Economia
Primeiro apito
Quase duas décadas após o início das obras, a ferrovia iniciará sua operação até o fim do ano


Com 1,2 mil quilômetros de extensão e investimento estimado em 15 bilhões de reais, o eixo da Transnordestina que liga o estado do Piauí ao Porto do Pecém – localizado a 60 quilômetros de Fortaleza – deve ter seu primeiro trecho inaugurado ainda este ano. Entre os meses de outubro e novembro, a concessionária TLSA iniciará o transporte de mercadorias do Terminal Intermodal de Bela Vista do Piauí até o município de Iguatu, no centro-sul do Ceará, em uma operação comissionada, em fase de testes.
Em meados de julho, durante visita a um dos trechos já concluídos da ferrovia, no município cearense de Missão Velha, na região do Cariri, o presidente Lula classificou o projeto como “o maior empreendimento logístico do Nordeste” e prometeu inaugurá-lo até o fim de seu mandato. Na ocasião, garantiu que “não faltará dinheiro para concluir a Transnordestina” e anunciou a liberação de 1,4 bilhão de reais do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), cujos recursos são administrados pela Sudene.
A ferrovia passará por 53 municípios entre Eliseu Martins (PI) e o Porto do Pecém (CE), incluindo a cidade de Salgueiro (PE), um ponto estratégico da Transnordestina. De lá, parte da produção de grãos da região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) deverá ser escoada futuramente para o Porto de Suape, localizado a cerca de 40 quilômetros do Recife. A construção desse ramal está sob responsabilidade da estatal Infra S.A., vinculada ao Ministério dos Transportes.
O primeiro trecho ligará Bela Vista do Piauí a Iguatu, no interior do Ceará. Em 2027, chegará ao Porto do Pecém
Mais de 75% da primeira fase da Transnordestina está concluída, o equivalente a 676 quilômetros. Outros 280 quilômetros estão em execução, com 4 bilhões de reais em contratos firmados e a geração de mais de 4 mil empregos. A previsão é de que, em 2027, a ferrovia chegue ao Pecém e, em 2028, o trecho entre Eliseu Martins e Bela Vista esteja concluído, totalizando 100% do percurso entre o Piauí e Fortaleza. Segundo o Ministério dos Transportes, a circulação de trens no ramal que liga esses dois estados poderá ocorrer de forma independente do trecho pernambucano, até Suape, e novos trajetos poderão ser incorporados progressivamente à operação.
“A Transnordestina é a maior obra linear do Brasil hoje, projeto de uma pujança espetacular. É um equipamento logístico que vai mudar a cara do Nordeste brasileiro e diminuir as distâncias até os melhores mercados de exportação”, discursou Tufi Daher Filho, presidente da TLSA, ao apresentar o cronograma da obra ao presidente Lula e sua comitiva, em Missão Velha. Presente no evento, o ministro dos Transportes, Renan Filho, destacou a importância do empreendimento para a região. “Vou carregar sempre o orgulho de ter retomado obras importantes no Brasil, e no meu coração vai morar a conclusão das obras da Transnordestina, que representa o maior investimento para o desenvolvimento do Nordeste”, disse. “Não é só uma ferrovia, é um vetor de desenvolvimento e integração regional”, completou o ministro da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes.
A expectativa do governo federal é de que o projeto gere um impacto positivo de 7 bilhões de reais no Produto Interno Bruto (PIB) da região, em decorrência da redução dos custos logísticos para o escoamento de grãos do Semiárido e de outras mercadorias, do aumento da competitividade regional e da atração de novos investimentos. As obras do ramal pernambucano foram paralisadas em 2016 e começaram a ser retomadas no atual governo Lula, que garantiu o repasse de 450 milhões de reais por meio do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). Dos mais de 500 quilômetros de extensão projetados, somente 38% estão concluídos. Em parte, o atraso se deve à exclusão da concessionária TLSA – responsável pela maior porção do projeto – da construção do trecho entre Salgueiro e Suape. A Infra S.A. estima que a obra será concluída até 2029. Ainda segundo a estatal, pode haver, antes desse prazo, uma nova concessão para a iniciativa privada.
