. As adesões de montadoras ao programa Mobilidade Verde e Inovação, o Mover, reúnem até agora investimentos de 125 bilhões, o dobro do que o governo previa. Não por acaso, a entidade já projeta a produção de 3 milhões de carros, caminhões e ônibus em 2026, acima do recorde histórico de 2014, de 2,79 milhões de unidades.

“A expectativa é de que esse mercado possa ser retomado, com os novos investimentos, a recomposição do poder de compra do trabalhador a partir da política de valorização do salário mínimo, a taxa de desemprego em queda, com redução da desigualdade social, a queda dos juros, o marco de garantias, que reduz o ­spread para financiamentos e a volta do papel dos bancos públicos ao financiamento”, ressalta o economista Uallace Moreira, secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). É bem possível, acrescenta Moreira, que essa retomada alcance adiante 80% da capacidade instalada, o que corresponde a 3,8 milhões de veículos.

O bom momento do setor contém, porém, uma interrogação a respeito do etanol, solução brasileira engenhosa de combustível renovável para a indústria automobilística, desenvolvida de modo pioneiro 49 anos atrás, com a criação do ­Proálcool, em resposta ao choque dos preços do petróleo. “Já temos uma tecnologia nacional. O grande desafio é se essa tecnologia vai ganhar espaço no mercado mundial, se o mundo vai absorver um carro híbrido-flex a etanol, para depender das exportações do etanol brasileiro. Algumas pessoas apostam que a China, os EUA e a Índia seriam mercados, pois também têm produção de etanol. O Mercosul é um desafio. Não se sabe se, de fato, vai acontecer”, aponta Moreira. “No curto prazo, acho que o híbrido é o caminho. Agora, tem de ter vinculada aí uma política que garanta a oferta do etanol”, diz o secretário do MDIC.

O híbrido-flex parece ser o caminho, mas é preciso uma política para garantir a oferta do biocombustível

A maior parte das montadoras instaladas no País prefere hoje produzir o veículo híbrido-flex, com opções para o uso da eletricidade ou do etanol. O MDIC sempre disse que não fará sugestão de rota tecnológica preferencial para a descarbonização, deixando essa escolha a cargo de cada montadora, mas um estudo da ­

LCA/MTempo Capital, intitulado Trajetórias Tecnológicas Mais Eficientes para a Descarbonização da Mobilidade, aponta a importância do posicionamento estratégico do País no cenário global em relação a esse assunto. Caso a eletrificação da frota automotiva brasileira ocorra com predomínio dos veículos híbridos, haverá impactos positivos significativos devido à consolidação, no Brasil, do uso do etanol e do desenvolvimento das tecnologias associadas ao uso desse combustível por uma parcela significativa dos veículos.

Na hipótese de predomínio dos veículos elétricos à bateria, as análises indicam perdas potenciais para a economia brasileira. Os biocombustíveis renováveis ilustram, segundo o estudo, como a construção pioneira de vantagens comparativas, mediante longos processos de aprendizado e de investimento público e privado, capacita o Brasil a “abrir avenidas de protagonismo internacional”. São exemplos dessa possibilidade o etanol de segunda geração, o biometano, o biodiesel de várias fontes, o diesel verde, novos combustíveis sintéticos para diversos usos e o hidrogênio de baixa emissão de carbono.

Há nações com capacidade ou interesse no desenvolvimento da rota do etanol para uso misto em motores a combustão ou em veículos híbridos, caso dos EUA, México, Índia, Indonésia, Colômbia e Panamá. “Para esses países, há espaço interessante de cooperação em áreas nas quais o Brasil tem domínio de tecnologia e processos, a exemplo dos motores e componentes flexfuel, de veículos elétricos híbridos (HEV) e veículos elétricos híbridos plug-in (PHEV) a etanol”, sublinham os autores do estudo sobre trajetórias tecnológicas.

