Economia

Pragmatismo desenvolvimentista ou protecionismo frívolo?

O governo quer mudar a tributação para importar produtos no Brasil. Mas a mudança seria um problema para o desenvolvimento nacional

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*Por Felipe Amin Filomeno*

Recentemente, o governo federal anunciou a intenção de mudar a tributação da importação de produtos do vestuário, com a finalidade de proteger a indústria têxtil nacional da competição estrangeira (chinesa, especialmente). Até agora, a indústria têxtil brasileira vinha se beneficiando da mais alta tarifa ad valorem sobre importados permitida pela Organização Mundial do Comércio (35%), mas, mesmo assim, seus representantes demandaram sua substituição por um valor fixo a ser cobrado sobre o quilo de qualquer peça de vestuário importada, independemente de seu preço. Ao contrário de outras medidas adotadas pelo governo para fortalecer o Brasil diante da crise mundial e dos desafios apresentados pela ascensão da China, esta mudança é um problema para o desenvolvimento brasileiro do ponto de vista econômico e social.

A conjuntura histórica atual do sistema capitalista mundial apresenta sérios desafios para o Brasil. De um lado, a China emerge como potência econômica e política, e ainda não são claros os efeitos líquidos de sua ascensão sobre países semi-periféricos como o Brasil. Importações chinesas eliminam postos de trabalho no País, mas a exportação de commodities para a Ásia gera recursos capazes de alavancar o desenvolvimento. Por outro lado, a crise mundial deflagrada em 2008 ameaça interromper a trajetória de crescimento econômico iniciada no governo Lula sob condições mundiais favoráveis no que tange o comércio internacional e os fluxos mundiais de capital.

Diante disso, o governo brasileiro tem agido pragmaticamente, adotando medidas para aumentar a competitividade da indústria nacional e manter a trajetória de crescimento econômico com distribuição de renda. Exemplos disto são o pacote de desoneração fiscal de certos setores industriais (incluindo o têxtil), que é parte do Plano Brasil Maior, e o aumento real concedido recentemente ao salário mínimo de cerca de 9%. Em contraste, a mudança proposta na tributação da importação de produtos do vestuário não contribui para a competitividade de longo prazo da indústria nacional e tem efeito regressivo sobre a distribuição de renda.

Em relação ao aspecto econômico, é preciso lembrar que medidas protecionistas são justificáveis para indústrias infantes, que, por seu grau incipiente de desenvolvimento, precisam ser protegidas da competição estrangeira para prosperarem. Neste caso, a proteção é especialmente justificada para indústrias operando na fronteira da inovação, pois são estas as mais arriscadas e mais capazes de promover o desenvolvimento de um país. Porém, uma vez que a indústria nacional tenha atingido a maturidade, a proteção deve ser gradualmente eliminada, sob pena de se cultivar uma indústria ineficiente que vende produtos caros ao consumidor local. Outros motivos razoáveis para medidas de proteção são a estabilidade social, a segurança alimentar e energética.

Nenhum destes, contudo, é o caso da indústria têxtil brasileira. De uma perspectiva histórico-mundial, esta atividade está longe de ser indústria infante. Foi uma das bases da ascensão da Inglaterra à posição hegemônica no sistema mundial no século XVIII e, no Brasil, existe há mais de um século. A própria transferência da indústria têxtil da Europa para países em desenvolvimento do fim do século XIX ao início do século XX já foi sintomática da perda de seu status de indústria líder. A história do capitalismo mostra que atividades industriais migram do centro para a periferia do sistema mundial quando a concorrência no setor já é acirrada, inovações tecnológicas foram rotinizadas, e, por isso, lucros extraordinários já não são mais possíveis. As raízes teóricas deste argumento remetem à Karl Marx e Joseph Schumpeter.

Em relação ao aspecto social, a medida protecionista em discussão agrava o já regressivo regime tributário brasileiro (em que os pobres pagam proporcionalmente mais impostos do que os ricos). Quando a tarifa alfandegária é cobrada proporcionalmente ao preço do produto importado, a tributação é neutra em relação à distribuição de renda. Todavia, quando um tailleur caro e um moleton barato são taxados com igual valor absoluto por terem o mesmo peso, o pobre que compra o moleton paga proporcionalmente mais do que o rico que veste o tailleur. A medida é, portanto, incoerente com os esforços do governo em reduzir a altíssima desigualdade de renda existente no país.

É importante proteger o Brasil da crise mundial e administrar nossas relações com a China de modo a capitalizar seus aspectos cooperativos e minimizar o custo de seus aspectos competitivos. O Brasil precisa de política industrial, de câmbio competitivo, de ciência e tecnologia, e de educação. Porém, proteger um setor maduro da indústria nacional, que já se beneficia de altas tarifas de importação, sem compromisso de performance exigido, e onerando consumidores de baixa renda, não é o melhor caminho. Em vista disso, no mínimo torçamos para que a receita tributária decorrente destas medidas protecionistas seja usada para converter o capital industrial nacional em setores de fronteira tecnológica, onde o Brasil deve ocupar nichos que garantam pelo menos a manutenção da posição intermediária que ocupa na hierarquia mundial de riqueza.

