Economia

Quase dois anos depois, a reforma trabalhista não entrega o prometido

Ao contrário do alardeado por defensores, a desregulamentação não aumentou a competitividade nem gerou postos de trabalho, revela livro

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Entre os inúmeros retrocessos que têm ocorrido no Brasil desde o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016, talvez um dos mais deletérios tenha sido a aprovação da reforma trabalhista que, desde quando entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, lançou os trabalhadores do país à toda sorte de incertezas de um sistema de regulação do trabalho muitíssimo precário.

No livro Reforma trabalhista: promessas e realidade, um grupo de especialistas de reconhecida competência sobre o assunto trata de analisar os primeiros impactos da reforma sobre o mercado de trabalho e, também, sobre a economia brasileira.

Vale recordar que entre as motivações das forças políticas e econômicas que batalharam pela reforma, o argumento econômico foi sempre empunhado de forma enfática, alegando-se que a rigidez da longeva CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e os custos associados à regulação do trabalho no Brasil encareciam demasiadamente o preço de nossa mão de obra, diminuindo a competitividade das empresas nacionais e comprometendo a capacidade de incorporação de trabalhadores no mercado de trabalho brasileiro.

Passados quase dois anos de vigência do novo padrão de (des)regulação do trabalho inaugurado pela Lei nº 13.467, não apenas as promessas se mostraram equivocadas e falaciosas, como o que se pode observar é a inexistência de qualquer impulso à atividade econômica e uma deterioração acelerada das condições do trabalho no país.

Como assinala Marilane Teixeira, uma das autoras do livro, “é um paradoxo esperar que a reforma trabalhista que flexibiliza direitos e gera vulnerabilidades possa alavancar a atividade econômica, uma vez que o consumo das famílias, que responde por 64% do PIB, será imediatamente afetado pelo efeito de postos de trabalho mais precários e inseguros”. De fato, a classe empresarial parece não ter se entusiasmado com os mais de cem artigos da CLT que foram alterados pela reforma de 2017. De acordo com os números mais recentes do IBGE, a taxa de investimento do país segue estagnada em seu mais baixo patamar dos último 50 anos (15,8% do PIB) sendo que o investimento privado tem apresentado trajetória ainda pior, com sua taxa recuando de 13,8% do PIB em 2016 para tão somente 13,4% em 2018.

Capa do livro Reforma Trabalhista: Promessas e Realidade

Entretanto, os efeitos mais severos e preocupantes da reforma trabalhista não são propriamente os econômicos – que em grande medida eram apenas bandeiras para seduzir os incautos -, mas sim aqueles que se manifestam no mercado de trabalho, nas possibilidades de acesso à justiça do trabalho, na organização sindical e nas condições de trabalho. E, como demonstram os autores do livro, em todas estas dimensões a reforma trabalhista tem produzido resultados bastante ruins ou, na melhor das hipóteses, tem sido incapaz de garantir avanços qualitativos de um mercado de trabalho muito castigado pela crise econômica que alcança o país desde 2015.

A taxa de desocupação, por exemplo, que no quarto trimestre de 2017 (quando a reforma entrou em vigor) era de 11,8%, permanece exatamente no mesmo patamar do trimestre encerrado no último mês de agosto, enquanto a taxa de trabalhadores subutilizados (desocupados + desalentados + subocupados) cresceu ao longo do período pós-reforma, saltando de 23,9% em 2017 para 24,3% em agosto de 2019.

Além disso, outro dado um tanto surpreendente – ao menos para aqueles que apostavam no caráter virtuoso das inovações contratuais introduzidas pela reforma – é o do aumento da informalidade, que tem alcançado níveis recordes no país. De acordo com a Pnad Contínua, do IBGE, 41,4% dos trabalhadores ocupados no trimestre encerrado em agosto encontravam-se na informalidade, sendo que dos novos postos de trabalho criados entre junho e agosto 87,1% eram informais. Ou seja, como afirma Vitor Filgueiras, outro autor do livro, “a reforma não parece influenciar positivamente nem a decisão de criação do posto de trabalho, nem a decisão de formalização”.

E como entender essa fragorosa inépcia da reforma, especialmente no tocante à formalização? Conforme pode-se depreender das discussões apresentadas por José Dari Krein, Roberto Veras e Renata Dutra em seus respectivos capítulos, uma hipótese bastante plausível é que a classe patronal, ciente das maiores dificuldades de acesso à Justiça do Trabalho por parte dos trabalhadores, sente-se estimulada a correr mais riscos, preferindo se beneficiar dos ganhos econômicos que derivam dos vínculos informais e precários.

Por fim, além de outras reflexões importantes sobre os prováveis impactos da Reforma nas condições de trabalho, na arrecadação previdenciária, no avanço da “pejotização” e no crescimento dos ocupados por conta-própria, o livro também chama a atenção para a fragilização da representação sindical – agravada pelo fim da obrigatoriedade do imposto sindical – (capítulo escrito por Andreia Galvão) e para a queda do número de acordos e convenções coletivas de trabalho que foram registrados no primeiro ano de vigência do novo marco regulatório (capítulo a cargo de Clovis Scherer).

De um modo geral, embora a persistência da crise econômica restrinja a abrangência da análise a respeito das implicações possíveis da profunda reestruturação do sistema de regulação do trabalho brasileiro e o período de tempo transcorrido desde a reforma ainda seja curto, o livro contribui em muito para o melhor entendimento de retrocessos que já se fazem patentes e que além de disfuncionais e socialmente injustificados, apontam no sentido inverso daquele que era anunciado pelos defensores da reforma trabalhista de 2017.

* Reforma Trabalhista: promessas e realidade, de José Dari Krein, Roberto Véras de Oliveira e Vitor Araújo Filgueiras (organizadores) tem acesso online gratuito.

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