A tendência à eletrificação dos automóveis é, contudo, global e faz parte das estratégias de praticamente todas as montadoras. O avanço da eletrificação das frotas de veículos leves mundo afora é significativo. A participação de carros elétricos nas vendas totais globais passou de 9%, em 2021, para 14% em 2022. A participação da China beira 60%. “Esse crescimento pujante é fruto de quase uma década de políticas públicas para os early adopters, os pioneiros nessa tecnologia”, destaca o trabalho da LCA/MTempo Capital. Um exemplo dessas políticas, cabe acrescentar, é a concessão de 6 mil dólares de estímulo à compra de um carro elétrico produzido nos EUA. A Europa é o segundo maior mercado de elétricos, com 25% das vendas globais, com destaque para Noruega, Suécia, Holanda e Alemanha. Nos EUA, as vendas de veículos leves eletrificados representaram cerca de 8% do total em 2022.

Retorno. A China investiu muito para consolidar o carro elétrico como padrão mundial – Imagem: BYD Brasil

A corrida das montadoras estrangeiras para investir no Brasil e aproveitar os créditos do programa sugere uma retomada do potencial econômico do País e o acerto da política traduzida no Mover. “As empresas estão correndo para se habilitar, porque, se acabarem os 3,5 bilhões de ­reais em incentivo fiscal e financeiro deste ano, não vão ter mais como fazê-lo, a gente não tem dinheiro além disso”, diz Moreira. Os incentivos totalizarão 19,3 bilhões até 2028. Uma semana atrás, o MDIC habilitou as primeiras 23 empresas no programa e há 18 solicitações à espera.

O Mover prevê créditos financeiros para montadoras que investirem em pesquisa, desenvolvimento e produção tecnológica que contribuam para a descarbonização da frota de carros, ônibus e caminhões. A empresa que adere ao programa precisa gerar tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, agregar valor no Brasil, exportar, aumentar o grau de reciclagem dos produtos e descarbonizar. As montadoras participantes são obrigadas a cumprir um cronograma financeiro dos investimentos e apresentar a sua execução periodicamente, sob pena de não ter direito ao dinheiro do benefício fiscal, chama atenção Moreira.

O programa incentiva maior inserção nas cadeias globais de valor, diversificando o mercado e estimulando exportações, que é um avanço muito grande do programa. Dentro das suas rotas tecnológicas, explora biocombustível, hidrogênio verde, carros elétricos. Envolve qualificação do emprego, com preparação de trabalhadores para desenvolver as novas rotas tecnológicas, fortalecimento do ecossistema em pesquisa e desenvolvimento e prevê sanções administrativas se, eventualmente, empresas não cumprirem o cronograma de investimentos apresentado para ser habilitadas ao programa. Quanto mais a empresa aumentar o teor de produção local e a correspondente agregação de valor, maior será o benefício tributário e fiscal, mediante crédito financeiro.

O programa prevê um fundo para o setor de autopeças, dizimado com a abrupta abertura da economia na década de 1990

O Mover está integrado com outras políticas que exploram novas fontes energéticas para o processo de descarbonização como o programa Combustível do Futuro, ao Programa Brasileiro de Etiquetagem e ao Renovabio, e esse é outro fator de atração para os investimentos das empresas. “O critério talvez mais importante do projeto é que a empresa se beneficia conforme a agregação de valor. As que fizerem montagem simples ou CKD não podem ter o mesmo volume de benefícios tributários concedidos àquelas que fabricam aqui”, explica o secretário do MDIC.

O programa prevê ainda um fundo nacional para projetos do setor de autopeças, dizimado com a abertura indiscriminada dos anos 1990. Em 1994, 51,9% das empresas do setor eram de capital nacional e, em 2001, apenas 22,8%, aponta Moreira, autor de trabalho acadêmico sobre o tema.

O excerto a seguir, de um artigo publicado no portal da Bolsa Nasdaq, dos EUA, sugere uma repercussão do programa brasileiro além das fronteiras: “As montadoras estão acelerando os investimentos no Brasil em meio à crescente importância do País como centro de inovação automotiva e iniciativas de sustentabilidade. O País iniciou seu Programa Nacional de Mobilidade Verde e Inovação, com o objetivo de reduzir as emissões de carbono da frota automotiva por meio de incentivos fiscais”. •

Publicado na edição n° 1307 de CartaCapital, em 24 de abril de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Roda livre’

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