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Protegidos no casulo

As empresas enfrentam resistência dos funcionários no retorno aos escritórios pós-pandemia

A flexibilidade é novo fator de satisfação dos trabalhadores - Imagem: iStockphoto
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“Você não esteve no escritório nesta semana. Por quê?” O trabalhador em questão não esperava esse e-mail do chefe. Baseado na Ásia, mas funcionário de uma grande organização de mídia dos Estados Unidos, ele estava numa viagem de trabalho ao exterior, e como não passou seu crachá nas catracas do prédio enquanto estava fora provocou um alerta. Este é um exemplo extremo de líderes empresariais que se esforçam para reverter os hábitos pandêmicos do trabalho em casa, mas reflete uma batalha cada vez mais tensa em organizações públicas e privadas.

Meses após a suspensão das restrições da Covid-19 no Reino Unido, não houve um retorno em larga escala dos funcionários de escritório às suas mesas. Agora, um cabo de guerra entre aqueles que desejam ver flexibilidade onde, e às vezes quando, os empregados trabalham e aquelas que desejam retornar aos padrões pré-pandêmicos.

De um lado estão os muitos trabalhadores que dizem que desempenhar ­suas funções remotamente e gastar menos tempo – e dinheiro – em transporte melhorou seu equilíbrio entre vida profissional e pessoal, dando-lhes mais tempo com a família e maior produtividade. Do outro estão os gerentes frustrados de grandes ocupantes de escritórios que dizem querer reanimar seus locais de trabalho com a colaboração e a criatividade que vêm da interação pessoal.

Muitos chefes esperavam que o fim das férias de verão trouxesse mais funcionários de volta às suas mesas. De acordo com a consultoria imobiliária Remit, na primeira semana de trabalho completa de setembro, o número médio diário de funcionários na Inglaterra e no País de Gales a trabalhar no escritório atingiu seu nível mais alto desde maio de 2021. Mas essa alta foi de apenas 31%. Em Londres, a ocupação de escritórios atingiu 50% em certos dias da semana até 9 de setembro no West End e, talvez sem surpresa, nas ­Docklands, sede de muitos bancos e instituições financeiras que têm defendido ruidosamente a volta ao escritório.

Este é um sinal de um “retorno lento, mas sustentado, ao local de trabalho”, de acordo com Lorna Landells, da Remit, embora os dados também mostrem que os funcionários estão muito mais propensos a comparecer nos dias “principais” no meio da semana do que na segunda ou na sexta-feira. O número de passageiros que viajam no metrô de Londres aumentou lentamente, mas permanece cerca de um quarto abaixo dos níveis pré-pandêmicos.

Como as organizações gerenciam o trabalho híbrido – onde os colegas dividem seu tempo entre o escritório e a casa ou outro local remoto – esteve no topo da agenda em uma recente conferência de recursos humanos em Docklands, organizada pela consultoria Gartner e com a participação de equipes de RH de algumas das maiores empresas do Reino Unido. As empresas estão “presas num ciclo vicioso”, diz Alexia Cambon, diretora de pesquisa da Gartner. “A maioria das organizações com quem falo tenta comercializar o escritório como um local de colaboração, comunidade e conexão. Quando você diz aos seus funcionários que a proposta de valor única do escritório são os outros, mas entra no escritório e ninguém está lá, você os prepara para a decepção.” Cambon acrescentou: “É um enigma interessante que as organizações enfrentam, ao comercializar o escritório como eles querem que seja, não o que é”.

Muitos empregados dizem que o trabalho remoto permitiu equilibrar a vida profissional e pessoal

Outra preocupação para os chefes é que o trabalho remoto torna os funcionários mais propensos a abandonar o navio por melhores salários, condições ou progressão na carreira. A rotatividade é 20% maior do que na pré-pandemia, de acordo com uma pesquisa da Gartner, embora parte dessa rotatividade seja ­resultado do desemprego mais baixo desde 1974 e dos níveis recordes de vacância que colocam o poder nas mãos dos funcionários e não dos empregadores. Cambon argumenta que os padrões híbridos aumentam a lealdade, em vez de reduzi-la. “Todos os dados dizem que, se você eliminar o trabalho flexível, os funcionários vão sair. A flexibilidade é vista não como um privilégio, mas como um direito.”

A gigante de tecnologia norte-americana Apple aprendeu isso a seu próprio custo neste verão, quando circulou um memorando do presidente-executivo, Tim Cook, no qual se dizia aos funcionários que eles teriam de ir ao escritório ao menos três dias por semana a partir de setembro, incluídas terças e quintas-feiras. Um grupo de trabalhadores lançou uma petição na qual argumentavam que a medida corria o risco de sufocar a diversidade e o bem-estar. Ao menos um funcionário de alto nível se demitiu. Ian Goodfellow disse que deixou o cargo de diretor de aprendizado de máquina e migrou para o Google, em parte por causa dos acordos de trabalho mais flexíveis na empresa rival.

Enquanto as empresas do Reino Unido querem seus funcionários no local de trabalho, poucas parecem dispostas a ordenar o comparecimento, como fez a organização de mídia dos Estados Unidos que monitorava catracas. Brian Kropp, chefe de pesquisa de RH da Gartner, disse que 43% das empresas pesquisadas não rastreiam a presença de funcionários no escritório e poucas demitiriam aqueles que se recusarem. “O que acontece se alguém não aparecer com tanta frequência? A resposta de um bom número de empresas é que teremos uma boa conversa para descobrir o porquê”, resumiu Kropp. “E depois dessa boa conversa, se você achar que eles não têm uma boa razão para não vir, o que você vai fazer, a resposta é que teremos outra boa conversa com eles.”

O trabalho híbrido também reduz a ocupação do edifício e deixa muitas grandes empresas aflitas em como gerenciar seu espaço quando os contratos de aluguel forem renovados. O HSBC informou recentemente à equipe que analisa se manterá sua sede global em Canary Wharf, em Londres, onde está instalada há mais de duas décadas, após o vencimento do contrato de locação da torre de 45 andares em 2027. Essas empresas ainda vinculadas a seus arrendamentos discutem como administrar espaços de trabalho parcialmente cheios neste inverno, à medida que as contas de energia aumentam. “Se você tem muito espaço de escritório, sai caro aquecê-lo”, explica Kropp. “Muitos empregadores fizeram as contas e dizem que não vale a pena.” Um resultado, de acordo com Kropp, é que as empresas planejam desligar o aquecimento e a energia em determinados andares, ou mesmo em dias tranquilos. O que ainda não está claro é se o clima frio fará o que os chefes não conseguiram: empurrar funcionários relutantes de volta aos escritórios para economizar em suas contas domésticas. •


Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1229 DE CARTACAPITAL, EM 12 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Protegidos no casulo “

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