Fonte: Elaboração própria, com informações do Governo Federal, da Transnordestina Logística S.A. e da Infra S.A.
Na quinta-feira 24, a Sudene firmou um convênio com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) para a realização de dois estudos técnicos sobre esse percurso específico. O primeiro analisará a viabilidade de um novo trecho da ferrovia, ligando os municípios de Salgueiro e Petrolina, com o objetivo de escoar a produção da fruticultura irrigada do Vale do São Francisco, além de facilitar a conexão com os portos de Suape e do Pecém e de integrar a Hidrovia do Rio São Francisco à malha ferroviária nordestina. O segundo estudo será voltado para a retomada do transporte de passageiros entre as cidades de Recife e Caruaru, com foco no aperfeiçoamento do antigo traçado ferroviário com tecnologias mais modernas. A previsão é de que as pesquisas da UFPE sejam concluídas até o primeiro semestre de 2026.
De acordo com a Infra S.A., a estratégia será aproveitar ao máximo o traçado originalmente projetado, com atualizações pontuais. A empresa acrescenta que a primeira licitação deve ocorrer ainda no segundo semestre deste ano, para a construção do trecho entre os municípios de Custódia e Arcoverde, no sertão do estado, com previsão de contratação da obra no primeiro trimestre de 2026. O investimento estimado é de 600 milhões de reais, com recursos do Orçamento Geral da União.
André Teixeira Filho, secretário de Mobilidade e Infraestrutura de Pernambuco, classifica o empreendimento como um sonho a ser realizado. “A Transnordestina tem um papel primordial e estratégico no desenvolvimento econômico e logístico do estado. É uma obra sonhada há muito tempo, que dará condições de competitividade para o Porto de Suape”, afirma o secretário, acrescentando que Pernambuco tem um escoamento de cargas que ultrapassa os limites regionais. “A conexão ferroviária consolidará Suape como um hub logístico internacional.”
“A Transnordestina deveria conectar-se às Rotas de Integração Sul-Americana”, opina Tânia Bacelar
Para a economista Tânia Bacelar, pesquisadora experiente em grandes projetos de infraestrutura, a Transnordestina tornou-se obsoleta, uma obra datada do fim da década de 1950 e iniciada há quase 20 anos. Ela cita a necessidade de a ferrovia dialogar com o projeto Rotas de Integração Sul-Americana – a menina dos olhos da ministra do Planejamento, Simone Tebet. A ideia é ligar o Brasil a vários países da América do Sul, com o objetivo de reduzir o tempo e o custo do transporte de mercadorias brasileiras e seus vizinhos e a Ásia. O projeto envolve 11 estados, nenhum deles do Nordeste.
“A Transnordestina amplia o potencial de multimodalidade, mas beneficia sobretudo o Piauí e o Ceará. A visão macrorregional está sendo subestimada. A Transnordestina precisa chegar à ferrovia Norte–Sul, para que o Nordeste dialogue com o novo momento dos investimentos ferroviários do Brasil, do continente sul-americano e da China”, avalia Bacelar, defendendo que a Transnordestina chegue até a região do Matopiba pelo estado do Tocantins e, de lá, alcance uma das Rotas de Integração Sul-Americana.
“A gente está discutindo a Transnordestina com a cabeça no passado. O Brasil já caminhou em outra direção. O único estado do Nordeste que está tentando entrar no projeto das Rotas de Integração Sul-Americana é a Bahia, por meio da malha bioceânica, os demais estão fora”, opina a economista, que define o projeto em curso como a “velha Transnordestina” e defende a criação de uma “nova Transnordestina”, interligada à Ferrovia Norte-Sul. “O governo poderia aproveitar a velha Transnordestina e ampliá-la, para que chegue até a Norte–Sul, passando por Tocantins. Não é muita coisa: é uma extensão pequena, que liga o Piauí ao Tocantins”, conclui. •
Publicado na edição n° 1373 de CartaCapital, em 06 de agosto de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Primeiro apito’
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