Economia

Regime de metas e estabilidade

As inovações financeiras e monetárias dinamitaram as bases teóricas do monetarismo

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A crise iniciada em 2007-2008 lançou dúvidas a respeito da eficácia dos regimes de metas de inflação. As dúvidas recaíram sobre as promessas do regime de metas de, simultaneamente, estabilizar o nível geral de preços e prevenir a ocorrência de ciclos de crédito fomentadores de “exuberância irracional” na precificação de ativos financeiros e imobiliários.

No coração da desconfiança está uma controvérsia sobre a natureza da moeda e de suas relações não só com a economia ­real, mas também com a finança, instância de circulação e avaliação das dívidas e dos direitos de propriedade. Keynes se dispôs a investigar as propriedades da Economia Monetária da Produção. Nela imperam a divisão do trabalho, a propriedade privada das empresas, o pagamento de salários monetários aos trabalhadores e a criação endógena da moeda de crédito pelos bancos.

Nessa economia, as expectativas dos empresários a respeito dos lucros futuros, ou seja, da captura dos ganhos proporcionados pelo aumento da produtividade social do trabalho, só são viabilizadas mediante o adiantamento de capital monetário. Isso, por sua vez, impulsiona a competição pela inovação tecnológica incorporada nas novas gerações de insumos e equipamentos. As relações de crédito-débito e as ações geram um estoque de direitos de propriedade e de apropriação sobre a riqueza e a renda da sociedade. As avaliações desses direitos nos mercados especializados passam a comandar as condições em que o crédito é ofertado pelos bancos e demandado pelas empresas. Elas determinam o ponto de demanda efetiva, ou seja, o estado de expectativas que gera o volume de gasto destinado à “criação” de valor, ou seja, da renda (salários, lucros e juros) da “economia real”.

O desenvolvimento da economia monetária da produção suscitou a integração do sistema de crédito à lógica da acumulação produtiva e promoveu a concentração dos haveres monetários nos bancos de depósito e da riqueza financeira nas instituições de intermediação, como os bancos de investimento e os fundos de poupança institucionais. Os sucessivos ciclos de expansão da economia multiplicaram as relações débito-crédito e “incharam” os circuitos de negociação da riqueza monetária e financeira, ampliando a capacidade de multiplicação da moeda e, portanto, de criação endógena de liquidez pelo sistema de crédito.

Na era da desregulamentação dos mercados, a crescente integração entre as instituições bancárias, bancos de investimento e investidores institucionais foi acompanhada da internacionalização financeira. Juntas, elas ensejaram as condições para a elevação do coeficiente global de alavancagem, o que levou à exasperação da corrida especulativa e à aceleração dos rearranjos de carteira. A combinação entre esses fenômenos acentuou o caráter pró-cíclico da expansão do crédito, fonte de desequilíbrios cumulativos nos balanços de bancos, famílias, empresas e países.

Nesse ambiente de instabilidade financeira naufragaram as políticas monetaristas empenhadas no controle dos agregados monetários e amparadas nos supostos de uma oferta de moeda exógena e da estabilidade da demanda por moeda como ativo líquido, ou seja, como forma última da riqueza capitalista. Desgraçadamente, as inovações financeiras produziram os substitutos próximos da moeda de crédito criada sob a forma de depósitos à vista. A gestão dos estoques de riqueza passou a contemplar a liquidez das quase moedas, tornando instável o comportamento dos agregados monetários. As inovações financeiras e monetárias dinamitaram as bases teóricas do monetarismo encalacrado na relação entre a variação no estoque de moeda e a variação do nível geral de preços.

O fracasso do monetarismo abriu espaço para o regime de metas de inflação. Os modelos de metas têm o propósito de definir a regra ótima de reação do Banco Central. Trata-se da regra que, ao longo do tempo, fortalece a confiança dos mercados no manejo da taxa de juro de curto prazo entregue à responsabilidade dos BCs. Ao adequar suas decisões às expectativas (racionais) dos formadores de preços e dos detentores de riqueza, os bancos centrais tornam mais suave o processo de manutenção da estabilidade, reduzindo a amplitude das flutuações da renda e do emprego. “O problema da formação das antecipações de inflação, ou seja, da confiança no valor da moeda, é um jogo de coordenação de expectativas com equilíbrios múltiplos. Incumbe à política monetária fixar um ponto focal que permite aos agentes eliminar todos os “equilíbrios”, salvo uma banda estrita de variação.” (Michel Aglietta, em A Renovação das Políticas Monetárias).

O regime de metas abandonou o quantitativíssimo, mas as relações de exterioridade entre moeda, crédito, finança e economia real não saíram do regime de metas. A estabilidade da demanda de moeda cedeu lugar à estabilização pelo Banco Central das expectativas dos agentes racionais formadores de preços. Ainda subsiste a suposição de que a estabilidade de preços é condição necessária e suficiente para salvaguardar a estabilidade financeira.

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