*Economista e sociólogo, doutorando em Sociologia pela Johns Hopkins University (EUA).

*Por Felipe Amin Filomeno*

Recentemente, o governo federal anunciou a intenção de mudar a tributação da importação de produtos do vestuário, com a finalidade de proteger a indústria têxtil nacional da competição estrangeira (chinesa, especialmente). Até agora, a indústria têxtil brasileira vinha se beneficiando da mais alta tarifa ad valorem sobre importados permitida pela Organização Mundial do Comércio (35%), mas, mesmo assim, seus representantes demandaram sua substituição por um valor fixo a ser cobrado sobre o quilo de qualquer peça de vestuário importada, independemente de seu preço. Ao contrário de outras medidas adotadas pelo governo para fortalecer o Brasil diante da crise mundial e dos desafios apresentados pela ascensão da China, esta mudança é um problema para o desenvolvimento brasileiro do ponto de vista econômico e social.

A conjuntura histórica atual do sistema capitalista mundial apresenta sérios desafios para o Brasil. De um lado, a China emerge como potência econômica e política, e ainda não são claros os efeitos líquidos de sua ascensão sobre países semi-periféricos como o Brasil. Importações chinesas eliminam postos de trabalho no País, mas a exportação de commodities para a Ásia gera recursos capazes de alavancar o desenvolvimento. Por outro lado, a crise mundial deflagrada em 2008 ameaça interromper a trajetória de crescimento econômico iniciada no governo Lula sob condições mundiais favoráveis no que tange o comércio internacional e os fluxos mundiais de capital.

Diante disso, o governo brasileiro tem agido pragmaticamente, adotando medidas para aumentar a competitividade da indústria nacional e manter a trajetória de crescimento econômico com distribuição de renda. Exemplos disto são o pacote de desoneração fiscal de certos setores industriais (incluindo o têxtil), que é parte do Plano Brasil Maior, e o aumento real concedido recentemente ao salário mínimo de cerca de 9%. Em contraste, a mudança proposta na tributação da importação de produtos do vestuário não contribui para a competitividade de longo prazo da indústria nacional e tem efeito regressivo sobre a distribuição de renda.

Em relação ao aspecto econômico, é preciso lembrar que medidas protecionistas são justificáveis para indústrias infantes, que, por seu grau incipiente de desenvolvimento, precisam ser protegidas da competição estrangeira para prosperarem. Neste caso, a proteção é especialmente justificada para indústrias operando na fronteira da inovação, pois são estas as mais arriscadas e mais capazes de promover o desenvolvimento de um país. Porém, uma vez que a indústria nacional tenha atingido a maturidade, a proteção deve ser gradualmente eliminada, sob pena de se cultivar uma indústria ineficiente que vende produtos caros ao consumidor local. Outros motivos razoáveis para medidas de proteção são a estabilidade social, a segurança alimentar e energética.

Nenhum destes, contudo, é o caso da indústria têxtil brasileira. De uma perspectiva histórico-mundial, esta atividade está longe de ser indústria infante. Foi uma das bases da ascensão da Inglaterra à posição hegemônica no sistema mundial no século XVIII e, no Brasil, existe há mais de um século. A própria transferência da indústria têxtil da Europa para países em desenvolvimento do fim do século XIX ao início do século XX já foi sintomática da perda de seu status de indústria líder. A história do capitalismo mostra que atividades industriais migram do centro para a periferia do sistema mundial quando a concorrência no setor já é acirrada, inovações tecnológicas foram rotinizadas, e, por isso, lucros extraordinários já não são mais possíveis. As raízes teóricas deste argumento remetem à Karl Marx e Joseph Schumpeter.

Em relação ao aspecto social, a medida protecionista em discussão agrava o já regressivo regime tributário brasileiro (em que os pobres pagam proporcionalmente mais impostos do que os ricos). Quando a tarifa alfandegária é cobrada proporcionalmente ao preço do produto importado, a tributação é neutra em relação à distribuição de renda. Todavia, quando um tailleur caro e um moleton barato são taxados com igual valor absoluto por terem o mesmo peso, o pobre que compra o moleton paga proporcionalmente mais do que o rico que veste o tailleur. A medida é, portanto, incoerente com os esforços do governo em reduzir a altíssima desigualdade de renda existente no país.

É importante proteger o Brasil da crise mundial e administrar nossas relações com a China de modo a capitalizar seus aspectos cooperativos e minimizar o custo de seus aspectos competitivos. O Brasil precisa de política industrial, de câmbio competitivo, de ciência e tecnologia, e de educação. Porém, proteger um setor maduro da indústria nacional, que já se beneficia de altas tarifas de importação, sem compromisso de performance exigido, e onerando consumidores de baixa renda, não é o melhor caminho. Em vista disso, no mínimo torçamos para que a receita tributária decorrente destas medidas protecionistas seja usada para converter o capital industrial nacional em setores de fronteira tecnológica, onde o Brasil deve ocupar nichos que garantam pelo menos a manutenção da posição intermediária que ocupa na hierarquia mundial de riqueza.

*Economista e sociólogo, doutorando em Sociologia pela Johns Hopkins University (EUA).

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