Economia

Real? Não, mumbuca: candidatos prometem copiar moeda única de Maricá

Ela só pode ser usada no município, o que movimenta o comércio e os serviços locais e garante um incremento da receita de impostos

Mumbuca
A mumbuca ganhou fama internacional e serve de base para propostas de campanha pelo Brasil. Foto: Prefeitura de Maricá/RJ A mumbuca ganhou fama internacional e serve de base para propostas de campanha pelo Brasil. Foto: Prefeitura de Maricá/RJ
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A pequena Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro, voltou a ganhar destaque nas eleições municipais deste ano. Não pela disputa na cidade, mas por uma ideia que tem atraído a atenção da mídia estrangeira nos últimos anos e entrou no programa de governo de candidatos Brasil afora, principalmente do campo progressista. Criada em 2013, a mumbuca, moeda local, é a base de um projeto de transferência de renda que repassa 130 reais por mês a 42,5 mil habitantes que ganham até três salários mínimos, um quarto da população. O segredo da mumbuca? Ela só pode ser usada no município, o que movimenta o comércio e os serviços locais e garante um incremento da receita de impostos. Um círculo virtuoso no qual todos ganham.

Premiada com o repasse dos royalties do petróleo, Maricá valeu-se dos ganhos recentes com a descoberta do pré-sal para ampliar o programa. A pandemia adiou a apresentação de uma pesquisa sobre os impactos da renda básica na cidade, mas Fábio Waltenberg, professor de Economia da Universidade Federal Fluminense, garante que eles têm sido expressivos. “O projeto chegou a distribuir 300 reais no auge da crise da Covid-19, colocou bastante dinheiro em circulação e fez o município garantir saldo positivo de empregos, mesmo nos piores meses da doença.” 

O projeto nasceu para combater a extrema pobreza, mas, na esteira do Bolsa Família, mostrou-se um potente estímulo à economia da cidade. Segundo Waltenberg, o interesse pela mumbuca e o debate a respeito da adoção de programas de renda mínima conectam-se a uma discussão urgente no Brasil. “Em outros países há políticas de transferência mais ligadas ao desemprego e o avanço dessa discussão nos faz entrar em discussões sobre a taxação das grandes fortunas.”

O dinheiro só circula na cidade, forma de estimular o comércio e os serviços locais

As propostas de Benedita da Silva, Manuela d’Ávila, Celso Russomanno, Guilherme Boulos, João Derly e Jilmar Tatto, entre outros, indicam que a adoção de um programa de renda mínima extrapola o campo progressista. A “moeda social” de Benedita da Silva, candidata do PT no Rio de Janeiro, visa distribuir recursos entre moradores de favelas. Como a mumbuca, ela só poderia ser usada na área onde vive o beneficiário. Russomanno, aliado de Bolsonaro e representante do Republicanos em São Paulo, promete instituir um auxílio emergencial paulistano, complementar ao valor pago pelo governo federal, proposta parecida àquela aprovada pela Câmara paulistana no dia 22, projeto de autoria do vereador Eduardo Suplicy, do PT, e que garante aos mais pobres 100 reais até o fim deste ano. Em Porto Alegre, Manuela d’Ávila sugere um complemento de 100 reais a benefícios sociais existentes, limitado a famílias com crianças de 0 a 6 anos de idade, enquanto um concorrente na disputa, o ex-judoca João Derly, anuncia um programa que une o combate à pobreza ao estímulo ao empreendedorismo. 

Em formas e valores distintos, as promessas de campanha miram em um primeiro momento a redução dos impactos da crise econômica e social aprofundada pela pandemia. O desemprego no País está em 14,4% e tende a crescer nos próximos meses, segundo os especialistas, por conta das incertezas em relação ao ritmo de recuperação da economia. A fome também voltou a assombrar os brasileiros após alguns anos. De cunho liberal, a proposta de renda básica universal vai, no entanto, além do combate à miséria. Fora do Brasil, há quem proponha um pagamento regular a todos os cidadãos, sem distinção de renda, como uma forma de atenuar os efeitos do desemprego gerados pelo avanço da tecnologia e do uso de robôs nas atividades produtivas.  

Embora os programas de transferência de renda não sejam novidade no Brasil, a pandemia e os efeitos do auxílio emergencial de 600 reais, definido pelo Congresso contra a vontade de Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, foram decisivos para o assunto ganhar relevância no debate eleitoral. “O auxílio emergencial usou o discurso da renda básica construída durante anos, mesmo que esse caso tenha mais a ver com o cenário da pandemia em si. Ainda que nem todas as propostas sejam exatamente de renda básica no sentido conceitual do termo, acreditamos que isso contribui para o avanço dessa política, e por isso não há problema em reivindicar esse nome”, afirma Leandro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica. Na esteira do auxílio emergencial e do seu fim anunciado para dezembro por Guedes, alguns municípios tentam aprovar na Câmara de Vereadores repasses com recursos próprios.

Um dos problemas é saber se cidades sem fontes de receita dos royalties do petróleo como Maricá teriam fôlego para adotar uma moeda local. Segundo os pesquisadores, cada município precisa estudar um modelo próprio e eficiente, adaptado à realidade local. “Todo município tem condições de dar os primeiros passos no sentido de uma política de renda básica, seja com um programa novo, seja com complementos ao Bolsa Família, usando a rede de assistência social existente e com baixo custo operacional”, sugere Ferreira.

Ainda na esteira do auxílio emergencial, políticas de transferência de renda, tidas como “compra de voto” pelos “bem-pensantes”, têm sido vistas com outros olhos. Os 600 reais distribuídos pelo governo atingiram um público mais amplo que o do Bolsa Família e levaram a “uma mudança de paradigma”, avalia Waltenberg. “É lógico que o auxílio não teria acontecido num ano normal, mas com ele muita gente deixou de passar fome. Fomos além do clássico ‘mitigar a pobreza e reduzir a desigualdade’. A economia do País cairá, no entanto, menos do que o esperado no início da pandemia, o que reflete o efeito multiplicador das políticas de transferência de renda.” É o avesso da austeridade.

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